No dia 7 de fevereiro mês, este Blog publicou reportagem informando que o Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Espírito Santo (Sindelpo) enviou ofício às autoridades do Estado solicitando que seja respeitada o que denomina de “Aplicação estrita do Pacto pela Legalidade.” Já no dia 14, um grupo de majores da Polícia Militar do Espírito Santo, da turma de 1996, enviou artigo a este Blog em que expõe seu pensamento sobre o assunto.
Nesta segunda-feira (03/03) de Carnaval, o Sindelpo volta a se manifestar. Desta vez, em artigo assinado por sua Diretoria, para rebater tópicos defendidos pelos majores e, ao mesmo tempo, reafirmar que a intenção da categoria é incentivar a integração entra as Polícias Civil e Militar, “mas dentro do que determina a lei”.
“RESPOSTA DO SINDELPO EM RELAÇÃO AO ARTIGO DOS MAJORES DE 1996: UMA DEFESA DA LEGALIDADE”:
O Sindicato dos Delegados da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (SINDELPO), vem, por meio dessa nota, refutar as inverdades veiculadas em um artigo de policiais militares intitulados “Majores da Turma de 1996”, no qual tentam legitimar o desvio de função na Secretaria de Segurança Pública por meio da institucionalização do famoso “jeitinho brasileiro”.
Como será exposto a seguir, tais argumentos acabam por trazer mais insegurança em um já existente caótico quadro de delineamento das atribuições das policias, no qual policiais militares se arvoram na qualidade de policiais civis, ao invés de efetuarem o policiamento ostensivo.
Não decorreria desse contexto turbulento o aumento da criminalidade no Estado do Espírito Santo? É algo a ser considerado. Em vez de a Polícia Militar se preocupar com o policiamento ostensivo e a presença física nas ruas, muitos ficam nos quartéis isolados do mundo e efetuando verdadeira investigação (que culminam no cumprimento de mandados de busca e apreensão), ocasionando, portanto, inúmeros transtornos: duplicidade de investigações (polícia militar e polícia civil investigando simultaneamente, sendo que muitas provas são únicas), além de prejuízo irremediável às investigações já em andamento na policia civil, entre muitos outros.
No referido artigo, causa estranheza o recurso a autores como Peter Häberle, Norberto Bobbio, Eugenio Raúl Zaffaroni e Montesquieu, principalmente pela completa falta de contextualização dos citados pensadores em relação ao debate em questão. Não se pretende, nessas breves linhas, retorquir cada um deles, mas, sim, focar em Peter Häberle. Os “majores da turma de 1996” assim se posicionaram:
Observa-se que, nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos, pois no conflito entre direitos fundamentais o intérprete deveráponderar qual a melhor solução, ou seja, se nem mesmo os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana são absolutos, porque haveria uma cláusula de reserva estanque a determinada categoria profissional em outros pontos da Constituição? Ou ainda, porque se interpretar que as missões constitucionais das polícias são somente aquelas? E ainda, se verdadeiras as assertivas, a quem interessa e porquê?
A lógica constitucional nos leva a interpretar como negativa qualquer cláusula nesse sentido, até mesmo porque, conforme ensina Peter Häberle em sua Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição (2002, p. 30): “A ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas a consequência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação”, assim, também somos interpretes da Constituição, porque o caminhar em sentido contrário privilegiaria um determinado grupo e não o conjunto da sociedade.
Basicamente, os“majores da turma de 1996” concluem, com fundamento em Peter Häberle, dois pontos: (a) que não haveria uma cláusula estanque de atribuições constitucionais por serem os direitos fundamentais relativos e (b) que os policiais militares também seriam intérpretes da Constituição. Desconhece-se qualquer leitura de Peter Häberle que justifique minimamente as duas conclusões.
Afinal, efetivamente, sobre o que escreve Peter Häberle? O autor[i] defende que a interpretação não é um evento estatal isolado, mas que dela fazem parte todos os componentes de uma sociedade aberta de intérpretes, quais sejam, as funções estatais, os participantes dos processos, a opinião pública, a doutrina e cada indivíduo. Em outras palavras, a interpretação constitucional diz respeito a todos, uma vez que a vivência efetiva da Constituição Federal faz parte de cada pessoa presente na comunidade política.
