O Ministério Público do Estado do Espírito Santo instaurou dois Inquéritos Civis para apurar a responsabilidade civil do Estado por conta do desmantelamento da Polícia Civil. As investigações estão a cargo do promotor de Justiça Paulo Panaro Figueira Filho, na função de titular da 21ª Promotoria de Justiça Criminal, com atribuições no Controle da Atividade Externa da Polícia.
Os dois Inquéritos Civis apuram as péssimas condições das estruturas físicas das unidades – Delegacias e setores das Perícias – da Polícia Civil na Grande Vitória, além da escassez de efetivo – falta de investigadores, escrivães, delegados, médicos-legistas, peritos criminais e papiloscópicos, dentre outros profissionais.
Os inquéritos abertos têm a finalidade de apurar a responsabilidade civil do Estado e, se for o caso, a responsabilidade também dos gestores, o que, no futuro, ensejaria ação de Improbidade Administrativa.
De acordo com o promotor de Justiça Paulo Panaro, em caso de acolhimento da denúncia – quando for apresentada pelo Ministério Público – e, posterior análise da Justiça em fase de processo, o Estado pode ser condenado pela “obrigação de fazer” melhorias nas unidades policiais e até a efetivar a contratação de policiais por meio de concursos públicos.
Em 8 de janeiro deste ano, o Blog do Elimar Côrtes publicou, com exclusividade, que relatório lançado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) revela que o Espírito Santo possui 134 unidades (Delegacias e setores da Perícia) de Polícia Civil. Deste total, apenas sete contam com o número de policiais suficiente para o adequado exercício da atividade-fim, que é a investigação de crimes. Na mesma postagem, informou que o Ministério Público Estadual capixaba foi o único da Região Sudeste a inspecionar, no período pesquisado – o ano de 2016 –, 100% das unidades da PCES.
Em um ano, 100 peritos do Departamento de Identificação se aposentaram
O número de profissionais que vêm se aposentado na Polícia Civil capixaba é muito grande. Segundo Paulo Panaro, quando da realização da primeira inspeção, em 2015, ele encontrou 193 peritos papilocóspicos no Departamento de Identificação da Polícia. Na segunda inspeção, em 2016, este número já havia caído para 83 profissionais. Os outros 100 se aposentaram e o Estado não fez a reposição de policiais. Hoje, o Departamento de Identificação da Polícia Civil do Espírito Santo funciona com a ajuda dos estagiários e de servidores públicos municipais que são emprestados para o setor, realizando uma função que é exclusiva de policiais civis.
Outo problema detectado nas inspeções diz respeito aos Inquéritos Policiais. O relatório do Conselho Nacional do Ministério Público informa que, com dados de 2016, em 69 Delegacias de Polícia Civil capixabas, das 134 visitadas, foram encontradas ocorrências investigadas sem instauração de Inquéritos Policiais ou Termos Circunstanciados.
Este, aliás, continuou sendo um problema corriqueiro em 2017. O Ministério Público tem feito levantamento do número de Inquéritos de Flagrante e de Inquéritos de Portaria com Relatório. Em uma das delegacias inspecionadas em 2017 foram encontrados cerca de 400 Inquéritos Policiais em seu acervo físico. Eram IPs instaurados antes de 2010. Triste conclusão: nenhum dos inquéritos, mesmo já instaurados, tinha sido remetido ao Ministério Público até a data da visita da Promotoria de Justiça Criminal responsável pelo Controle Externo da Atividade Policial da Grande Vitória.
“A grande preocupação hoje, além das estruturas físicas das Delegacias de Polícia Civil, é a não investigação de crimes. O percentual de Boletim de Ocorrência que se transforma em Inquéritos Policiais ou em Termo Circunstanciado não passa de 10% até mesmo no caso de Delegacias Especializadas, incluindo, aí, as DPs Distritais. Nas Divisões (Homicídios e Patrimonial), por contarem com uma estrutura física e de pessoal maior, o percentual de inquéritos instaurados é um pouco maior, mas não muito”, lamenta o promotor de Justiça Paulo Panaro.
Delegacias são fechadas na Grande Vitória
Outra triste constatação: a estrutura física das Delegacias Especializadas não tem muita diferença das DPs Distritais ou Regionais, enquanto as Divisões “só têm um pouco mais de estrutura”.
O Ministério Público Estadual está também preocupado com o fechamento de Delegacias Distritais nos últimos anos. Na Delegacia de Santo Antônio (em Vitória), por exemplo, funcionam também as DPs do Centro e São Pedro, obrigando moradores de dezenas de bairros a se locomoverem para um único espaço quando têm que registrar algum Boletim de Ocorrência e ou buscar ajuda da Polícia Civil.
