Hoje, dia 3 de dezembro, é o Dia do Delegado de Polícia. Para homenagear a categoria em todo o Brasil, o Blog do Elimar Côrtes entrevistou a delegada de Polícia Civil Amanda da Silva Barbosa, que ocupa o cargo desde abril de 2012. É ainda uma “recruta”, mas demonstra uma personalidade e sabedoria muito fortes para quem, com certeza, fará sucesso na carreira.
Amanda Barbosa é a titular da Delegacia de Atendimento à Mulher de Aracruz, onde ela nasceu e viveu a maior parte de sua vida. Revela, nesta entrevista, que nunca sonhou em ser delegada de Polícia, que é, aliás, seu primeiro emprego na vida. No entanto, a dedicação com que abraçou a carreira e a presença dos colegas em seu dia-a-dia fizeram com que passasse a amar a profissão:
“Confesso que entrei em uma Delegacia de Polícia pela primeira vez quando já estava nas etapas finais do meu concurso. Tanto eu quanto meus familiares não tínhamos a real noção das atribuições do cargo, mas o amor pela Polícia Civil foi algo adquirido por meio do contato com meus queridos colegas de profissão e pelo desempenho diário da função”, afirma a doutora Amanda Barbosa.
Blog do Elimar Côrtes – Qual era sua atividade profissional antes de se tornar delegada de Polícia?
Amanda da Silva Barbosa – Na verdade este (cargo de delegada de Políciaé) o meu primeiro emprego. Após me formar em 2006 no UNESC de Colatina e ser aprovada no exame da OAB em 2007, passei um ano sabático enquanto decidia se tentaria a carreira de advogada ou se me dedicaria aos estudos, tendo ao final optado por me dedicar integralmente à preparação para concursos públicos, quando então me mudei para Vitória em agosto de 2008.
– Onde a senhora nasceu?
– Sou nascida e criada em Aracruz, tendo passado quatro anos em Vitória, parte deles estudando para concursos públicos e os demais, quando já aprovada, envolvida nas etapas do concurso da Polícia Civil e, posteriormente, na Acadepol até ser localizada. Aí, devido a ordem de classificação, consegui escolher a vaga da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Aracruz e, finalmente, pude regressar para casa, não só como delegada de Polícia, mas, principalmente, com a sensação de dever cumprido.
– A senhora tomou posse quando? E por quais unidades passou?
– Tomei posse em abril de 2012 e após, cinco meses de Acadepol, assumi a DEAM de Aracruz, primeira e única unidade pela qual passei e que é a ‘menina dos meus olhos’.
– Como e quando nasceu o sonho de se tornar delegada? Alguém da família a influenciou?
– Na verdade este não era bem um sonho. Confesso que entrei em uma Delegacia de Polícia pela primeira vez quando já estava nas etapas finais do meu concurso. Tanto eu quanto meus familiares não tínhamos a real noção das atribuições do cargo, mas o amor pela Polícia Civil foi algo adquirido por meio do contato com meus queridos colegas de profissão e pelo desempenho diário da função.
Hoje tenho orgulho de dizer que, apesar dos desafios e dificuldades, não me imagino fazendo outra coisa. Sinto prazer em saber que fazemos a diferença na vida de algumas vítimas, e que muitas vezes inibimos a evolução da violência em determinados ambientes domésticos.
– Como a senhora vê o papel da mulher nas instituições policiais? Ainda há algum tipo de preconceito?
– Sempre nutri comigo a ideologia de que homens e mulheres têm direitos e deveres iguais, e não me frustrei com relação a isso dentro da instituição. Não noto o tratamento diferenciado entre homens e mulheres pela simples questão do gênero. Assim como tenho colegas homens brilhantes, também tenho colegas mulheres que fazem um trabalho esplêndido.
