Pela primeira vez, o ex-governador Renato Casagrande (PSB) comentou sobre o momento de crise que vive a segurança pública do Espírito Santo, iniciada com o aquartelamento dos policiais militares, que durou 22 dias. Para Casagrande, o governo estadual errou ao extinguir a Ronda Ostensiva Tática Motorizada (Rotam) e reduzir o prestígio do Batalhão de Missões Especiais (BME), as duas das Tropas de Elite da Polícia Militar. Casagrande disse que se o governo continuar com a estratégia “de esticar a corda”, as consequências vão durar por muito tempo.
“Essa estratégia do governo desmotiva ainda mais a tropa. É necessário quer o governo baixe a bola e tenha humildade para dialogar, de conversar, de chamar para que tenhamos de novo um ambiente mais equilibrado dentro das polícias”, ponderou o ex-governador.
Para Renato Casagrande, “tecnicamente, a decisão do governo do Estado em acabar com a Rotam foi equivocada. Com a extinção, passou-se a pulverizar um Batalhão inteiro. Antes, tínhamos uma tropa concentrada, para agir de acordo com a demanda. Agora, a unidade é pulverizada nos batalhões. Essa tropa pulverizada vai ter de entrar no ritmo e rotina de uma tropa desmotivada”.
O ex-governador fez os comentários durante discurso na Tribuna Livre da Câmara Municipal de Cariacica, na segunda-feira (20/03). Ele esteve na Casa como convidado para falar sobre o momento de crise política e econômica que atravessa o Brasil.
Sem citar em momento algum o nome de seu sucessor, o atual governador Paulo Hartung (PMDB), Casagrande explicou que sua avaliação a respeito da crise na segurança pública não “é política” e sim técnica:
“Estudei muito o tema segurança pública. Quando entrei no governo, em janeiro de 2011, o principal problema de nosso Espírito Santo era e ainda é a insegurança. Mergulhei nessa área, li muitos livros, me reunia mensalmente com delegados de Polícia e com os comandantes de unidades da PM e do Corpo de Bombeiros. Fazíamos, nessas reuniões, avaliação do mês que passou e projetávamos o mês seguinte. Acompanhei e avaliei os índices de homicídios, furtos e roubos de veículos e outros crimes ocorridos em todas as regiões do Espírito Santo. Busquei, enfim, conhecer o assunto. Por isso, minha avaliação sobre o momento não é política; é técnica”.
Em seguida, Renato Casagrande falou da extinção do BME, que se transformou em Companhia Independente. “Tirar o prestígio do BME é um equívoco. Essa decisão caminha numa direção da desmotivação da tropa, que é muito bem treinada e conceituada”.
Nessa parte do discurso, o ex-governador abordou ainda a extinção do Iema, pretendida pelo governo atual. “Trata-se de mais um equívoco, é o desmonte de um governo. A sociedade precisa desses órgãos”, avaliou Casagrande.
Para o ex-governador, o mais importante ao pós-crise é a recuperação da auto estima dos policiais militares. “É preciso recuperar e elevar a auto estima da PM. O que aconteceu e está acontecendo promoveu um conflito interno na corporação. Em alguns casos houve a ruptura da hierarquia, o que gerou um problema de desmotivação na corporação”, ressaltou Casagrande, que na última quarta-feira (22/03) participou do lançamento do quinto número da revista Politika, na sede da Fundação João Mangabeira, em Brasília.
Renato Casagrande ensina, porém, que a motivação só será possível com muito diálogo. Neste ponto, ele cita as ações positivas de seu governo, proporcionadas pelo Estado Presente, programa de segurança pública que uniu todos os setores do Executivo Estadual:
“Só se conseguirá a motivação com muito diálogo e debates sobre propostas de enfrentamento ao crime, inclusive, contando com o envolvimento dos policiais. Foi difícil, no início do nosso governo, trabalhar a questão da integração entre as Polícias Civil e Militar. As polícias já vinham com uma cultura do trabalho em separado, mas conseguimos. Fizemos com quê todos fizessem planejamento juntos. A gente tem que retomar esse caminho, pois não foi apenas um mês de paralisação – na verdade, 22 dias. Esse período provocou uma fissura na instituição mais antiga do Espírito Santo, que é a Polícia Militar”, lamentou Renato Casagrande.
Para ele, a ruptura institucional acabou afetando todo o sistema de segurança pública, “porque precisamos de policiais muito bem motivados em todas as áreas de combate à criminalidade”.
O ex-governador Renato Casagrande deixa claro, entretanto, que apesar de ser hoje uma das maiores lideranças políticas do Espírito Santo, em momento algum incentivou manifestações dos militares e de seus familiares:
“Não podemos incentivar manifestações como essas que ocorreram. Eu não incentivei em hora nenhuma esse episódio. Não poder incentivar manifestações de policiais não significa, porém, que podemos tratar os policiais de qualquer jeito. Dispensar aos policiais um tratamento inadequado é também um erro. Não podemos incentivar o que aconteceu (motim, aquartelamento, bloqueios nas unidades militares por parte dos familiares), mas temos que dar atenção ao diálogo às corporações policiais”.
Nessa parte, Casagrande encerra sua fala e a palavra volta ao vereador Joel da Costa (PMDB), que é cabo reformado da PM. O vereador informou que, depois do aquartelamento, pelo menos mil policiais militares estariam de licença médica e que outros mil se preparam a para ir para a reserva, tamanho é a falta de motivação na tropa. Casagrande, então, completa, afirmando que o atual governo estaria tratando o problema com um certo desprezo:
“Eu acho que se o governo continuar com a estratégia de esticar a corda, sem pensar em agregar, sem pensar em motivar a tropa, as consequências vão durar por muito tempo. Essa estratégia do governo desmotiva ainda mais a tropa. É necessário que o governo baixe a bola e tenha humildade para dialogar, de conversar, de chamar para que tenhamos de novo um ambiente mais equilibrado dentro das polícias.”
Saiba Mais
Os protestos começaram no dia 3 de fevereiro, quando um grupo de esposas, filhos e amigos de PMs bloqueou a entrada da sede da 2ª Companhia do 6º Batalhão (Serra), no bairro Feu Rosa. No dia seguinte, o bloqueio já atingia todos os Batalhões e até no Quartel do Comando Geral da PM, em Maruípe, Vitória. O protesto, inicialmente, foi por melhoria salarial. O soldado da PM do Espírito Santo recebe hoje o pior salário do País, dentre os 26 estados e o Distrito Federal: a remuneração é de apenas R$ 2.646,112.