Disposição para o trabalho é o que não falta ao agora cidadão comum Renato Casagrande. Levanta cedo, antes das 6 horas, toma seu café e se dirige para o escritório, na Praia do Canto, em Vitória. Descarta o elevador e sobe a pé até o sexto andar, onde trabalha. Acumula a presidência da Fundação João Mangabeira, que pertence ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), com o cargo de secretário Nacional do PSB, o partido que abraçou há quase 30 anos.
Desde que deixou o governo do Estado em 1º de janeiro deste ano, esta é a primeira vez que Renato Casagrande concede uma entrevista. Geralmente, tem se manifestado pelas redes sociais ou mesmo por meio da mídia convencional quando precisa rebater “algumas mentiras” ditas pelo atual governo, que tenta “desconstruir o que fizemos em quatro anos” no Espírito Santo.
Em momento algum desta entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes, o ex-governador Renato Casagrande cita o nome de seu sucessor, Paulo Hartung. Refere-se apenas ao “governo atual”. Casagrande reconhece que o País atravessa uma crise econômica. Porém, nada diferente das turbulências que enfrentou durante os quatro anos de sua administração, como “a depressão econômica” que atingiu os países desenvolvidos e, consequentemente, o Brasil e o Espírito Santo; as tragédias climáticas que provocaram destruição no Estado e causaram dezenas de mortes; os debates pelo fim do Fundap e dos royalties do petróleo.
“Iríamos enfrentar a crise com gestão de controle, sem cortes nas áreas sociais”, ensina Renato Casagrande, que completa: “O atual governo adota a prática da velha política, paralisando obras e causando o desemprego sem necessidade. Um bom governante tem que gerar esperança ao seu povo e não desespero…Na hora em que as pessoas passam por dificuldade, como agora, é que o governo precisa ajudar. Deixamos R$ 2 bilhões em caixa e o atual governo já acumula mais R$ 1 bilhão.”
Blog do Elimar Côrtes – O que o senhor tem feito nesses quase sete meses após deixar o governo?
Renato Casagrande – Desde que deixei o governo, dei início a uma outra atividade na política, mas sem mandato. E estou muito feliz com o que estou fazendo. Sempre me identifiquei com a atividade pública e exerço a presidência da Fundação João Mangabeira e sou secretário Nacional do PSB. Eu já exercia o cargo de secretário Nacional do partido, mas estava em outra missão nobre, que era a de governador do Estado do Espírito Santo.
Agora, porém, estou tendo mais tempo para ajudar a fortalecer o partido nacionalmente. Estamos realizando um bom trabalho nesse sentido, justamente neste momento em que a política anda muito desacreditada em nosso País por conta dos escândalos de corrupção. Queremos que o PSB seja uma referência em termos de credibilidade. Queremos que o PSB se identifique com o pensamento de uma esquerda democrática e competente; que o partido seja eficiente na gestão pública, na ética e na transparência. Lutamos para que o partido seja uma referência de valor, conceito e programa.
– O PSB terá candidato a próprio para Presidente da República na eleição de 2018?
– Nosso desejo é que o PSB tenha um nome para disputar a Presidência da República em 2018. Estamos construindo e elaborando a atualização do partido para mostrar ao Brasil o modelo de gestão do PSB. Primeiro, temos que construir a roupa, para que alguém que vier vista esta roupa e seja o nosso candidato na eleição presidencial de 2018.
O PSB sempre buscou alternativas. Foi assim, no ano passado, com o governador Eduardo Campos – que morreu em um acidente aéreo, em São Paulo, durante a campanha eleitoral – e depois com a Marina Silva. O PSB tem que ser uma alternativa à polarização PT/PSDB, que empobrece a política brasileira. Hoje, a disputa entre os dois (PT e PSDB) é para ver quem fala mais mal do outro. Os dois partidos estão no poder há mais de 20 anos e não fizeram as mudanças que o Brasil precisa.
– O PSB apoia os grupos que falam em possível abertura de processo para o impeachment da presidente Dilma Roussef (PT)?
– O PSB não tem posição pelo impeachment da presidente Dilma. Estamos, sim, forçando o debate para que o governo federal possa reagir e, assim, transmitir confiança ao povo brasileiro. Na disputa eleitoral durante o segundo turno, ano passado, nós não apoiamos a presidente Dilma e sim o senador Aécio Neves (PSDB). Penso que empurrar a Dilma para fora do governo pode não ser a melhor saída para o País.
Hoje, é um risco muito grande se a Presidente não conseguir reagir, porque a maioria da população não apoia o governo dela. Neste momento, o povo está sem expectativa e sem esperança no futuro.
– Se o senhor tivesse sido reeleito, como enfrentaria a atual crise econômica que atinge todo o Brasil?
– Iríamos, se eu fosse reeleito, enfrentar com uma gestão de controle. Durante os quatro anos de meu governo, enfrentamos crises profundas. Logo no início, em janeiro de 2011, os países desenvolvidos já estavam sofrendo depressão econômica muito grande. Enfrentamos debates como o fim do Fundap, dos royalties do petróleo, eventos climáticos que devastaram municípios e outras grandes áreas do Estado. Tragédias climáticas, como as fortes chuvas de 2013, que mataram dezenas de capixabas; destruíram milhares de casas; derrubaram pontes e destruíram estradas. Tivemos que reconstruir o Espírito Santo. Enfrentamos tudo com muito trabalho, com a ajuda e a solidariedade dos capixabas. Enfim, ultrapassamos cada crise para que todos pudessem ter um futuro melhor.
