Em palestra proferida para delegados de Polícia Civil na última sexta-feira (22/05), o juiz-presidente do III Tribunal do Júri do Município do Rio de Janeiro, Alexandre Abrahão Dias Teixeira, alertou sobre a expansão das organizações criminosas cariocas – comandadas por narcotraficantes de drogas e de armas – para o Espírito Santo. O magistrado foi um dos palestrantes do I Encontro Jurídico dos Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo, realizado no auditório da Chefatura de Polícia Civil, na Reta da Penha, em Vitória. Ele abordou o tema “A Evolução do Crime Organizado no Rio”.
O evento foi promovido pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo (Sindepes) e contou com a participação de autoridades com vasta experiência no combate às organizações criminosas e no respeito aos direitos humanos em todo o Brasil.
O juiz Alexandre Abrahão, que já foi alvo de dois atentados no Rio, fez um histórico das organizações criminosas comandadas pelo narcotráfico no Estado fluminense desde a época do Comando Vermelho até os dias atuais: “No Rio, estamos combatendo num cenário de guerra, mas agindo com legislação doméstica”, lamentou o magistrado.
Alexandre Abrahão defendeu que a Polícia Judiciária trabalhe com a Inteligência e planeje melhor o futuro das investigações. “A Inteligência emerge da alimentação de dados. O senhores precisam ter um balcão de dados, de informações. Os criminosos têm sua própria Inteligência e conseguem planejar o futuro. No Rio, os bandidos planejaram a expansão para outras regiões. Com a ocupação da chamadas UPPs, os criminosos migraram para municípios do Sul e Norte do Estado do Rio. Eles, com certeza, estão chegando aqui no Espírito Santo. Vitória é uma cidade rica, bonita e cercada de morros. Lamentavelmente, atrai os narcotraficantes”, alertou o magistrado.
“Infelizmente, lá no Rio, estamos combatendo o inimigo em um cenário de guerra, mas com legislação doméstica. Vocês (delegados) vão enfrentar essa situação aqui também”, completou Alexandre Abrahão.
Ele orientou como a Polícia Judiciária brasileira deveria investigar o tráfico de drogas: “Os delegados deveriam focar no financeiro; focar na apreensão de bens materiais dos traficantes. Não basta apenas prender, prender e prender. É preciso tirar dinheiro dos traficantes, por meios legais. Portanto, antes de pensar em prender, prender e prender, temos que pensar em apreender, apreender, apreender. Reduzindo a capacidade financeira dos traficantes, a polícia e a Justiça reduzem seu poder de fogo”, pontuou Alexandre Abrahão.
Segundo ele, a polícia tem que combater o glamour que se criou em torno dos traficantes por causa da política consumista. “Meninas jovens se dizem apaixonar-se por traficantes. Não é nada disso: elas estão atrás é da vida fácil, do dinheiro e de drogas. Por isso é que eu digo: seqüestrando os bens dos traficantes, eles perdem dinheiro e poder. Logo, perdem o glamour.”
O juiz Alexandre Abrahão lamenta que, no Brasil, a sociedade, em geral, não valoriza o trabalho da polícia. Lembrou que, no Rio, somente em 2013 mais de 200 policiais foram assassinados sem que houvesse manifestações e indignação por parte da população.
O magistrado contou uma história ocorrida em 2010 no Texas, Estados Unidos, quando um policial foi assassinado durante a prisão de criminosos. Segundo ele, posteriormente, a polícia texana mandou a leilão a viatura (um Dodge) que o policial estava dirigindo quando foi morto a tiros:
“Os dois filhos do policial assassinado foram para o leilão. Porém, eles tinham somente 13 mil dólares. A viatura foi adquirida por um fazendeiro do Texas, por 60 mil dólares. Entretanto, ele pegou a chave do carro e entregou aos meninos, dizendo: ‘Toma, esse carro é de vocês. Isso é pelo reconhecimento que seu pai fez por nosso condado (cidade)’. O americano é muito patriota e esse patriotismo faz o povo gostar e defender a polícia quando necessário. Infelizmente, não vemos esse gesto de grandeza aqui no Brasil”, encerrou o juiz Alexandre Abrahão”.