Verifica-se, portanto, que a teoria de Peter Häberle tem por finalidade aumentar os legítimos intérpretes da Constituição para além dos órgãos de Estado. Desse modo, como a Polícia Militar faz parte de um órgão de Estado, o recurso à teoria de Peter Häberle mostra-se claramente incompatível.
E pior, em sua obra, em nenhum momento Peter Häberle trata do tema da relatividade dos direitos fundamentais e, muito menos, que qualquer instância pública ou mesmo algum governante de ocasião possa recorrer a tal argumentação.Ademais, a relatividade dos direitos fundamentais é restrita, como bem coloca Robert Alexy – idealizador da relatividade (ou melhor, proporcionalidade) –, unicamente aos direitos fundamentais e não se insere por questões óbvias nas atribuições e nas competências, que são justamente asdelimitações estabelecidas pelo Poder Constituinte Derivado ou Originário em relação às possibilidades e circunstâncias de atuação de cada órgão estatal na dinâmica social e administrativa. Afinal, é inconstitucional o Ministério Público fazer o trabalho do Poder Judiciário, é inconstitucional o Poder Judiciário fazer o trabalho da Polícia Civil, é inconstitucional a Polícia Civil fazer o trabalho da Polícia Militar, é inconstitucional a Polícia Militar fazer o trabalho do Ministério Público e é inconstitucional a Polícia Militar fazer o trabalho da Polícia Civil.
A par da incorreta invocação das obras de Peter Häberle, Norberto Bobbio, Eugenio Raúl Zaffaroni e Montesquieu, cujos autores podem ser mais bem analisados em outro momento, faz-se necessário retomar o tema central dessa resposta: a falta de legitimidade do cumprimento da busca e apreensão pela Polícia Militar nas infrações penais comuns.
Em diversos Estados (incluindo-se no caso o Espírito Santo) é frequente a usurpação de atribuições da Polícia Civil pela Policia Militar, o que gera graves consequências jurídicas à população e à instituição da Polícia Civil. De forma reiterada, têm-se deferido pedidos de busca e apreensão e pedidos de interceptação telefônica por policiais militares, ou mesmo a execução dessas medidas pela Polícia Militar, configurando-se verdadeiros “neologismos jurídicos” alicerçados em desvios semânticos sequer imagináveis aos delegados de polícia no exercício de suas funções institucionais, já que certamente haveria uma reação histérica e exemplarmente repressora caso houvesse qualquer similaridade neste cenário…
Em muitos casos, essa transferência implícita e incontrolada de atribuições à Policia Militar é fomentada por um Poder Executivo muitas vezes inerte, que ao longo de décadas renunciou à estruturação e à qualificação dos profissionais da Polícia Civil. No Espírito Santo, cada vez mais se tem verificado a reestruturação da Polícia Civil – e reconhece-se o investimento do Governo do Estado nesse ponto –, mas a possibilidade de a Polícia Militar investigar crimes de pessoas civis, não só se mostra flagrantemente inconstitucional, como também dificulta o trabalho da Polícia Civil por existir uma concorrência de informações decorrentes das investigações paralelas. A reiterada e conveniente escusa de deficiência de efetivo e de estrutura de efetivo da Polícia Civil como fator de legitimidade às ilegalidades contumazes guarda uma importante reflexão: uma mazela institucional de qualquer corporação estatal justifica a criação de esferas jurídicas paralelas? E mais: seria aceitável em comarcas onde não há promotores ou juízes, legitimarmos promotores ou magistrados “ad hoc”? É de se imaginar o que aconteceria com um delegado de polícia se, ao invocar falta de estrutura de algum órgão jurisdicional, aplicasse “interpretações” específicas e com “jeitinho”, tal como expedir busca e apressão domiciliar ex officio ou decretar a incomunicabilidade do indiciado…
Quando a Policia Militar representa e executa medidas cautelares (interceptação telefônica, busca e apreensão, e outras), funções de Polícia Judiciária, pratica o crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) e deixa de prestar com a máxima eficiência o seu dever constitucional, como prevê o art. 144, § 5º, da Constituição Federal: “Às policias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
Não se trata de uma disputa de forças, mas, tão somente, de delinear as atribuições das respectivas polícias, a fim de se agilizar as investigações e possibilitar à Polícia Militar dedicar-se exclusivamente ao seu munus constitucional, qual seja, o policiamento ostensivo, garantindo, assim, a preservação da ordem pública. Até porque, vale ressaltar, também é função dos oficiais da Polícia Militar o policiamento ostensivo.
