Ao decretar a prisão preventiva das quatro pessoas acusadas de diversos crimes que culminaram no aquartelamento de 22 dias dos policiais militares do Espírito Santo, a juíza Gisele Souza de Oliveira, da 4ª Vara Criminal de Vitória, descreve, no despacho, a conduta relativa a cada um dos investigados. A juíza decretou prisão preventiva de Ângela Souza Santos, o ex-cabo PM Walter Matias Lopes, o cabo PM Leonardo Fernandes Nascimento e Cláudia Gonçalves Bispo, “para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal”. Ângela é esposa de um PM e Cláudia, mãe de um soldado. As informações constam nos autos de número 0006726.26.2017.8.08.0024. O processo é público e se encontra no Portal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Ângela Souza Santos:
As interceptações telefônicas demonstraram que a investigada Ângela Souza Santos, que é esposa do CB PM Wellington dos Santos Alvarenga, destacou-se como uma das principais vozes ativas e de liderança do movimento paredista e que atualmente encontra-se em plena atividade de articulação para a realização de novo bloqueio dos batalhões de Polícia e até mesmo dos acessos a esta Capital, a exemplo da Segunda e Terceira Pontes…
Vê-se que Ângela articulou com a também investigada Neuzilene a realização de reunião efetivamente ocorrida no dia 07.03.2017, com a participação de mais de 200 pessoas, cujo local foi por ela própria providenciado, preocupando-se, inclusive, em sinalizar com um pano branco o local exato da reunião para que as pessoas do ‘grupo’ (do whatsapp) pudessem encontrá-lo.
Em outro trecho da interceptação, no dia 03.03.2017, Neuzilene conversou com a investigada Clayde, informando-a sobre a intenção de Ângela em promover novo caos no Estado após a saída das forças nacionais de segurança…
No dia seguinte, 04.03.2017, a investigada conversou com uma mulher não identificada, informando-a que as mulheres sairiam da “porta do quartel”, mas que voltariam, e que seria muito pior…
Em diálogo com sua irmã, em 05.03.2017, Ângela reforçou o fato de que apenas estavam esperando a Força Nacional ir embora para que a situação piorasse…
Em diálogo com “Suely” no dia anterior à reunião, Ângela informou que “ainda não foi presa” e que o “bicho vai pegar”, que é “cada um por si e Deus por todos nós”. Nesta mesma conversa, ela confirmou o encontro para providenciarem nova “divisão do plantão”, numa clara demonstração de que intentava reacender o movimento que instaurou o caos no Estado do Espírito Santo no último mês.
Neste mesmo diálogo, Ângela evidenciou seu profundo envolvimento nos fatos ocorridos, informando, inclusive, que um tenente-coronel e uma major não saíam da sua casa.
Os diálogos evidenciam que Ângela, efetivamente, está orientando os familiares a, até mesmo, estocarem comida, sugerindo que após a saída das Forças Amadas do Estado, não haverá segurança pública, afirmando que a “vagabundagem” está ciente da paralisação, tendo havido entre ambas uma conversa acerca de aquisição de uma arma de fogo.
Nos diálogos que seguem, a investigada conversa com Cláudia, outro alvo desta investigação, afirmando como será feito o novo movimento…
O relatório indica, ainda, que o envolvimento de Ângela nos fatos não se restringe à organização de reuniões e orientação do grupo de familiares, estendendo-se à efetiva vigília de atos de qualquer natureza que digam respeito à carreira dos policiais militares.
Para tanto, no dia 08.03.2017, a investigada se fez presente na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, quando foi aprovado o Projeto de Lei que objetivava reestruturar a categoria, incitando e coordenando a prática de crimes como meio de “protestos”, como o bloqueio das 2ª e 3ª pontes…
Não acreditando ser suficiente a paralisação das cidades com o fechamento das pontes, Ângela ainda afirmou, no dia 10.03.2017, que “vai ter surto de novo e que Vitória vai ficar de cabeça para baixo”.
Ontem, dia 16.03.2017, Ângela conversou com a também investigada Cláudia, afirmando que passou nos batalhões e que os policiais estão de acordo em fechar as unidades, demonstrando, mais uma vez, sua atuação na condição de líder, com grande capacidade de articulação, afirmando, inclusive, que precisava de mais mulheres no interior, sugerindo qual batalhão deveria fechar primeiro e concluindo com a confirmação de mais uma reunião que ocorrerá em sua casa.
