O clima vai ficar quente nesta terça-feira (28/04) no Fórum Cível de Vitória. É que, pela primeira vez, estarão sentados numa mesma mesa o ex-ministro da Defesa, ex-senador e ex-governador do Espírito Santo Élcio Álvares (DEM) e o agora delegado de Polícia Federal Francisco Vicente Badenes Júnior. Quando atuava como delegado de Polícia Civil no Estado do Espírito Santo, Badenes foi responsável pelas maiores humilhações que o cidadão e político Élcio Álvares sofreu na vida: foi acusado pelo delegado de ser um dos homens fortes do crime organizado capixaba. Nunca se comprovou envolvimento de Élcio Álvares com criminosos. Ele sequer foi investigado e denunciado pelo Ministério Público tendo como base o chamado ‘Relatório Badenes’.
Os dois, além de seus advogados, testemunhas e a Procuradoria Geral do Estado, foram intimados a comparecer à Audiência de Instrução e Julgamento, prevista para começar às 14 horas desta terça-feira, na sala de audiências da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória. O processo chegou à Justiça capixaba em 4 de julho de 2000. Ou seja, 15 anos depois é que vai acontecer a primeira Audiência de Instrução e Julgamento.
A audiência é relativa a uma se de Ação Indenizatória por danos morais cumulada com lucros cessantes ajuizada por Élcio Álvares contra o Estado do Espírito Santo e Francisco Vicente Badenes Júnior. O político, que até o final do ano passado exercia o cargo de deputado estadual, para o qual foi eleito por três vezes consecutivas, pleiteia “a condenação do Estado e do delegado ao pagamento de indenização pelos danos morais e lucros cessante em razão dos episódios em que foi envolvido injustamente por conta do ‘Relatório Badenes”.
De acordo com parecer da juíza Marianne Júdice de Mattos, na decisão em que designou a audiência para esta semana, a Procuradoria Geral do Estado apresentou “Denunciação à Lide do Grupo de Comunicação Três S/A (Revista Isto É), argumentando que a revista teria manipulado e divulgado os fatos que ocasionaram os supostos danos ao Requerente (Estado).”
Em contestação, a Isso É pugnou pela improcedência da denunciação, “visto que a presente demanda se limita a apuração de fatos criminosos, salientando que eventual responsabilidade do denunciado está sendo objeto de ação judicial movida pelo autor em trâmite na 10ª Vara Cível Central de São Paulo (Processo nº 00499759631-0).”
A juíza decidiu que, “considerando o deferimento da Denunciação à Lide, bem como a apresentação de Contestação pelo Denunciante, imperioso se faz o prosseguimento da demanda, nos termos do art. 75, I, do CPC, passando-se a fase probatória.”
Marianne Júdice de Mattos decidiu ainda que, no que tange às provas, “defiro a produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal do autor e na oitiva de testemunhas, que deverão ser arroladas em 10 dias após a intimação dessa decisão, sob pena de preclusão.Intimem-se as testemunhas já arroladas.”
No dia 22 de agosto de 2013, a juíza Raquel de Almeida Valinho, que atuava no caso, já havia imposto o saneamento do feito. Antes, ela explica no processo que o delegado Francisco Vicente Badenes Junior apresentou contestação em que alegava “preliminarmente a Ilegitimidade Passiva do segundo requerido (Estado do Espírito Santo), sob a alegação de que somente ele mesmo (Francisco), na condição de agente público, tem legitimidade para figurar no pólo passivo.”
Por sua vez, o Estado do Espírito Santo apresentou, também naquela ocasião, “Denunciação à Lide do Grupo de Comunicação Três S/A, por ser quem teria manipulado e divulgado os fatos que ocasionaram os supostos danos ao autor Élcio Álvares.” O Estado ainda alegou preliminarmente sua Ilegitimidade Passiva, “por se tratar de desavença pessoal”.