Deixamos o governo com R$ 2 bilhões em caixa para que a atual administração pudesse enfrentar a crise com menos dificuldade. Como eu disse, iríamos enfrentar a atual crise com uma gestão de controle. A atual crise não é exclusiva do Espírito Santo, é brasileira. Iríamos enfrentar as dificuldades como fizemos a partir de janeiro de 2011, sem cortes dos recursos das áreas sociais; sem prejudicar os servidores públicos; sem cortes na segurança pública, saúde, educação. Manteríamos os programas sociais, porque são voltados para as populações mais carentes.
O atual governo adota a prática da velha política, paralisando obras e causando o desemprego sem necessidade. Um bom governante tem que gerar esperança ao seu povo e não desespero.
Para se ter ideia do reflexo da paralisação de obras na sociedade, de janeiro até agora pelo menos 7.800 trabalhadores foram demitidos: 3.500 perderam o emprego na indústria da construção pesada, que atua com a com construção de pontes e estradas, por exemplo; e 4.300 foram demitidos na área da construção civil.
Assumimos o governo, em janeiro de 2011, sob forte crise. Mas criamos programas sociais como forma de amenizar o sofrimento da população mais necessitada, como o ‘Bolsa Família’ capixaba e a CNH Social.
Na hora em que as pessoas passam por dificuldade, como agora, é que o governo precisa ajudar. Deixamos R$ 2 bilhões em caixa e o atual governo já acumula mais R$ 1 bilhão.
É preciso entender que uma obra paralisada por sete meses, como acontece agora, vai custar lá na frente, quando for retomada, até 40% mais cara, porque serviços terão de ser refeitos. E quem vai pagar esse custo a mais? A população; nós, cidadão que pagamos impostos.
Portanto, a proposta adotada pela atual gestão é antiga e feia. O dinheiro mantido em caixa daria para concluir obras importantes. O governo poderia até reduzir o ritmo das obras, como forma de controle, mas nunca paralisá-las.
– Como viu o Tribunal de Contas aprovar as contas de seu governo relativas a 2014?
– O Tribunal de Contas aprovou, com unanimidade, as contas do meu governo referentes ao ano de 2014. O parecer técnico dos auditores e dos conselheiros prova, mais uma vez, a responsabilidade e o compromisso que minha equipe e eu tivemos com o Espírito Santo. A aprovação mostra com clareza que deixamos o Estado organizado e com recursos em caixa.
Portanto, repito e insisto: deixamos R$ 2 bilhões em caixa; o governo atual conseguiu poupar mais R$ 1 bilhão nesses primeiros seis meses com os cortes que fez em todas as áreas; e deixamos ainda mais R$ 1 bilhão referentes a financiamento feito junto ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento). O governo atual não tem razão para esse comportamento (de desconstruir o governo Renato Casagrande).
– Como o senhor analisa a situação atual da segurança pública?
Apesar da crise que enfrentamos, meu governo não fez nenhum corte na Segurança Pública. Pelo contrário, foi responsável pelos maiores investimentos no setor de todos os tempos na história do Espírito Santo. Conseguimos reduzir o número de homicídios em quatro anos, assim como diminuímos também os furtos, roubos e outros crimes. Instalamos a Patrulha da Comunidade, por meio da Polícia Militar; e adotamos, no Espírito Santo, um verdadeiro programa de Segurança Pública, que é o Estado Presente, hoje referência nacional e até em outros países.
Hoje, o governo atual retirou o nome do programa (Estado Presente) e diz que vai fazer uma tal de ‘Ocupação Social’, que, de concreto, ainda não tem nada. Enquanto isso, pelo que tomamos conhecimento por meio da imprensa, tem crescido o número de furtos e roubos, porque a polícia saiu das ruas. Hoje, o Estado tem reduzido o número de assassinatos, por conta das políticas adotadas em nosso governo na segurança pública e nas áreas sociais. No ano passado, a polícia capixaba prendeu um grande número de criminosos, o que reflete agora na redução de homicídios.
O Espírito Santo está colhendo agora, na área de segurança pública (a continuidade da redução do número de homicídios), o que plantamos há quatro anos: o Estado Presente. Uma pena que prática antiga da política acaba com programas sociais que estavam inseridos dentro do Estado Presente.
– O senhor errou em manter aliados de Paulo Hartung em seu governo?
– Não. Eu não errei. Em 2010, quando fui escolhido para ser o candidato do grupo ao governo do Estado assumi compromisso de fazer um governo compartilhado. O que aconteceu é que eu fui traído. Se errei, foi ao assumir o compromisso. Mas sou responsável o suficiente para manter compromisso que assumo. Cumpri minha palavra e mantive o grupo político do atual governador (Paulo Hartung) em meu governo. Eles é que não mantiveram o compromisso que fizeram comigo.