Aos 59 anos, o investigador de Polícia Civil Antônio Jorge Carneiro Braga está prestes a se aposentar. Depois de 27 anos de dedicação à instituição, ele se prepara para abraçar sua segunda profissão, a de psicólogo. E tem planos: vai montar uma clínica com o objetivo de, em parceria com o Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol), ajudar os policiais a se prepararem para a aposentadoria:
“O medo da aposentadoria tem intima ligação com medo da velhice, pois o aposentado e velho são tidos como sinônimos. Daí o impacto…O Governo do Estado não prepara seus servidores para se aposentarem. Quando chega a hora, recebemos a carta avisando sobre a aposentadoria e ponto final. É preciso preparar o ser humano para todas as etapas de sua vida”, diz Jorge Braga.
Ele entrou na Polícia Civil no dia 11 de fevereiro de 1988. Logo de cara, foi trabalhar na antiga Casa de Detenção, na Glória, em Vila Velha. Passou por delegacias do interior e de bairros da Grande Vitória, além de plantões no Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha. Há 20 anos, porém, Jorge Braga está da Delegacia de Crimes Fazendários, criada em 1995, no governo Vitor Buaiz.
Nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, Jorge Braga revela todo seu amor e gratidão à Polícia Civil do Estado do Espírito Santo:
“Sinto um profundo orgulho e grata satisfação de pertencer a esta instituição. Não tenho dúvida que ter sido policial foi uma honra. A Polícia Civil é tudo na minha vida, me ensinou muito, como profissional e, é claro, na minha vida pessoal, pois foi após o ingresso na instituição que voltei a estudar e pude concluir alguns cursos, entre eles o que mais me identifico, que é a Psicologia”, diz o investigador Jorge Braga, o caçador de sonegadores.
Início da carreira
Existem inúmeras razões que podem motivar uma pessoa a querer se tornar policial. Eu, particularmente, ser policial não fazia parte dos meus planos. Na época (em 1988) eu era funcionário publico municipal e o salário era bem mais convidativo do que a polícia. Entretanto, fui aprovado no concurso público para investigador de Policia. Durante seis meses fiz Academia de Policia, tomei posse e, a partir deste momento, percebi que ser policial tinha algo diferenciado, pois acompanhado da sensação do poder, vem também uma carga de responsabilidade não só com você, mas com seus colegas de serviço, com a sociedade que cobra o seu papel. O mais importante disso tudo é que a partir do momento da posse você não é mais o ser policial, é o ser institucional.
Em 27 anos de profissão aprendi a amar o que faço, vendo a importância da Polícia Civil na vida das pessoas, principalmente as empobrecidas, pessoas implorando dignidade.
No começo a trajetória foi marcada por muitos plantões. Trabalhar em plantão nunca foi visto com bons olhos, porém as peculiaridades deste trabalho reúnem neste ambiente, pessoas com quem aprendi o significado de valores como respeito, dedicação, generosidade e amizade. Quantas vezes trabalhávamos com pouco ou nenhum recurso, sem que isto servisse de desculpas para omissões? Quantas vezes nos amparávamos uns aos outros, convivendo com as dores alheias? Em outros momentos, era com o sorriso que enfrentávamos as intempéries da vida noturna.
Dificuldades
Quando entrei na Polícia, a munição e o combustível eram racionados e o armamento não era compatível com o serviço policial. As poucas viaturas existentes não tinham manutenção, mas mesmo assim os policiais estavam sempre à disposição para o trabalho. Informatização não existia na época. Atualmente tudo está integralizado, com fácil acesso à informação.
Trabalho na Fazendária
Nosso trabalho é caçar sonegadores e investigar outros delitos fiscais. Muitas das notícias chegam por meio do Disque Denúncia, da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e da Secretaria da Fazenda. Também recebemos expedientes do Ministério Público Estadual, determinando a instauração de Inquérito Policial.
Além disso, realizamos blitz e já fizemos inúmeras operações, como a ‘Boi Voador’, Operação Café’, e a que descobriu a máfia dos combustíveis. Hoje, os delitos fiscais estão sofisticados, mas a Sefa, que também modernizou seu sistema de fiscalização, consegue identificar os ilícitos por meio de seu sistema informatizado. Por isso, é o tipo de crime que reduziu muito.
Hoje, o delito fiscal é praticado muito mais pelos ricos. O comerciante pobre luta apenas para sua sobrevivência. Também posso garantir que no passado as forças externas costumavam atrapalhar mais o trabalho de fiscalização e investigação, mas há muito tempo essa interferência deixou de existir.
Orgulho de ser policial
Sinto um profundo orgulho e grata satisfação de pertencer a esta instituição. Não tenho dúvida que ter sido policial foi uma honra. A Polícia Civil é tudo na minha vida, me ensinou muito, como profissional e, é claro, na minha vida pessoal, pois foi após o ingresso na instituição que voltei a estudar e pude concluir alguns cursos, entre eles o que mais me identifico, que é a Psicologia.