Por fim, por volta das 20 horas de ontem, Ângela assumiu que “atrapalharam o trânsito na Praça Oito até as 18 horas”, numa clara menção à manifestação em frente ao Palácio Anchieta, oportunidade na qual uma manifestante entrevistada afirmou que irão fechar novamente os batalhões.
“Portanto, os diálogos indicam a articulação liderada pela representada (Ângela Souza Santos) com o intuito de realizar nova paralisação das atividades da Polícia Militar no Espírito Santo. Demonstrado, assim, o risco iminente da retomada de ações atentatórias ao serviço de segurança pública no Estado do Espírito Santo, em razão da atuação desta investigada junto aos demais investigados mencionados nesta decisão”, salienta a juíza Gisele Souza de Oliveira.
Walter Matias Lopes:
É possível observar pelas transcrições acima que Ângela não atua sozinha na liderança do movimento. Isto porque também se destacam nos diálogos as falas do investigado Walter Matias Lopes, presidente da ASPOBOM (Associação dos Beneficiários da Polícia e Bombeiros do Estado do Espírito Santo).
A investigação demonstrou que além de incitar o movimento por meio de redes sociais, inclusive com ameaças ao Secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, Matias foi o responsável pela segurança das mulheres na porta dos batalhões…
Em diálogo no dia 27.02.2017, Matias conversou com um homem não identificado e disse, expressamente, que fez a segurança das entradas dos batalhões…
Tal fato também foi objeto da conversa entre Matias e Ângela, quando a investigada afirmou que objetivavam, até mesmo, ‘homenageá-lo’ com a confecção de uma camisa. Em seguida, conversaram sobre mais pessoas quererem se associar à ASPOBOM, presidida pelo ex-policial, que segue no diálogo confirmando uma reunião que seria realizada naquele dia e dizendo que ‘estão querendo achar um líder’…
Em 04.03.2017, Matias conversou com um Sargento da Polícia Militar, não identificado até o momento, sobre os fatos recentes envolvendo a paralisação da PMES, quando mencionou que ‘só não prenderam Matias porque não conseguiram, mas que já o colocou como líder deste movimento’, informando que sabia que seu telefone estava“ ‘grampeado’…
Não bastassem as transcrições expostas até o momento, outras passagens do relatório reforçam a percepção de estreito vínculo entre Ângela e Matias, que, inclusive, sugeriram o bloqueio de batalhões para instauração de nova instabilidade pública, chegando, até mesmo, a tentarem ocupar a Assembleia Legislativa, cujo insucesso provocou nova reunião na casa de Ângela, cogitando-se, novamente, o fechamento da 3ª ponte…
Veja-se que a Cláudia pediu para que Ângela falasse para Matias sobre necessidade de se fazer um ‘caos na ALES’, instruindo o investigado a juntar ‘um pessoal’ para fazer reunião na CUT, ao passo em que ele respondeu que era ‘hora de usar mais a cabeça que a emoção’.
No dia de ontem, 16.03.2017, logo após uma conversa havida entre Cláudia e Ângela, esta entrou em contato com Matias informando-o de que já estava ligando para as pessoas do interior e que eles estão de acordo com novo fechamento do batalhão, que “não vai ter jeito”, ao passo em que o investigado responde que é melhor conversarem pessoalmente, porque os telefones estão grampeados…
Leonardo Fernandes Nascimento:
Inicialmente, registra-se que embora o nacional Leonardo Fernandes Nascimento seja policial militar da ativa, o crime de associação criminosa, previsto no Código Penal (art. 288), por não encontrar correspondência no Código Penal Militar, a ele se aplica, por força do princípio da subsidiariedade, motivo pelo qual se firma a competência deste Juízo, e não da Justiça Militar.
Esclarecida tal questão, as interceptações telefônicas contidas no relatório da GAECO demonstraram que Leonardo possui estreito vínculo com a investigada Ângela, sendo convidado para a reunião já mencionada acima, à qual ele foi a bordo da viatura 3590, do 1º BPM, realizando, em tese, a segurança do local…
Na realização da segurança da reunião, Leonardo abordou uma viatura descaracterizada conduzida por dois agentes da Corregedoria da Polícia Militar que estava nas imediações do local, o que demonstrou ainda mais o seu empenho em colaborar com o movimento liderado por Ângela e Matias.