Creio que o que deva imperar seja a meritocracia, independente do gênero. Nunca sofri nenhum tipo de preconceito pelo simples fato de ser delegada, mas confesso que noto certo preconceito de alguns com relação à matéria ‘violência doméstica e familiar’. Muito já se fez, contudo, há muito a ser feito. Há quem não entenda que é difícil para a mulher romper o ciclo de violência em que está inserida, em especial porque o agressor, na maioria das vezes, é alguém que ela ama. Essas mulheres precisam de orientação e apoio tanto psicológico quanto social a fim de recuperarem sua autoestima e conseguirem romper essa relação de opressão.
– Como é a rotina profissional de uma delegada de Polícia?
– Considerando que grande parcela da população não sabe qual é o real papel da Polícia Civil muitas vezes sou demandada em questões que não são afetas a rotina policial, mas, como entendo que meu papel como servidora pública e como delegada de Polícia numa Delegacia da Mulher tem um viés extremamente social, tento orientar essas mulheres da melhor forma possível, evitando que elas sigam batendo de porta em porta a procura de quem lhes dê uma resposta ou aponte uma solução para os seus problemas.
Muitas são as mulheres que nos procuram para definir a guarda dos filhos e o direito de visitação, oportunidade em que as oriento a procurar a Defensoria Pública no município ou os Núcleos de Prática Jurídica onde as faculdades do município, por meio de seus estudantes, oferecem esse serviço gratuito. Há também mulheres que nos procuram querendo providenciar a internação de seus filhos dependentes químicos ou alcoolistas, sejam eles maiores ou menores de idade.
Assim, em meio aos despachos e relatórios que permeiam a atividade policial faço também esse trabalho de esclarecimento à população. Muitas vezes também dou palestras em faculdades e nos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) de Aracruz a fim oferecer informações à população.
– Qual é o perfil da mulher vítima de violência doméstica em Aracruz? Aí na região as agressões ocorrem, geralmente, por quais motivos? E qual é o perfil dos agressores?
– Embora saibamos que a violência ocorre em todos os níveis sociais e independente do grau de escolaridade, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar em Aracruz ocorre em lares desestruturados e em que as pessoas pertencem a classe D e E, e que não concluíram o ensino fundamental.
Ao longo desses anos à frente da DEAM pude constatar que a maioria dos casos resultou de problemas sociais que não foram solucionados de forma adequada e que evoluíram para uma conduta tipificada como delito, seja ela um crime ou uma contravenção penal. Nos lares em que o diálogo entre o casal e os filhos está comprometido, a crise financeira e o uso abusivo de álcool e de substâncias entorpecentes geram conflitos familiares que muitas vezes evoluem para agressões verbais e físicas.
O perfil do agressor é aquele que foi criado em um lar desestruturado em que havia violência doméstica e familiar, e que mesmo na maioria das vezes repudiando a conduta do pai que batia na mãe, em momentos de estresse na vida adulta ele tende a reproduzir tal conduta com sua esposa ou companheira. São comportamentos ‘aprendidos’ ao longo de uma vida. O agressor não consegue resolver os problemas familiares e conjugais por meio do diálogo. Ele não aceita ser contrariado e sente que sua mulher lhe pertence.
Assim, quando ela faz algo que ele considera reprovável, ele se sente no direito de agredi-la, como se tal conduta fosse uma forma de puni-la por tê-lo confrontado ou por não tê-lo obedecido. Há homens que não admitem a rejeição. Que consideram que podem refazer suas vidas e constituir novos relacionamentos, mas, suas ‘ex’ estão fadadas a ficarem sós, pois consideram um ‘desrespeito’ elas iniciarem outros relacionamentos, como se mesmo separados ele ainda tivesse propriedade e poder de mando sobre aquela mulher.
Às vezes me pergunto por que mesmo quase 10 anos depois da promulgação da Lei Maria da Penha (11.340/06) ainda há tantos casos de violência doméstica e familiar. Por vezes chego à conclusão que é algo cultural, e que precisamos educar melhor as futuras gerações se quisermos que as mulheres de amanhã sofram menos que as de hoje.
– É possível se saber quantas mulheres têm algum tipo de medida protetiva em Aracruz?