Do mesmo modo que a Polícia Civil não possui atribuição para investigar crimes militares, a Polícia Militar, pelo mesmo fundamento, não possui atribuição para investigar (e executar medidas de investigação como a busca e apreensão) crimes civis. Essa conclusão está fundamentada na interpretação que envolve o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal:
Art. 144 […]
§ 4º – Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º – Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Para esse imbróglio deveria se atentar a Ordem dos Advogados do Brasil, uma vez que qualquer procedimento investigativo nessas circunstâncias traria em si um vício insanável que, eventualmente, acabaria por colocar o criminoso em liberdade. E ninguém deseja isso, de acordo? Sobre o tema, verifica-se o julgado abaixo, do TJ-RS:[ii]
HABEAS CORPUS. DEFERIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO TENDO POR ÚNICA BASE UMA NOTITIA CRIMINIS ANÔNIMA. SOLICITAÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO PELO COMANDANTE DA POLÍCIA MILITAR E EXECUTADO PELA POLÍCIA MILITAR, EM ATIVIDADE DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DE COmpetência da justiça comum. atribuição da polícia civil. ARTIGO 144 E SEUS PARÁGRAFOS, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ILICITUDE PROBATÓRIA RECONHECIDA. PRECEDENTES DO STF E STJ.
1. No caso concreto, diante de uma notitia criminis anônima, o Comandante da Polícia Militar sugeriu ao Ministério Público a solicitação de um mandado de busca e apreensão, quem o requereu à autoridade judicial. Deferido, o mandado de busca e apreensão foi entregue à polícia militar, quem o executou, em atividade de investigação de atribuição da polícia civil. Ministério Público e polícia civil não acompanharam a execução.
2. A notitia criminis anônima possui entidade para desencadear uma averiguação do fato noticiado, mas não se reveste de potencialidade suficiente para dar suporte a medidas de investigação que interfiram de forma insidiosa em direitos fundamentais, como no caso em tela, com o ingresso em residência de cidadãos, sem qualquer outra averiguação a dar credibilidade ao anonimato, vedado pela Constituição Federal. Nesse sentido já decidiu o STF – precedente citado no corpo do voto.
3. Segundo o artigo 144 e seus parágrafos, da Constituição Federal, a polícia militar não possui atribuição para investigar infrações criminais, inserindo-se nessa ausência de funcionalidade, o cumprimento de mandado de busca e apreensão, em atividade investigatória de infração criminal de competência da Justiça Comum.
Nesse contexto, o STF[iii] julgou um habeas corpus no qual a promotoria de justiça, diante de um ofício da polícia militar, dando conta de suposta prática de crimes de rufianismo, manutenção de casa de prostituição e submissão de menor à exploração sexual com envolvimento de autoridades policiais, teria requerido ao juiz a autorização para interceptação telefônica, a qual fora deferida pelo juízo. O Pretório Excelso admitiu, excepcionalmente, o cumprimento da medida investigativa pela Polícia Militar, como se observa abaixo, em especial por causa do envolvimento da polícia civil no crime:
Reconheceu-se a possibilidade excepcional de a polícia militar, mediante autorização judicial, sob supervisão do parquet, efetuar a mera execução das interceptações, na circunstância de haver singularidades que justificassem esse deslocamento, especialmente quando, como no caso, houvesse suspeita de envolvimento de autoridades policias da delegacia local. Consignou-se não haver ilicitude, já que a execução da medida não seria exclusiva de autoridade policial, pois a própria lei autorizaria o uso de serviços e técnicos das concessionárias (Lei 9.296/96, art. 7º) e que, além de sujeitar-se a ao controle judicial durante a execução, tratar-se-ia apenas de meio de obtenção da prova (instrumento), com ela não se confundindo.