Em outra reunião acerca do movimento na casa de Ângela, em 11.03.2017, esta pediu para que Leonardo passasse com a viatura no local, o que ele disse que faria…
Logo, também demonstrada a necessidade da custódia preventiva deste investigado, por ser o responsável em garantir o “sucesso” das reuniões do movimento paredista, cujo objetivo é atentar contra a segurança público no Espírito Santo, contribuindo e reforçando práticas criminosas que, evidentemente, põem em xeque a ordem pública.
Cláudia Gonçalves Bispo:
Por meio dos relatórios anexos aos autos, verifica-se que a investigada Cláudia Gonçalves Bispo é, ao lado de Ângela, um dos principais nomes de liderança do movimento, incitando manifestantes de todo o Estado à prática de crime, notadamente o de atentado ao serviço de segurança pública, praticado por meio dos fechamentos dos batalhões, demonstrando que sua atuação objetiva obter capital político, conforme se vê no seguinte diálogo que travou na data de ontem com a também investigada “Flávia”…
Além disso, conforme já transcrito no item “1.1” desta decisão, Ângela e Cláudia conversam sobre os bloqueios às unidades, diálogo no qual esta questionou àquela quando seria a reunião em sua residência para discutirem o fechamento, já que o pessoal do interior precisa saber para fazer o mesmo, demonstrando a sua condição de articuladora do movimento no Estado.
Ao longo dos dias, a participação de Cláudia já se mostrava relevante…
Veja-se, assim, que também é inegável a participação da investigada Cláudia no movimento que paredista, estando presente o risco iminente da retomada de ações atentatórias ao serviço de segurança pública no Estado do Espírito Santo, em razão da atuação desta investigada junto aos demais investigados.
A juíza Gisele Souza de Oliveira conclui que as investigações apontam, até o momento, para as seguintes circunstâncias:
“Ângela Souza Santos participa ativamente do movimento, em papel de liderança, promovendo diversas reuniões no intuito declarado de provocar nova instabilidade no Estado em razão da falta de segurança pública; Walter Matias Lopes apoia diretamente o movimento paredista, mediante auxílio material e articulação interna para coordenar e incentivar as ações criminosas, figurando, ao lado de Ângela, como a principal liderança do movimento;
Leonardo Fernandes Nascimento, policial militar da ativa, realiza a segurança dos locais das reuniões do movimento, a bordo de viaturas e devidamente fardado, abordando, até mesmo, viatura descaracterizada da Corregedoria da Polícia Militar que rondava as imediações em local de reunião;
Cláudia Gonçalves Bispo age na articulação do movimento pelo Estado, incitando e organizando a retomada das ações delitivas referentes ao bloqueio de batalhões do interior.”
Portanto, salienta a magistrada, “as circunstâncias narradas no requerimento de fls. 03/32 e no aditamento de fls. 165/172 indicam a existência de indícios de participação dos investigados Ângela Souza Santos, Walter Matias Lopes, Leonardo Fernandes Nascimento e Cláudia Gonçalves Bispo nos delitos de atentado ao serviço de segurança pública (art. 265 do CP) e de associação criminosa (art. 288 do CP), dentre outros, cuja prática, nos moldes acima mencionados, demonstra a inequívoca necessidade de custódia cautelar para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Amoldando-se as infrações narradas na peça representativa, prima facie, aos tipos penais previstos nos arts. 265 e 288 do CP, e presentes os requisitos dos artigos 312 e 313, inciso I, do CPP, registro, ainda, que o contexto dos autos indica que nenhuma outra medida cautelar seria suficiente para garantir a ordem pública e preservar a instrução criminal. Portanto, a hipótese dos autos recomenda a decretação da prisão preventiva destes quatro investigados, já que, conforme demonstrado no caso concreto, a restrição à liberdade de Ângela Souza Santos, Walter Matias Lopes, Leonardo Fernandes Nascimento e Ângela Gonçalves Bispo justifica-se, pois imprescindível para o acautelamento da ordem pública contra novas investidas criminosas em razão do movimento paredista e para a conveniência da instrução processual.”