– É possível ter uma visão aproximada, vez que o Judiciário não nos informa quando uma medida protetiva é deferida ou revogada. Esse é um trabalho manual que fazemos consultando no site do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo o andamento dos requerimentos de Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) formulados por nós. Considerando o intervalo de janeiro a novembro de 2015, houve 94 solicitações de MPUs pela DEAM de Aracruz.
– Qual a sua opinião a respeito do Projeto de Lei número 6433/2013 que tramita no Congresso Nacional e dispõe sobre a prerrogativa do delegado de Polícia de aplicar medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica?
– Creio ser uma medida louvável a fim de dar celeridade ao deferimento das Medidas Protetivas de Urgência, diminuindo assim o intervalo de tempo em que a vítima fica sem os benefícios das MPUs, o que em alguns casos pode significar uma questão de vida ou morte.
– Como é a sua atuação na Delegacia de Proteção a Crianças, Adolescentes e Idosos em Aracruz?
– Além de ser titular da DEAM – Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher – respondo também pela DPCAI – Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente e ao Idoso. Essas duas especializadas guardam relação na medida em que cuidam de pessoas que corriqueiramente tem seus direitos e garantias individuais violados, fazendo jus inclusive a legislação específica a fim de resguardar tais direitos e garantias. Pelo fato da DEAM ter um enfoque social acentuado sinto que esse atendimento diferenciado se estende às vítimas da DPCAI fazendo com que estas se sintam melhor acolhidas e, consequentemente, mais a vontade para lidar com o trâmite das investigações.
– Aracruz é um município com grande população indígena. É comum o envolvimento de índios em algum tipo de delito cuja investigação é de responsabilidade de sua delegacia?
– Sim, há muitos casos de violência doméstica e familiar envolvendo indígenas. Há também muitos casos de estupro de vulnerável, vez que em determinadas tribos indígenas é comum o ‘casamento’ entre menores, não só abaixo da idade núbil, mas, antes dos 14 anos completos.
– Nesses quatro anos como delegada, a senhora já teve de participar de diligências consideradas de alto risco?
– Por vezes dou apoio a 13ª Delegacia Regional (Aracruz) quando há operações, mas a situação que mais me marcou foi uma que ocorreu logo no meu início de carreira, em que eu e um policial da minha equipe fomos cumprir um mandado de prisão preventiva pela prática de estupro de vulnerável contra um homem que sabíamos possuir uma arma de fogo.
Na ocasião eu ainda não havia pegado meu colete, pois o feminino ainda não havia chegado e só estavam disponíveis os masculinos em tamanho grande, e que para mim, do alto do meu 1,56m, ficavam enormes. Eu estava aguardando o cumprimento desse mandado ansiosa, vez que o autor continuava a ameaçar e a intimidar a vítima. Assim, nem mesmo a ausência do colete me intimidou. Coloquei o meu Ray-Ban e naquele instante me senti ‘a prova de balas’ (risos). Graças a Deus deu tudo certo e a diligência correu sem nenhuma anormalidade. Contudo, hoje vejo que há riscos que não devemos assumir e que a precaução ainda é a melhor prática.
– Qual o seu destaque final neste Dia do Delegado de Polícia?
– Como consideração final gostaria de agradecer a oportunidade de expor o trabalho da DEAM, pois muitas vezes as pessoas não têm ciência da seriedade do tema ‘violência doméstica e familiar’ e não sabem o quanto é difícil para a vítima reconhecer que o homem que ela ama não é mais o seu príncipe encantado, e que por mais que ela não queira abrir mão do seu casamento ou desistir do seu modelo de família ideal ela precisa se livrar daquela situação de violência, porque a próxima vez pode ser a última. Que por mais que ela não queria que os seus filhos cresçam sem a companhia do pai faz muito mal aos pequenos acompanhar de perto a situação corriqueira de desrespeito e violência entre o casal.
Que a mulher deve se sentir segura para buscar ajuda, e que somente com o nosso apoio e dos demais órgãos que atuam em parceria conosco ela poderá reconquistar sua autoestima e ver que merece mais e melhor, e que se ela realmente quiser, ela pode.