A juíza Glícia Mônica Dornela Alves Ribeiro, desginada para atuar na Vara da Auditoria da Justiça Militar do Estado do Espírito Santo, acolheu parecer do Ministério Público Estadual Militar e determinou o arquivamento de um Inquérito Policial Militar (IPM) contra o tenente-coronel Nylton Rodrigues Ribeiro Filho, investigado pela acusação de vazar, em 2010, diálogos telefônicos do Centro Integrado de Operação e Defesa Social (Ciodes) e repassar para a Rede Gazeta de Comunicação.
As conversas gravadas pelo Ciodes deveriam ser mantidas em sigilo, porque, na maioria das vezes, se trata de testemunhas de crimes que ligam para o setor a fim de denunciar delitos ou criminosos. O vazamento, portanto, é considerado crime grave. O Ciodes fica instalado dentro da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa social (Sesp). Na ocasião, em 2010, o tenente-coronel Nylton Rodrigues era o chefe do Ciodes.
O diálogo gravado e entregue à Rede Gazeta, depois de editado por alguém do próprio Ciodes, mostrava o então diretor de Apoio Logística da Polícia Militar, coronel Julio Cezar Costa, dando ordem para o capitão Roger de Oliveira Almeida – hoje major – e estava atuando como oficial de plantão no Ciodes na ocasião, para mandar um oficial a um local de ocorrência de delito de trânsito, em Jardim da Penha, em Vitória, onde o suposto infrator era um advogado.
Assustado como a forma com que foi perseguido no trânsito e abordado por policiais militares, o advogado telefonou para o coronel Júlio Cezar Costa pedindo orientação sobre como proceder. O oficial o aconselhou a atender o que os militares pediam, mas que iria enviar ao local um oficial para acompanhar a ocorrência.
O oficial foi ao local e o advogado foi devidamente multado, já que havia cometido delitos de trânsito. Mesmo assim, na conversa gravada que recebeu de uma pessoa do Ciodes, a Rede Gazeta acusou o coronel Júlio Cezar Costa de interferir na ocorrência, o que não aconteceu.
Júlio Cézar foi investigado na época pelo Ministério Público Militar que arquivou o procedimento, sob a justificativa de não ter havido crime de natureza militar. Posteriormente, o coronel foi absolvido – em primeira e em segunda instância – em uma ação de Improbidade Administrativa por conta do caso.
Em 3 de maio de 2011 – o episódio foi à tona em setembro do ano anterior –, a Corregedoria Geral da Polícia Militar abriu IPM para investigar o vazamento das conversas telefônicas, tendo como principal investigado o então major Nylton Rodrigues, que mais tarde foi promovido a tenente-coronel. Hoje, Nylton Rodrigues está licenciado da PM e é secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Município da Serra.
Em sua decisão, de 27 de abril deste ano, a juíza Glícia Mônica Dornela Alves Ribeiro, informa que o IPM foi instaurado para apurar a conduta do “então Maj PM Nylton Rodrigues Ribeiro Filho, hoje Ten Cel, no tocante ao vazamento de informações sigilosas, armazenadas no banco de dados do CIODES, ocorrido em 27/09/2010, envolvendo um diálogo entre o Cel PM Julio Cesar Costa e Maj Roger de Oliveira Almeida.”
O Ministério Público Militar manifestou-se pelo arquivamento, “por não vislumbrar justa causa para instauração da ação penal.” Diante da situação, a magistrada deu a seguinte decisão:
“Em 29/09/2010, o Cel Júlio Cesar Costa realizou uma ligação para o CIODES, a fim de questionar uma ocorrência de trânsito na qual seu amigo advogado Johnny Stefano Ramos Lievori teria sido abordado tendo em vista que os policiais militares poderiam estar se excedendo em suas ações. Ocorre que o diálogo foi veiculado no Telejornal ES TV 2ª Edição da Rede Gazeta de Comunicações no dia 27/09/2010. Compulsando os autos, verifico assistir razão à Ilustre Representante do Ministério Público Militar, conforme verifica-se em sua manifestação de fl. 292. Assim sendo, não se vislumbra nos autos do presente inquérito policial militar a prática de crime militar, uma vez que, conforme se observa, os elementos atestados nos autos corroboram com a versão apresentada pelo militar estadual, bem como todo o contexto foi confirmado pelas declarações constantes dos autos”, explica a juíza.
“De fato, os depoimentos a que fazem menção a cota ministerial autorizam a concluir-se desta forma. Não há, assim, como divergir da opinião de S. Exª, posto que da mesma forma não vislumbro indícios suficientes para fundamentar o início da persecução criminal…Guilherme de Souza Nucci, na obra Processo Penal Comentado. 5ª. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2006, considera que a justa causa está relacionada com o interesse de agir, sustentando que esta, em verdade, espelha uma síntese das condições da ação. Assim, inexistindo uma delas, não haverá justa causa para a ação penal. Do exposto, DEFIRO o pedido do Ministério Público Militar e DETERMINO O ARQUIVAMENTO do presente, mediante baixa e demais cautelas devidas, inclusive destinação de armas e objetos, na forma da legislação pertinente”, finaliza a juíza Glícia Mônica Dornela Alves Ribeiro.
Vazamento feito pela ‘banda podre’ da PM põe Ciodes em xeque: Dá para confiar?
O Inquérito Policial Militar (IPM) foi aberto pela Corregedoria Geral da PM para não descobrir nada. Não que o tenente-coronel Nylton Rodrigues, único investigado, seja culpado pelo vazamento. Nada disso – o vazamento foi feito por dois coronéis do Alto Comando da PM em meados de 2010, que sequer foram alvo de investigação. Nylton Rodrigues pode ter sido usado como “pode expiatório”, embora soubesse disso. Portanto, tecnicamente, o parecer do Ministério Público e a decisão da Justiça Militar estão corretos.
A gravação foi retirada dos dados do Ciodes e entregue a um veículo de comunicação impunemente. Se alguém do Ciodes faz esse tipo de procedimento criminoso – a mando ou a pedido de dois coronéis – contra um coronel da Polícia Militar, o que não fariam com um cidadão comum, que desconhece as leis e seus direitos?
O vazamento da gravação coloca o sistema em xeque. Fica difícil confiar no Ciodes ou em seus responsáveis.
O único punido nessa história foi o coronel Júlio Cézar Costa. Foi derrubado por um pequeno grupo de dentro da PM, que via nele um oficial que iria contrariar os interesses da chamada ‘banda podre’ da corporação caso se tornasse comandante-geral da Polícia Militar no futuro governo de Renato Casagrande.
O então secretário de Segurança Pública de Casagrande, Henrique Herkenhoff, determinou até a abertura de um Conselho de Justificação para expulsar o coronel Júlio Cézar Costa. De tão desmoralizante e esdrúxulo foi seu ato, o Conselho, formado por três coronéis mais antigos do que Júlio Cézar Costa, nunca se reuniu. Os oficiais éticos não deram bola para o atoa de Herkenhoff.
O IPM foi feito para esconder os verdadeiros culpados pelo vazamento da gravação. Enganou o Ministério Público e a Justiça Militar. Os dois coronéis que não foram investigados trabalharam a mando de um forte secretário de Estado naqueles anos de 2010 e anteriores. Se o IPM fosse ao fundo, chegaria a figuras importantes do Palácio Anchieta. Uma pena que episódio tão grave tenha terminado dessa maneira: arquivado.