Nos autos, a juíza Raquel de Almeida Valinho analisou a “Preliminar de Ilegitimidade Passiva”, entendendo que “a teoria clássica da responsabilidade civil aponta a culpa como o fundamento da obrigação de reparar o dano. Conforme aquela teoria, não havendo culpa, não há obrigação de reparar o dano, o que faz nascer a necessidade de provar-se o nexo entre o dano e a culpa do agente.”
Em seu parecer, ela destaca, “porém, que surgiu entre os juristas uma insatisfação com a chamada teoria subjetiva (que exige a prova da culpa), vista como insuficiente para cobrir todos os casos de reparação de danos: nem sempre o lesado consegue provar a culpa do agente, seja por desigualdade econômica, seja por cautela excessiva do juiz ao aferi-la, e como resultado muitas vezes a vítima não é indenizada, apesar de haver sido lesada. O direito passou então a desenvolver teorias que prevêem o ressarcimento do dano, em alguns casos, sem a necessidade de provar-se a culpa do agente que o causou. Esta forma de responsabilidade civil, de que é exemplo o art. 21, XXIII, d, da Constituição Federal, é chamada de teoria objetiva da responsabilidade civil ou responsabilidade sem culpa. Portanto, in casu, patente a responsabilidade objetiva do Estado do Espírito Santo pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (CF/88, art. 37, 6º). Assim, refuto esta preliminar.”
A magistrada, então, fixou como pontos controvertidos: a) a responsabilidade civil dos requeridos (Estado e delegado Badenes); b) se o autor faz jus a indenização por danos morais; c) se o autor faz jus aos lucros cessantes pleiteados.
Sem provas, ‘Relatório Badenes’ fica engavetado no Ministério da Justiça
Em janeiro de 2000, o delegado Francisco Badenes apresentou seu relatório ao Ministério da Justiça, em Brasília. O “Relatório Badenes” era recheado de divagações, cheio de discurso “anti crime organizado”, mas não apresentava provas concretas e objetivas contra as pessoas acusadas pelo delegado. Na verdade, Badenes tinha dois relatórios, cujas denúncias e sua repercussão acabaram minando o respaldo político, num processo de desgaste que culminou na demissão de Élcio Álvares do Ministério da Defesa, cargo que ele começou a ocupar em 1999.
O dossiê, enviado pelo próprio Badenes à Câmara Federal e ao Ministério da Justiça, mostra que o delegado juntou dois relatórios de sua autoria que sustentam sua suspeita sobre a existência da “máfia serrana” no Espírito Santo. O “Relatório Badenes” nunca foi à frente no âmbito do Ministério Público e da Justiça por absoluta falta de provas e consistência.
Em maio de 2006, Francisco Badenes ganhou o direito de ingressar na Polícia Federal como delegado, depois de aprovado em concurso público, mas ser eliminado de maneira arbitrária pela direção órgão. Badenes tentou por mais de dez anos ocupar o posto de delegado federal que conquistou em concurso público. Decisão do juiz substituto da 1ª Vara Federal de Brasília, Marcelo Rebello Pinheiro, reconheceu agora seu direito. Aprovado no concurso de ingresso na Polícia Federal em 1993, Badenes foi reprovado na segunda etapa de um teste psicotécnico por não atingir um “determinado grau de heterossexualidade.”
O exame da PF, constante do processo, referia que “a escala de heterossexualidade tende a mensurar a quantidade de energia que o indivíduo desprende para o sexo e a direção dessa canalização energética em termos psíquicos. Esse dado é necessário, pois complementa outros que analisam a energia vital do indivíduo, bem como sua pré-disposição para o trabalho, persistência, produtividade e resistência à fadiga e frustração”. Ainda segundo essa monstruosidade pericial, “o fator heterossexualidade estaria relacionado ao fator persistência”.
Segundo a PF, o teste kafkiano não é mais adotado. A Comissão Nacional de Defesa e Proteção da Pessoa Humana reivindicara a nomeação de Badenes. Também deram pareceres a favor de sua integração parlamentares, Ministério Público Federal e a própria Advocacia-Geral da União. Também o TRF da 1ª Região se manifestou em prol do delegado em recurso julgado no final de 2005: reconheceu seus direitos, mas jogou para a primeira instância a decisão.
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