Em razão do exposto, de acordo com a posição do STF, não havendo qualquer indício de crime militar que justifique a atuação da Polícia Militar como uma polícia investigativa ou envolvimento da Polícia Civil com o crime que se investiga, é vedado ao Poder Judiciário, a concessão de medidas cautelares à Polícia Militar e/ou a execução de medidas investigativas pela mesma polícia, uma vez que se tratam de atribuições da Polícia Civil.
Não se nega a existência de alguns julgados do STF que autorizam o cumprimento do mandado de busca e apreensão pela Polícia Militar, tais como os citados pelos estimados “majores da turma de 1996”, mas são anteriores ao julgado acima mencionado, deferidos em circunstâncias excepcionalíssimas (não sendo jamais a regra, como aqui no Espírito Santo) e são anteriores à Lei nº 12.830 de 2013, em especial o dispositivo legal que segue:
Art. 2º § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Portanto, todos os julgados devem ser lidos à luz do respectivo dispositivo legal. Afinal, o mandado de busca e apreensão nada mais é do que um procedimento previsto em lei com o objetivo de resguardar a materialidade e a autoria da infração penal, o qual deverá ser manejado no curso de uma investigação criminal, cuja atribuição precípua é da Polícia Civil. Uma premissa fundamental deve aqui ser atestada: respeita-se o Estado Democrático de Direito ao serem respeitadas as leis; ou a Polícia Militar do Espírito Santo na visão daqueles ilustres oficiais é uma instituição que se coloca acima das Leis pátrias? Todos querem acreditar que as instituições policiais sejam, acima de tudo, democráticas e tementes à Constituição Federal e as leis.
Outro ponto que merece a devida análise é a tentativa de ameaçar os Delegados de Polícia com um suposto crime de prevaricação ou mesmo com um suposto ato de improbidade pelo não recebimento do mandado de busca e apreensão pela Polícia Militar. Por parte dos“ majores da turma de 1996”, nota-se um nítido desconhecimento do sistema constitucional vigente.
Os Delegados de Polícia gozam de autonomia funcional nos atos de Polícia Judiciária, como a lavratura do auto de prisão em flagrante, o recebimento de uma ocorrência policial, a postulação de uma medida cautelar, sendo, assim, soberanos na análise do mérito da legalidade de uma ocorrência que lhe é submetida para o exercício de um juízo de subsunção. Neste contexto, destacamos:
A leitura constitucional do tema indica que se a instituição Polícia Judiciária não tem autonomia orgânica, e dificilmente irá a tê-la, a função de Polícia Judiciária exercida pela Autoridade Policial na condução das investigações desfruta de autonomia como um imperativo decorrente de princípios constitucionais de maior envergadura.[iv]
Os autores citam como principal fundamento constitucional o princípio da separação de poderes, no sentido da necessária autonomia do inquérito policial em relação ao processo (o que se traduz, portanto, numa autonomia em relação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público):
Portanto, a investigação criminal se autonomiza diante do processo, cabendo dizer ainda que em grande parte dos casos existe inquérito policial sem a fase processual posterior, quando há arquivamento dos autos sem oferecimento de denúncia. Por isso, o inquérito policial embora possa ser um procedimento pré-processual, nem sempre tem essa natureza, e mesmo sendo, esta função não terá sido a única, o que confirma a autonomia do inquérito policial em relação ao processo criminal e, por conseguinte, a autonomia da Polícia Judiciária em relação àquela condição de mera auxiliar do Poder Judiciário.[v]
É possível citar outro fundamento constitucional: o art. 144, § 4º, da Constituição Federal. Pela leitura do artigo, verifica-se que somente é possível a Autoridade Policial cumprir a sua incumbência funcional de apurar as infrações penais, se tiver meios de fazê-lo de forma autônoma e independente, o que se traduz, portanto, na necessidade de lhe conferir essa prerrogativa em comento.
Ademais, reitere-se, para uma clareza ainda mais redundante, que a classificação jurídica do delito apontado ao comportamento humano atrelado a determinada ocorrência policial, mediante o juízo de tipicidade, é um ato soberano do delegado de polícia de acordo com a sistemática processual e constitucional vigente em nosso país. Ao delegado de polícia, portanto, incumbe-se o dever de realizar um controle preliminar da legalidade das ocorrências, sob pena de séria responsabilização administrativa e penal.
