Dezessete anos depois de serem vítimas de uma das maiores aberrações feitas pelo Estado do Espírito Santo contra seus servidores públicos, policiais e bombeiros militares vão começar a receber o que tiveram que pagar indevidamente. A Justiça Estadual determinou ao Banestes que devolva com juros e correções monetárias a um grande grupo de militares todos os valores debitados em suas contas correntes, no episódio que ficou conhecido como ‘Crédito Rotativo’.
Em 1998, último ano do governo de Vitor Buaiz, que era do Partido dos Trabalhadores, o Espírito Santo atravessava uma das maiores crises de sua história. Sem dinheiro e prestígio com o governo federal – o País era governado à época pelo tucano Fernando Henrique Cardoso, que boicotava os estados administrados pelo PT –, Vitor Buaiz teve de suspender o pagamento dos salários relativos aos meses de outubro, novembro de dezembro do último ano de seu governo.
O governo posterior, de José Ignácio Ferreira, continuou enfrentando a crise. O governo estadual repassou ao Banestes a folha de pagamento dos servidores, informando o valor líquido que cada policial e bombeiro militar – o caso específico desta ação – tinham a receber ao final de cada um dos três meses (outubro, novembro e dezembro).
O Banestes, então, depositou na conta de cada policial o valor líquido de seu salário. O dinheiro entrava na conta corrente como se fosse um empréstimo. Como ao final de cada mês o salário não era pago, para não passar fome e tendo que sustentar a família, o policial acabava usando um dinheiro. O Banestes cobrava juros e correções monetárias de cada saque efetuado pelos policiais, porque o salário se tornou um empréstimo.
Em março de 2000, a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (ACS/ES) entrou com uma Ação Ordinária na Justiça e o caso foi parar na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória.
Sob o número 024000036756, a ação foi contra o Estado do Espírito Santo e o Banestes, em que a ACS/ES fez as seguintes argumentações em nome de todos os seus associados daquela época:
1) os substituídos (associados) são servidores públicos militares estaduais da ativa; 2) o atual Governo do Estado assumiu de seu antecessor uma dívida junto aos seus servidores, relativa aos salários de outubro, novembro e dezembro de 1998; 3) visando minimizar as consequências decorrentes desse atraso, o Sindicato Requerente (ACS) firmou com o Banestes, um convênio para o recebimento dos meses atrasados, denominado “crédito rotativo”, a ser creditado na conta de cada servidor associado da requerente, mediante anuência e interferência tácita do Estado do Espírito Santo, que seria, futura e gradualmente, quitado com a retenção direta pelo Banco Estadual do pagamento dos mesmos valores pelo Estado segundo o cronograma legal; 4) todavia, o Governo do Estado não efetuou o pagamento conforme havia programado, permanecendo os associados da requerente devedores ao Banestes; 5) outras classes de servidores do Estado, como o Judiciário e o Ministério Público, têm o respaldo do Governo Estadual para adquirirem empréstimos rotativos, e serem os juros e encargos provenientes dos mesmos arcados pelo Poder Público.
Ao final, a ACS/ES requereu a procedência da ação, para condenar o Estado e o Banestes a se absterem de efetuar dos salários dos associados quaisquer descontos destinados ao pagamento de vencimentos, bem como a devolverem os valores já descontados, acrescidos de juros e correção, sob pena de multa.
A ACS/ES ainda requereu a procedência da ação, para: a) declarar “a obrigação legal do Estado do Espírito Santo em arcar com os juros e encargos bancários gerados pelo empréstimo rotativo, desde a data da concessão dos referidos créditos até o efetivo pagamento do valor total, referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 1998; b) que os militares associados não sofram qualquer medida por parte do Banestes S/A como forma de retaliar os créditos já existentes em suas contas correntes; e c) que sejam suspensos/anulados todos os contratos existentes entre os militares estaduais e o Banestes relativos ao empréstimo rotativo.
O Banestes ofereceu contestação, arguindo, em suma, que: 1) não há qualquer relação jurídica de caráter obrigacional entre o banco e o Estado do Espírito Santo impondo a este último o pagamento dos encargos e juros decorrentes dos créditos rotativos concedidos aos sindicalizados do autor; 2) existe relação jurídica apenas entre o banco e os associados processuais, aplicando-se, destarte, o princípio da força obrigatória dos contratos.
Na sentença de primeiro grau, proferida em 24 de novembro de 2009, o juiz Rodrigo Cardoso Freitas destaca que o Juízo fez alguns questionamentos ao Banestes, mas não obteve respostas. As questões levantadas pela Justiça foram: “a) se já se operou a amortização do capital mutuado por meio do crédito rotativo, e se isso se fez em compasso com as datas em que os pagamentos foram realizados pelo Estado; b) se os juros e encargos alusivos aos empréstimos referidos foram pagos e por quem; c) se houver contrato de parcelamento em curso informar as partes de tal transação e o prazo que foi estabelecido.
Ao final do julgamento, o juiz Rodrigo Cardoso tomou a seguinte decisão: “Julgo procedente a presente demanda, declarando extinto o processo na forma do art. 269, I, do CPC, pelo que declaro inexistentes os débitos a título de crédito rotativo contraídos pelos substituídos (filiados à ACS/ES), cabendo ao Estado do Espírito Santo arcar com os juros e encargos bancários gerados por tal empréstimo, bem como determino sejam efetivados os estornos dos débitos efetivados sob este espeque nas respectivas contas bancárias, acrescidos de juros de mora, contados a partir da citação e correção monetária forma da Lei nº 6.899/81, contada da época do respectivo vencimento.”
O Banestes recorreu da decisão e todos os recursos de apelação já foram julgados pelo Tribunal de Justiça e a sentença transitada em julgada. O processo encontra-se agora novamente na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória para execução da dívida.
Pela decisão final da Justiça, o Banestes terá de depositar na conta corrente de cada policial o dinheiro cobrado pelo “empréstimo” do Crédito Rotativo e cobrar do Estado o ressarcimento dos juros e correções monetárias a serem repassados aos militares.
“Foi uma luta muito árdua de nosso Departamento Jurídico ao longo desses quase 20 anos. Posso garantir aos associados que todos vão receber o que é de direito. Essa ação não vai virar precatório, porque a dívida será paga pelo Banestes e não pelo Estado”, tranqüiliza o vice-presidente da ACSA/ES, Júlio Maria.