Trabalho em equipe
Acredito ser essencial o trabalho em equipe e de forma harmônica, mesmo que sejam duas pessoas. Na Polícia não deve existir “eu fiz” ou “eu faço”. Tem que ser o “nós fazemos’. Além disso, você estará aprendendo algo novo todos os dias. Aquele que acha que sabe tudo, é porque não sabe nada, você precisa dividir aprendizados com os colegas e também aprender com eles, pois, desta forma, no final do dia, você irá para casa com a certeza do dever cumprido.
O trabalho em equipe é regra em ambiente profissional policial, a confiança e otimismo dos colegas é fator essencial para transmitir e motivar os outros; a interação com seus colegas deve estar sintonizada, e com certeza o trabalho em grupo é muito importante para o sucesso das missões.
Profissão perigo
A profissão de policial civil é perigosa como disse, pois muitos colegas nossos não tiveram a sorte de se aposentar. Vimos alguns amigos tombarem diante dos criminosos e isto dói…Fazendo tudo isto em defesa da sociedade. Mas, por outro lado, a profissão é apaixonante, você se envolve de uma forma que trabalha com prazer. Claro, tem que se cuidar, ser meticuloso nos seus atos, sempre pensando que pode acontecer o pior, mas acredito ser possível viver uma vida normal, prazerosa, porque a gente faz aquilo que gosta, tipo jogador de futebol. Precisa ter jogo de cintura nesta profissão, não querer ser herói, agindo sempre com as cautelas necessárias.
Divisão das categorias
Lembro-me de algumas situações emblemáticas na Polícia Civil. Houve uma greve de todos os policiais civis, incluindo delegados, médicos-legistas e peritos. A paralisação foi geral, a ponto de fechar o DML (Departamento Médico Legal). A paralisação teve repercussão nacional, porque os corpos de vítimas de morte violenta ficaram vários dias abandonados nas ruas, porque, devido à greve, o rabecão não saía do DML para ir buscá-los e nem havia perícia no local.
Hoje a situação é diferente. Penso que há uma divisão entre todas as categorias de profissionais na Polícia Civil. Entendo que a união é a solução para todos os profissionais, pois a divisão não resolve em nada. A Polícia Civil é uma instituição só. Somos todos policiais: delegados, psicólogos, assistentes sociais, agentes de Polícia, investigadores, médicos-legistas, peritos e outros. A divisão enfraquece as reivindicações. Uma época em que a Instituição era um corpo só, as lutas eram comuns. Não havia o corporativismo de classes, como é atualmente.
Futuro
Tudo tem seu tempo, isto faz parte do ciclo da vida. É importante, portanto, compreender que este processo é natural e faz parte da existência humana. Porém, devemos ressaltar que o trabalho do dia a dia cria no indivíduo hábitos enraizados na rotina de sair todos os dias de casa faça chuva, faça sol, com frio ou calor, mesmo tendo horário fixo e por vezes é estendido por necessidades da instituição. Enfim, o trabalho do policial civil é igual a outro qualquer, porém a de se ressaltar que ser policial é trabalhar constantemente com problemas sociais. Por isto, o desgaste emocional é bem maior.
Infelizmente a aposentadoria um dia chega e devemos deixar a instituição. Mas como não sentir saudades de tantos amigos, de pessoas que praticamente viveram conosco uma vida? Como não se recordar daqueles delegados que não nos consideravam subordinados, mas sim amigos com “A” maiúsculo?
O medo da aposentadoria tem intima ligação com medo da velhice, pois o aposentado e velho são tidos como sinônimos. Daí o impacto.
Atualmente, e cada vez mais, as pessoas vivem por mais tempo após aposentadoria. O trabalhador pode e deve ser produtivo e feliz, porém isto depende da atenção que as empresas, sejam públicas ou privadas, deveriam investir em programas de preparação e readaptação dedicadas aos pré-aposentados. No caso, seria a dedicação de um período de preparação para o chamado segundo ciclo da vida produtiva. No meu caso, após a aposentadoria, me dedicarei à Psicologia.
Portanto, como psicólogo, vou propor ao Sindipol (Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo) uma parceria visando preparar os policiais para a aposentadoria. O Governo do Estado não prepara seus servidores para se aposentarem. Quando chega a hora, recebemos a carta avisando sobre a aposentadoria e ponto final. É preciso preparar o ser humano para todas as etapas de sua vida.
Mensagem final
Aos policiais civis do Espírito Santo, vivam a vida na Polícia Civil, mas não se esqueçam da família, que é à base de sustentação para qualquer policial. Amem, chorem, sorriam, perdoem, divirtam-se, procurem lazer e, principalmente, tenham um ‘hobby’. Um forte abraço em todos.