Defensor dos direitos humanos, delegado carioca apoia ‘Audiência de Custódia’
O primeiro tema do I Encontro Jurídico dos Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo foi “Aspectos Legais e Institucionais da Audiência de Custódia e o Trabalho do Delegado de Polícia em sua Aplicação”, que teve como palestrante o delegado de Polícia do Estado do Rio, o professor de Direito Penal Ruschester Marreiros.
Doutorado em Direitos Humanos pela Universidad Nacional de Lomas de Zamorra (Argentina), ele ressaltou que a Constituição Federal e o Tratado de San José já garantem que uma pessoa presa em flagrante seja levada a presença do Juízo num prazo máximo de 24 horas.
O delegado e professor Ruschester Marreiros lamentou o fato de, no Brasil, a fiança tenha se tornado no que ele chama de “criminalização da pobreza.” Encerrou sua palestra deixando um recado aos delegados de Polícia:
“Conclamo a todos os colegas a refletirem sobre o nosso papel. O recado que deixo é que devemos nos preocupar mais com o ser humanos do que com o papel”.
Respeito às leis é questão de cultura de um povo
A segunda palestra foi feita pelo criminalista capixaba Jovacyr Peter, presidente do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES) e vice-presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária e Diretor da Escola Superior da Advocacia (ESA). Ele abordou o tema “A Polícia Judiciária no Enfrentamento à Corrupção: desafios e cenários”.
Destacou que o desrespeito às leis é um dos motivos que leva parcela dos brasileiros a cometer corrupção. Para Jovacyr Peter, não basta o aumento da pena para um corrupto; o importante é o criminoso saber que vai ser punido. Citou legislações de outros países, onde, diferente do que ocorre no Brasil, o respeito às leis é “algo sagrado”.
Jovacyr Peter também citou um caso ocorrido com um brasileiro em Nova Iorque. O cidadão foi levado a um Tribunal de Justiça por ter atravessado a rua com o sinal fechado para pedestres:
“Fazia muito frio na cidade. Era inverno em Nova Iorque. O cidadão brasileiro desceu do apartamento para ir a padaria. Eram 6 horas da manhã. Na calçada, ele olhou para os dois lados da rua e, como não viu nenhum carro se aproximando, atravessou. Do outro lado estava um guarda de trânsito, que o abordou. Deu uma bronca no brasileiro e o questionou sobre o motivo que o levou a atravessar a rua, mesmo com o sinal fechado para pedestres e aberto para os veículos. O brasileiro respondeu: ‘Olhei para os lados e não vi nenhum carro’. O guarda respondeu: ‘Com essa atitude, o senhor poderia ter provocado um acidente. Não vou multá-lo, mas o senhor terá de comparecer a um Tribunal para ser ouvido por um juiz’. E foi o que aconteceu: no dia da audiência, o brasileiro foi advertido verbalmente pelo juiz. Recebeu a sanção de admoestação. Para ele, foi muito humilhante. Aprendeu, porém, que em países como os Estados Unidos, o respeito às leis faz parte da cultura do povo”.
Fendepol luta para garantir isonomia salarial para delegados de Polícia
Na última palestra , o presidente da Federação Nacional de Delegados de Polícia, José Paulo Pires, apresentou as “Ações Estratégicas da Fendepol no ano de 2015” e falou da luta da entidade pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 443/2009, que define parâmetros salariais para as carreiras jurídicas – a PEC tramita na Câmara dos Deputados.
“A PEC 443/09 estabelece que o maior salário das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), dos delegados de Polícia Civil e Federal e das procuradorias dos Estados e do Distrito Federal equivalerá a 90,25% do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)”, explicou o delegado José Paulo Pires.
“É importante a aprovação da PEC 443/2009 para se obter a isonomia salarial entre os profissionais das carreiras Jurídicas de Estado”, disse o presidente da Fendepol. “E nós, delegados de Polícia, integramos a carreiras Jurídicas de Estado”, pontuou o dirigente.