Ao aceitar para depor numa Comissão Parlamentar de Inquéritos (criada com a finalidade de investigar possíveis crimes de sonegação fiscal no Espírito Santo) um dos acusados de mandar matar um magistrado no Espírito Santo, parte dos deputados da Assembleia Legislativa passa a impressão de que concorda com o objetivo do presidente da Casa, Theodorico Ferraço (DEM), de tentar desmoralizar autoridades do sistema de Justiça Criminal responsáveis por inúmeras investigações importantes no Estado nos últimos anos. São investigações que colocaram na cadeia poderosos caciques políticos e agora estão sendo processados.
Um dos alvos defendido pela postura da CPI da Sonegação são os acusados de ligação com a chamada Operação Derrama, que descobriu, por meio do Tribunal de Contas do Estado e do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, em 2012, um esquema milionário de fraude fiscal envolvendo sete prefeituras e 10 ex-prefeitos. O desvio de milhões de reais teria enriquecido, de acordo com as investigações, ex-prefeitos – dois deles, agora deputados estaduais –, empresários e servidores públicos.
Outro alvo da CPI da Sonegação passou a ser a investigação do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido em 24 de março de 2003, em Vila Velha. A CPI da Sonegação solenemente abriu as portas nesta terça-feira (12/05) para dois dos acusados de serem os mandantes da morte do juiz que combatia o crime organizado ao lado de outros colegas: o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo Teixeira e o empresário e ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Batista, o Calu.
Diga-se de passagem, Leopoldo foi levado à sessão, realizada no salão principal da Assembleia, pelo presidente da Casa, deputado Theodorico Ferraço, que também prestou depoimento à CPI da Sonegação. Ferraço levou Leopoldo como sua testemunha. Foi uma surpresa atá mesmo para o presidente da CPI, deputado Enivaldo dos Anjos.
O terceiro acusado, o coronel da reserva Walter Gomes Ferreira, somente não compareceu à polêmica e destemperada sessão porque está preso na carceragem do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar por ter sido condenado pela acusação de ser mandante de outro homicídio, ocorrido em Colatina.
Dos réus, somente Leopoldo foi ouvido pela CPI da Sonegação. Foi falar que é inocente da morte do juiz Alexandre.
Calu (no alto, onde fica a mesa Diretora da Assembleia Legislativa) apenas cumprimentou deputados, mas não prestou depoimento. Já Antônio Leopoldo seguiu o roteiro traçado certamente por quem o convidou para ir à CPI da Sonegação: falou mal do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, e das demais autoridades que o investigaram. Até a esposa de Leopoldo, Rosilene, prestou depoimento na CPI e tentou desmoralizar o desembargador Pedro Valls e delegados de Polícia.
O casal, os advogados de defesa deles e dois dos outros réus e demais figuras importantes do cenário político capixaba tentam, desde aquela fatídica manhã de 24 de março de 2003, quando o jovem juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi assassinado com tiros de pistola – inclusive levando uma bala na cabeça como tiro de misericórdia –, desmontar a tese da Polícia Civil, Ministério Público Estadual e da Justiça de que o magistrado foi vítima de crime de mando.
Desta vez vão mais longe, ao acusar o desembargador Pedro Valls de “montar uma farsa”. Como desembargador, Pedro Valls foi o relator do Inquérito aberto pelo Tribunal de Justiça para investigar a suposta participação de Antônio Leopoldo, que na época ainda era juiz de Direito, no crime, conforme estabelece a legislação brasileira – um magistrado somente pode ser investigado pelo próprio Judiciário.
Pedro Valls Feu Rosa foi a única autoridade a agir com transparência na fase de investigação do caso. Os delegados que atuaram nas investigações só falavam o que o então secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, Rodney Miranda – hoje prefeito de Vila Velha –, permitia.
Por isso, há ainda muitas trapalhadas e questionamentos nos autos, o que pode favorecer a defesa dos três réus. Dois deles, Ferreira e Calu, vão ser julgados pelo Conselho do Júri Popular de Vila Velha no dia 25 deste mês, caso, é claro, não consigam desaforar o julgamento – em que a defesa pede a transferência do julgamento para outra Comarca.
Ao apresentar publicamente o seu relatório da investigação sobre os supostos mandantes da morte do juiz Alexandre Martins, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa estava reunido com o Tribunal Pleno do Judiciário capixaba, na presença de todos os desembargadores, da imprensa e do público em geral – foi uma sessão aberta. O relatório dele foi aprovado à unanimidade, sem contestação. No relatório, Pedro Valls mostrou toda a teia de crime de pistolagem no Espírito Santo. No entanto, como sempre acontece, com exceção da parte do juiz Alexandre, nada mais foi à frente e repousa em algum gabinete por aí.
Ao abrir espaço para acusados da morte do juiz Alexandre tentarem desmoralizar, principalmente, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, a Assembleia Legislativa está tentando também desmoralizar e desmontar todo o trabalho feito pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investigou o assassinato o magistrado, o então secretário Rodney Miranda e até o governador Paulo Hartung, que, em 2003, estava iniciando seu primeiro mandato como governador.
A defesa de Calu, Ferreira e Leopoldo tem todo o direito de desmontar as investigações, mas a Assembleia Legislativa não se pode dar ao luxo de transformar uma de salas de audiências em um mini Tribunal do Júri, com o objetivo de “absolver” os acusados, principalmente tendo à frente o próprio presidente da Casa, Theodorico Ferraço, que tem birras pessoais com o desembargador Pedro Valls, por imaginar que foi ele – Pedro Valls – quem mandou prender sua esposa, a ex-prefeita de Itapemirim, Norma Ayub, durante a Operação Derrama.
O que a defesa dos três réus vai falar no julgamento sequer vai ser absorvido pelos sete jurados. Os advogados vão alegar que o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi vítima de tentativa de latrocínio (roubo com morte), o que já foi amplamente debatido e rechaçado pela Justiça brasileira. Vale lembrar que os quatro executores e os três acusados de serem os intermediários do assassinato do juiz foram julgados e condenados, com sentença transitada em julgado. Com exceção de Odessi Martins da Silva Júnio, Lombrigão, o homem que deu o tiro de misericórdia na cabeça do juiz – que já cumpre a pena em regime semiaberta –, e Fernando de Oliveira Reis, o Fernando Cabeção – preso pela acusação de outro assassinato –, os demais já estão até soltos.
Leopoldo, Ferreira e Calu recorreram em todas as instâncias da Justiça – instâncias superiores, em Brasília –, mas foram derrotadas em todos os recursos. Logo, para a Justiça, mesmo que os três sejam absolvidos pelo Tribunal do Júri de Vila Velha, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi vítima de crime de mando.
Tanto que, ao final do julgamento do coronel Walter Ferreira e do agora empresário Calu, no dia 25, o juiz fará a seguinte pergunta aos jurados: “Os réus mandaram ou não matar a vítima Alexandre Martins de Castro Filho?” O magistrado não perguntará se Alexandre Martins foi vítima de crime de mandou ou de latrocínio. Portanto, somente restará à defesa provar que Ferreira, Calu e Leopoldo não se envolveram na trama para matar o juiz Alexandre Martins de Castro Filho. A defesa terá de provar no Salão do Tribunal do Júri e não numa sessão de CPI na Assembleia Legislativa.