O juiz Aldary Nunes Junior, da Vara da Fazenda Pública Estadual, Registros Públicos e Meio Ambiente de Vila Velha, condenou o Estado do Espírito Santo ao pagamento de indenização moral coletiva no valor de R$ 200 mil, em favor do Fundo Penitenciário Estadual (Funpen), reconhecendo a responsabilidade do Estado pelos danos individuais ocasionados aos 56 detentos que teriam sofrido tortura na Penitenciária Estadual de Vila Velha III (PEVV III), no Complexo do Xuri, em janeiro de 2013. O valor será corrigido monetariamente e acrescido de juros.
Na ocasião, os presidiários foram obrigados a ficar nus e sentar-se numa quadra de esportes instalada no presídio, feita de concreto, em pleno sol do meio-dia. Resultado: os 56 detentos ficaram com queimaduras graves nas nádegas, num episódio que virou notícia em todo o mundo.
O caso somente veio à tona por conta de denúncia feita pela extinta Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), criada quando o TJES era presidido pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa (biênio 2012/2013). O presidente da ‘Comissão’ foi o desembargador Willian Silva e dela faziam parte a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Pastoral Carcerária e outros seguimentos. A Comissão tinha o objetivo de denunciar crimes de torturas praticados por agentes públicos, o que era uma prática muito comum, até então, nos presídios capixabas.
De acordo com o Portal do Tribunal de Justiça, a sentença que condena o Estado foi proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0056168-64.2013.8.08.0035, proposta pela Defensoria Pública do Espírito Santo.
Segundo os autos, no dia 2 de janeiro de 2013, agentes penitenciários da extinta Diretoria de Segurança Penitenciária (DSP) da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) teriam invadido as galerias ‘D’ e ‘E’ da Penitenciária Estadual de Vila Velha III, lançando bombas de gás e disparando tiros de borracha em direção aos internos. A ação teria ocorrido sob a justificativa de que os presos teriam chutado o “chapão”, cela em que toda a área de grades é fechada por chapa de aço, com apenas uma pequena abertura.
Ainda de acordo com os autos, “os agentes teriam levado os detentos para o banho de sol, utilizando gás de pimenta e lacrimogêneo, alocando-os na parte do pátio sem proteção contra o sol, sentados e vestidos apenas com bermudas do uniforme, o que teria provocado queimaduras nos internos.” Também segundo os autos, enquanto permanecia no chão, o grupo teria sido agredido com tapas e chutes, sofrendo também torturas de ordem psicológica, como, por exemplo, ameaças.
Para a Defensoria Pública, autora da ação, “são nítidas as consequências absurdas que o ato dos agentes causou à saúde dos presos”. Em sua defesa, o Estado alega que “os agentes penitenciários do Complexo do Xuri não praticaram ato de tortura, mas sim ato de revista pessoal dos internos logo após motim, em prol da segurança interna da unidade e dos servidores que prestam serviço naquele local”.
Para o juiz Aldary Nunes Junior, não há dúvidas de que houve forte dano moral coletivo. “A prova dos autos é flagrante em demonstrar que houve represália aos detentos. Entretanto, ainda que a conduta do requerido [Estado] tenha se pautado em ‘ato de revista pessoal’, tal deveria ocorrer de forma cometida, sem abusos, sem exposição dos detentos à situação de penúria, de grave dor física e psicológica”, destaca em sua sentença.
O magistrado ainda cita que os depoimentos colhidos em Juízo “demonstram que havia uma ‘cultura’ entre os agentes públicos da PEVV III, no sentido de que qualquer infração cometida por um ou mais detentos seria penalizada, com efeitos estendidos para os demais detentos, ainda que não estivessem diretamente ligados à suposta infração”.
Por fim, o juiz frisa que, “no caso em tela, a atuação do requerido malferiu a própria finalidade (inclusive cultural) do sistema prisional, qual seja, o de permitir não só a punição ao ato previamente tipificado como crime, mas, também, de preconizar um ambiente de promoção de reinserção e reeducação social, que permitiria ao agente criminoso (reeducando) um progresso social suficiente à sua reinserção social”.
Agentes acusados de tortura respondem a dois processos na Justiça
Independente da condenação do Estado, pelo menos três agentes penitenciários, afastados de suas funções, respondem a dois processos por causa das torturas: nas esferas Criminal e Cível. Em 2013, a 3ª Vara Criminal de Vila Velha acolheu denúncia do Ministério Público Estadual contra o ex-diretor adjunto da Penitenciária de Vila Velha (PEVV III) Rodrigo de Sousa e os também agentes penitenciários Máximo da Silva Oliveira e Jhonatan Sinhorelli de Caldas.
A denúncia foi aceita desde o dia 5 de julho de 2013 pela juíza Adriana Costa de Oliveira. Inicialmente, o delegado Rafael Andrade Catunda, que atuava na Delegacia de Crimes no Sistema Carcerário e Socioeducativo da Polícia Civil, havia indiciado quatro agentes penitenciários, depois de investigar denúncia de tortura contra os presidiários. Posteriormente, porém, o Ministério Público denunciou três dos quatro indiciados, concluindo que um deles não teria participado, efetivamente, das supostas cenas de tortura.
O caso, que chocou o Brasil – com repercussão em diversos veículos de comunicação –, veio à tona no dia 10 de janeiro de 2013, quando zerou o torturômetro, ferramenta criada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo para denunciar torturas no Estado. O processo de número 0002519-87.2013.8.08.0035 está desde o dia 3 de junho deste ano com vista para a Defensoria Pública.
Desde 2013, Rodrigo de Sousa, Máximo da Silva Oliveira e Jhonatan Sinhorelli de Caldas respondem também a uma Ação de Improbidade Administrativa em processo que tramita na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória.
(Com informações também do Portal do TJES)