Assim, querer que os delegados de polícia sejam meros chanceladores de ocorrências apresentadas, sem qualquer juízo de valor e, pior, agindo de modo leviano e sumário em conformidade total com uma visão meramente policialesca, acaba por não apenas fragilizar a carreira do delegado de polícia, mas vulnerabiliza acima de tudo o próprio policial militar, muitas vezes induzido a apresentar detenções açodadas que acabam por afetar posteriormente sua vida funcional com representações administrativas e criminais por parte de quem sofre a detenção. As maiores vítimas desta visão institucional improvisada são, pois, os próprios integrantes da Polícia Militar, notadamente os praças. Afinal, é notório o cenário vigente atualmente, em que a PM no cumprimento destes mandados conduz diversas pessoas ao DPJ, sem qualquer contexto ou linhagem probatória, na expectativa de que o delegado de polícia acate automaticamente os posicionamentos repressores da PM, autuando em flagrante pessoas sem qualquer vínculo com a ação criminosa e gerando manchetes e holofotes, prejudicando a instrução criminal e criando desgaste ao Poder Judiciário, muitas vezes compelido a promover o relaxamento de prisões manifestamente ilegais.
Situação ainda mais grave ocorre quando um cidadão é preso pela Polícia Militar e só é apresentado ao Delegado de Polícia inúmeras horas após o fato, situação corriqueira no dia a dia em nosso Estado. Por qual motivo um policial militar mantém em cárcere no quartel, com concordância dos seus superiores, um cidadão? Essas e outras arbitrariedades não podem ser mais aceitas dentro de um Estado que se diz Democrático de Direito. Depois, se torna cômodo criticar violentamente a sobreposição e demora nas ocorrências dos plantões da Grande Vitória, sempre excessivamente sobrecarregados e comandados por um único delegado de polícia plantonista.
Ao contrário do que apregoam os estimados oficiais militares, registramos, conforme já consignado anteriormente em ofício dirigido ao eminente Comandante Geral da Polícia Militar, que “não se deseja com este documento fomentar qualquer antagonismo entre a Polícia Militar e a Polícia Civil; ao contrário, a categoria de delegados pretende intensificar a integração entre ambas as instituições no enfrentamento à criminalidade e à violência, com observância estrita e precisa das atribuições legais e constitucionais outorgadas às respectivas instituições policiais”. E, consoante ofício já encaminhado ao Comandante Geral da Polícia Militar, ressaltamos que “no caso de informações relevantes para a obtenção de alguma medida cautelar destinada a averiguar alguma materialidade delitiva, nada obsta que os policiais militares apresentem os elementos informativos ao delegado de Polícia responsável pela área, que formulará uma representação ao Juízo para decretação de um mandado de busca e apreensão domiciliar com instauração de um procedimento criminal pertinente ao caso (no caso, inquérito policial ou verificação de procedência de informação) e execução da referida medida cautelar em trabalho conjunto e integrado, promovendo-se assim uma adequada, necessária e desejável harmonia, intercâmbio e integração entre as instituições”.
Lutar contra o “jeitinho brasileiro” na segurança pública é um dever que deveriam todos estar imbuídos e não só a Polícia Civil. É nítida a crise na segurança do Estado do Espírito Santo e respostas constitucionalmente adequadas devem ser efetivadas. O SINDELPO sempre estará aberto ao diálogo, mas atento ao respeito às prerrogativas inerentes ao cargo de Delegado de Polícia que é, nas palavras do Ministro Celso de Melo,[vi] “o primeiro garantidor da legalidade e da justiça”. E, principalmente, obediente ao Estado de Direito, sem interpretações enviesadas, totalmente disssonantes da ordem constitucional em vigor.
[i]. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta de intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 24.
[ii] HC 70047333448, Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli, julgado em 15/3/2012.
[iii] HC 96986, julgado em 15/5/2012, Rel. Ministro Gilmar Mendes, conforme noticiado no Inf. 666 do STF.
[iv] GOMES, Luiz Flávio e SCILAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia. 2008. Disponível em . Acesso em 21/10/2011.
[v] GOMES e SCILAR, 2008.
[vi]Min. Celso de Melo, STF, em sede do HC 84548/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/6/2012.