Antes de encaminhar para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de federalização das investigações que envolvem a suposta participação de oficiais no movimento paredista dos policiais militares do Espírito Santo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, teve acesso aos áudios que comprometem, sobretudo, o major Fabrício Dutra Correa. O oficial caiu em uma gravação dizendo que quem preside os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) são os oficiais e que ele iria atrasar a solução das investigações até alcançar a prescrição – quando uma investigação ou processo é arquivada pela ineficiência do Estado em punir responsáveis por crimes.
Cópias dos áudios (às quais o Blog do Elimar Côrtes teve acesso com exclusividade) estão anexadas ao Incidente de Deslocamento de Competência (IDC 14), cuja relatora é a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Ela, inclusive, já solicitou ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo informações sobre o andamento das investigações e processos em desfavor dos militares acusados de incentivar e participar da “greve” ocorrida na PM em fevereiro deste ano. Os áudios foram levados pelo próprio Janot até a ministra Maria Theresa. Para o procurador-geral da República, as gravações poderão ajudar o STJ a entender pelo deferimento de seu pedido.
O Inquérito Policial Militar número 728/2017, instaurado pela Corregedoria Geral da Polícia Militar e que serviu de base para a denúncia proposta pelo Ministério Público Estadual Militar, apresenta áudios em que o major Dutra – atualmente lotado no 3º Batalhão (Alegre) – incita a desobediência e a indisciplina, além de difamar Oficiais Superiores e até o governador do Estado, Paulo Hartung.
Num dos áudios, o major Dutra deixa claro que uma das intenções do aquartelamento, que durou 22 dias, teria sido atingido, que foi a de prejudicar a carreira política de Hartung, que, segundo o major, tinha “pretensão de ser candidato à Presidência da República”.
Nota-se daí que, embora para a maioria dos policiais e seus familiares, o movimento teve o propósito de reivindicar o justo reajuste salarial, para outros integrantes da corporação a “greve” tratou-se de questões políticas eleitorais.
Durante o movimento paredista, familiares dos militares foram para a frente dos Batalhões e demais unidades da PM e bloquearam a saída das viaturas e dos policiais com fardamento e armamento, comprometendo o policiamento ostensivo que ficou totalmente suspenso, gerando danos irreparáveis à sociedade capixaba – mais de 200 pessoas assassinadas no período de 3 de fevereiro a 25 do mesmo mês, além de saques ao comércio, assaltos, incêndios a ônibus e dezenas de outros crimes.
Nas investigações, a Corregedoria e o Ministério Público descobriram que, no dia 10 de fevereiro, o major Dutra publicou no aplicativo de mensagem “WhatsApp” um áudio em que demonstrou apoio ao movimento paredista dos militares e familiares.
No áudio, que é do conhecimento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Dutra critica publicamente “assuntos relativos à disciplina militar e ato do Governo, denegrindo a imagem do Governador do Estado, dizendo, inclusive, que ele (Paulo Hartung) não cumpre a lei”. Diz trecho do áudio:
“Bom, é…se a greve pra PM é ilegal e tá na Constituição, a reposição da inflação é legal, obrigatória e também tá na Constituição”, diz o major Dutra, para, em seguida, questionar seus ouvintes nos grupos de “WhatsApp”: “Então a gente não pode escolher qual legislação cumprir, qual lei cumprir, qual lei não cumprir, e também a gente não pode escolher quem vai cumprir a lei, quem não vai cumprir?”