O mesmo fenômeno se verifica em Vila Velha e na Serra. A Delegacia de São Torquato, “uma circunscrição extremamente sensível para a segurança pública”, na avaliação do promotor de Justiça Paulo Panaro, foi fechada e transferida para a DP de Cobilândia – este bairro é apontado como o maior polo industrial de Vila Velha. Para Cobilândia também foi transferida a DP de Vila Garrido.
Nos dois exemplos – Santo Antônio e Cobilândia –, apenas um delegado serve a cada uma das “novas circunscrições” criadas pela Administração da Polícia Civil capixaba.
Na Serra, as Delegacias da Serra-Sede e de André Carloni, fechadas também, foram deslocadas para a 3ª Delegacia Regional, que fica em Laranjeiras. Já a DP de Novo Horizonte passou a funcionar junto à Delegacia de Jacaraípe.
De acordo com Paulo Panaro, o desmantelamento da Polícia Civil no Espírito Santo é algo que vem ocorrendo ao longo das últimas cinco décadas. “Não é responsabilidade exclusiva desse ou daquele governo. O que se verifica é que, em alguns momentos, há tentativas de se recuperar a estrutura física e de pessoal. Mas, no cômputo geral, o desmantelamento ocorre há muitos anos”, constata Paulo Panaro, que foi Perito Criminal da Polícia Civil do Espírito Santo de 1975 a 1989 e é Membro do Ministério Público Estadual desde 1992 – nesse ínterim, ele atuou como advogado.
Exemplo da falta de investimento do Estado na Polícia Civil é a 15ª Delegacia de Cariacica (Sede). Funciona no mesmo lugar, com as mesmas precariedades, com a mesma falta de estrutura, o mesmo prédio em ruína, desde os anos 70, quando o hoje promotor de Justiça Paulo Panaro era policial civil. Toda essa precariedade acaba transformando as delegacias em locais vulneráveis e de fácil acesso para os bandidos, que, constantemente, saqueiam unidades da Polícia Civil no Espírito Santo.
Em 16 de novembro de 2017, a DP de Cariacica/Sede foi invadida por bandidos durante a madrugada. Foi o quarto caso de invasão a unidades policiais civis em 2017. Uma televisão e um aparelho DVD foram furtados pelos criminosos da DP de Cariacica/Sede.
A 15ª DP de Cariacica/Sede atende 74 bairros do município de Cariacica. É considerada uma das mais movimentadas do Estado. Só para corroborar com as preocupações do promotor de Justiça Paulo Panaro, a DP de Cariacica está com as paredes mofadas, com infiltrações e com fios elétricos expostos. A unidade funciona de segunda a sexta em horário comercial, mas não tem segurança patrimonial a noite e nos finais de semana. A delegacia registra 270 Boletins de Ocorrência por mês e uma média de 447 inquéritos investigados. Mas a delegacia só tem um delegado, um escrivão e três investigadores, além de duas viaturas, sendo uma caracterizada e uma descaracterizada, em péssimas condições.
O promotor de Justiça Paulo Panaro explicou que o Ministério Público realiza duas inspeções ordinárias anuais nas unidades da Polícia Civil. A primeira é feita entre 1º de abril a 30 de maio; e, a segunda, entre 1º de outubro a 30 de novembro. Além disso, também podem ser realizadas inspeções extraordinárias.
“O objetivo (das inspeções) não é promover uma caça às bruxas; não é o de buscar erros e irregularidades. O Controle Externo do Ministério Público na Atividade Policial tem a finalidade maior de observar quais são as condições que o Estado, enquanto Administrador, oferece às instituições policiais para o exercício de seu dever (de Estado) em prestar segurança pública. O MP visa nessas inspeções observar as condições que o Estado oferece as instituições policiais”, disse Paulo Panaro.
Somente na Grande Vitória, segundo Paulo Panaro, são 67 unidades, entre delegacias especializadas, divisões, regionais e distritais, além de setores da Polícia Técnico-Científica. Todas as unidades, incluindo o Laboratório de DNA, vêm sendo fiscalizados desde 2015.
A fiscalização na Grande Vitória é feita pelas 20ª e 21ª Promotorias de Justiça Criminal – ambas têm atribuições idênticas, que é o Controle da Atividade Externa da Polícia, incluindo as Guardas Municipais. O promotor de Justiça Paulo Panaro é o titular da 21ª Promotoria, mas acumula também a função na 20ª por conta da aposentadoria do titular. Ele assumiu a missão em maio de 2015.
Já na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiro Militar, o Controle Externo da Atividade Policial é de responsabilidade da promotora de Justiça Karla Dias Sandoval Mattos Silva, que atua na Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar, com atribuição extrajudicial.