Relatório lançado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) revela que o Espírito Santo possui 134 Delegacias de Polícia Civil. Deste total, apenas sete contam com o número de policiais suficiente para o adequado exercício da atividade-fim, que é a investigação de crimes. E mais: somente 26 das 134 delegacias contam com plantão ininterrupto.
Esses e outros dados constam da publicação “O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial”, lançada no dia 18 de dezembro último, durante a 24ª Sessão Ordinária de 2017 do CNMP, em Brasília. O documento traz informações e estatísticas sobre as condições físicas, estruturais e de pessoal verificadas pelas unidades do Ministério Público em 249 delegacias da Polícia Federal e de 6.283 delegacias da Polícia Civil no País.
Os dados se referem ao segundo período de 2016 e foram compilados pela Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (CSP/CNMP), com base na Resolução CNMP nº 20/2007. A norma disciplina o controle externo da atividade policial e, dentre outras questões, determina que as unidades do Ministério Público enviem à Comissão relatórios de visitas técnicas realizadas nas Delegacias de Polícia.
“É estarrecedor o resultado da pesquisa do CNMP, sobretudo quando diz que apenas 5,22% das nossas delegacias possuem servidores suficientes para o trabalho de investigação. Para nós, do Sindipol, não é nenhuma surpresa, pois se trata de uma anomalia que o Sindipol vem denunciado há tempos”, disse o presidente do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol), Jorge Emílio Leal.
No Espírito Santo, os membros do Ministério Público Estadual visitaram as 134 Delegacias de Polícia Civil cadastradas, cumprindo, assim, 100% da meta estabelecida pelo CNMP. Foi o único Estado do Sudeste em que todas as unidades foram visitadas e pesquisadas.
Os dados relativos à Polícia Civil capixaba foram levantados pelo promotor de Justiça Paulo Panaro Figueira Filho (foto), que atua na Promotoria Criminal de Vitória, no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e é o titular da 21ª Promotoria de Justiça Criminal, com atribuição no Controle Externo (modalidade concentrada) da Atividade-Fim Policial, com abrangência em Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra.
Na Grande Vitória, ressalte-se, estão localizadas mais de 50% das delegacias e demais unidades da PC, como os setores de perícia. Nos demais municípios capixabas, a fiscalização, cujo levantamento dos dados resultou na pesquisa apresentada pelo CNMP, foi feita pelos Promotores de Justiça Naturais.
O fato de somente sete delegacias policiais possuírem número de policiais suficiente para a investigação provoca outra anomalia, de acordo com o resultado da pesquisa do CNMP. Em 109 das 134 DP de Polícia Civil capixaba, existem Inquéritos Policiais em tramitação há mais de dois anos, com base no segundo semestre de 2016.
“É outra irregularidade que o Sindipol denuncia. Sem efetivo suficiente, os Inquéritos Policiais ficaram parados nas delegacias, mesmo nas especializadas. A Polícia Civil capixaba acaba priorizando investigações. Geralmente, investigam-se crimes que causam comoção social, que tenham grande repercussão na imprensa ou que as vítimas sejam de famílias importantes e com grande poder aquisitivo”, lamenta o presidente do Sindipol, Jorge Emílio Leal.
Nesta esteira, o Espírito Santo continua mal. De acordo com o CNMP, em pelo menos 69 Delegacias de Polícia Civil, das 134 visitadas, foram encontradas ocorrências investigadas sem instauração de Inquéritos Policiais ou Termos Circunstanciados. O Espírito Santo tem a pior posição entre os Estados do Sudeste neste item: índice de 51,49%. Ocorrências investigadas sem a devida instauração do IP ou do TC é ilegal e fere todas as normas constitucionais.
Outro dado preocupante é que, das 134 delegacias, em apenas 26 há plantão ininterrupto. O Espírito Santo, neste quesito, tem o pior índice da Região Sudeste: 19,40%, o menor índice em comparação ao Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Outra questão que deveria servir de alerta: em 46,27% das Delegacias de Polícia Civil visitadas por promotores de Justiça em solo capixaba, a presença do delegado nos plantões policiais é por meio de sobreaviso – a legislação trabalhista considera em sobreaviso o funcionário que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanece em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. Ou seja, no Espírito Santo, em 62 das 134 delegacias, o delegado-plantonista não está presente fisicamente na unidade, justamente por falta de efetivo. De novo, o pior índice do Sudeste.
O relatório da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (CSP/CNMP) revela que no Espírito Santo ainda há 23 Delegacias de Polícia Civil que abrigam presos. Do total, em três unidades há mulheres prisioneiras.
A pesquisa detectou também que 66 delegacias guardam veículos. Deste total, apenas sete delegacias possuem depósito adequado para a guarda dos veículos.
Raquel Dodge destaca importância da pesquisa
Para a presidente do Conselho Nacional do Ministério Pública e procuradora geral da República, Raquel Dodge, a publicação “O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial” é um passo importante de apoio ao controle externo da atividade policial.
“Trata-se de um documento importante na medida em que menciona não só as unidades policiais que têm boa estrutura e boa condição de exercer o trabalho rigoroso da persecução penal, mas também aquilata aquelas unidades policiais que estão em desacordo não só com as normas existentes, mas também com esse sentimento de que as delegacias de polícia não podem mais servir de cárcere na persecução penal do País. Essa é uma situação há muitos anos disciplinada pelo Código de Processo Penal e pela Lei de Execução Penal e que, no entanto, é uma realidade que segue sendo praticada à margem da lei”, disse Raquel Dodge.
Já o conselheiro do CNMP e presidente da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, Dermeval Farias, destacou que dois propósitos são atendidos com a divulgação dos dados que fazem parte do relatório.
“O primeiro, conclamar o sistema de Justiça e segurança a otimizar o manejo dos mecanismos legais, judiciais e administrativos disponíveis, para a superação da dramática realidade policial no País. O segundo propósito do relatório, por sua vez, consiste no atendimento ao princípio da publicidade e ao deve da transparência, municiando a sociedade com amplo retrato sobre a difícil realidade policial que ela conhece, em fragmentos, por meio do noticiário, bem como os demais órgãos para a formulação de políticas públicas, na medida em que o diagnóstico localiza e qualifica as deficiência encontradas”.
Dermeval Farias conclamou os membros do Ministério Público, com base nos números apresentados na publicação, “a nos auxiliar com o levantamento deste importante retrato da realidade policial brasileira e a assegurar, o quanto antes, ações concretas e eficazes aptas a transformar a realidade a qual ora se apresenta”.
Para fazer um levantamento das condições físicas, estruturais e de pessoal nas delegacias, os membros do Ministério Público preencheram formulários nos quais constam dados sobre a organização do trabalho, investigações, livros de ocorrências, objetos apreendidos, além de depósitos de bens e de veículos.
Leia aqui a íntegra da publicação “O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial”.