“Carreira política do governador foi pro espaço”, diz major
Em outro trecho do áudio, de acordo com a Ação Penal Militar – a denúncia do Ministério Público já foi aceita pela Vara de Auditoria da Justiça Militar, o que significa que o major Dutra já é réu nessa acusação –, Dutra comenta que a carreira política do governador Hartung “já foi para o espaço”:
“Segundo ponto com relação a essa questão do Paulo Hartung. Se ele tinha alguma pretensão a ser candidato a Presidência da República ou de ter um palco nacional, ele já pode desistir, porque a carreira política dele foi pro espaço, não é? Digo se a gente não ganhar alguma coisa ou se não ganhar nada é…a carreira dele já foi pro espaço. Já ficou claro pro Brasil que ele não é um bom negociador, que ele não admite, que ele não negocia, que ele não admite negociação. E no meio político, quem não sabe negociar, num vai a lugar nenhum…”
Mais adiante, conforme consta no processo, o major Dutra incita a tropa à desobediência e à indisciplina, “fomentando o movimento paredista que, naquela data, mobilizava todo o Estado, ao aduzir que estava sendo usada a estratégia correta”. Dizia ele:
“…Se a estratégia de usar as mulheres fosse furada e fosse fraca, o Rio de Janeiro não estaria usando essa estratégia. No Rio, ela não estaria sendo usada e outros estados não estariam copiando a estratégia capixaba. Então, assim o Espírito Santo fez escola de estratégia burra?”, questionou o major.
“Soldado que entra na guerra com medo de se ferir é covarde, nós entramos na guerra…”, afirma major Dutra
Em outro trecho, ele fala da importância dos militares e que a paralisação mostrou o quanto os policiais são importantes para a sociedade: “…Nós somos os caras, nós somos imprescindíveis para a instituição e se Paulo Hartung mandar mil homens embora hoje, sabe o que vau acontecer?…A polícia tem que parar, vai parar.”
Depois, o major Dutra mexe com os brios dos policiais, afirmando que todos devem estar juntos na “guerra”. “Esse é o recado que eu tô dando pra vocês aí. O que vocês acham? A estratégia tá errada? Consequência, meu irmão, segure as consequências. Soldado que entra na guerra com medo de se ferir é covarde, nós entramos na guerra, nós sabemos que vamos sair feridos.”
“O inquérito vai voltar, eu vou usar todo o prazo, ele vai…ele vai e voltar até prescrever”
Por conta do áudio obtido pelos encarregados dos inquéritos e anexado à denúncia do Ministério Público que já está na Justiça Militar, o major Dutra foi também denunciado por difamar o subcomandante do Comando de Policiamento Ostensivo do Sul (COPO-Sul), tenente-coronel Alessandro Marin. No áudio que teria espalhado pelas redes sociais, Dutra teria imputado ao tenente-coronel Marin fatos que ofenderam a reputação do Oficial Superior. Disse que Marin, assim como o próprio major Dutra, procrastinaria a conclusão de IPMs visando a prescrição:
“Inquérito vai demorar. Você tem 60 dias para fazer o inquérito, depois ele vai pra Justiça ou ele volta para novas diligências e quem manda voltar pra novas diligências é o corregedor dentro da PM. Você sabia que quem vai fazer o inquérito sou eu, quem vai fazer o inquérito é o Fabrício…Quem vai fazer o inquérito é o comandante do Batalhão, é o coronel Marin. É essa rapaziada aí quem vai fazer o inquérito é a gente…Ele (inquérito) vai voltar, eu vou usar todo o prazo, ele vai e vai voltar, vai e vai voltar, ele vai e voltar até prescrever”.
Pedido de federalização: Ministra do STJ pede informação ao Tribunal de Justiça
O juiz-auditor da Vara da Justiça Militar, Getúlio Marcos Pereira Neves, acolheu na íntegra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual Militar em desfavor do major Dutra. O oficial passou a responder Ação Penal Militar e foi incurso nas iras do artigo 155 (Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar, que prevê, em caso de condenação, pena de reclusão, de dois a quatro anos); artigo 166 (Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo. Estabelece, em caso de condenação, pena de detenção, de dois meses a um ano); e artigo 215 (Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. Prevê de detenção, de três meses a um ano, caso o réu seja condenado).
O Incidente de Deslocamento de Competência (IDC 14) suscitado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, objetiva transferir para a Justiça Militar da União ou, alternativamente, para a Justiça Federal, a apuração de condutas e eventual responsabilização dos oficiais da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo envolvidos em movimento paredista ocorrido em fevereiro deste ano.
Tão logo o pedido foi distribuído para seu gabinete, por meio de sorteio, em 31 de julho deste ano, a relatora do IDC nº 14, ministra Maria Thereza de Assis Moura, proferiu despacho em que solicita “informações ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo acerca dos fatos narrados na inicial do presente incidente”.