Na semana em que um idoso morreu após abordagem malsucedida de policiais militares em Manguinhos (Rio), o coordenador das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), coronel Frederico Caldas (da Polícia Militar do Rio de Janeiro), admite que parte dessas ações é feita de maneira equivocada pelos policiais.Em entrevista ao Dia no domingo (23/02), ele garante que, para evitar novos casos, vai mudar o conceito das abordagens, levando os 9 mil recém-formados das 36 unidades de volta aos estudos. Para isso, vai criar cartilha para tratar das revistas.
O coronel Caldas avalia erros e acertos dos cinco anos de pacificação. Quer diminuir a frequência com que o Batalhão de Operações Especiais é acionado para resolver desafios das UPPs: “O futuro está na integração com moradores”.
O DIA: Qual a sua avaliação sobre os cinco anos das UPPs?
Coronel Caldas: Destaco a redução de homicídios. Se uma vida só tivesse sido poupada, já teria valido. E também a morte em confronto com policiais, que caiu 69%. Ousaria dizer que a pacificação mudou a cara do Rio, porque interrompe um processo de decadência que acontecia no estado. É claro que ainda há locais com problemas pontuais, mas, no geral, os resultados são muito importantes.
Por que em algumas comunidades a aceitação desse processo está sendo tão difícil?
Tem muito a ver com a história da comunidade em relação ao tráfico. O Alemão e a Penha eram o quartel-general de uma das principais facções. A importância estratégica é proporcional ao desafio que ainda temos hoje. E o comércio da droga continua sendo algo lucrativo. Então, é natural que haja resistência.
E o que as UPPs têm feito para acabar com essa resistência?
Temos reforço do nosso efetivo. O Bope tem atuado no Alemão todo dia. E reduzimos praticamente a zero os confrontos. O problema persiste na Rocinha e no São Carlos, onde monitoramos se há movimentação de criminosos. Em Manguinhos, existe cultura de hostilidade à presença da polícia. Eu mesmo fui hostilizado e xingado lá. Vai ser um caminho longo, o que não dá é para reduzir o processo.
É possível evitar os confrontos?
O confronto também demonstra que os policiais estão lá. E isso nos faz tomar outras providências, como lançar mão do Bope. Não vamos criar um clima de guerra nas comunidades. As ações serão pontuais e com cuidado para evitar feridos. O que a gente não quer é que isso (chamar o Bope) seja uma constante.
Mas acionar as forças especiais não significa que o efetivo das UPPs não dá conta do recado?
São situações pontuais. Uma coisa é muito clara: não vou ficar pedindo ajuda o tempo todo, como um irmão mais novo que chama o mais velho quando toma um cascudo. Eles (forças especiais) têm que ser usados em situações extremas. Nossa capacidade de resposta tem que ser grande e imediata. Mas, se precisarmos, não há constrangimento em pedir.
Então os policiais das UPPs vão fazer operações? O conceito não é de polícia de proximidade?
O policial tem que estar preparado para tudo, sem perder de vista que é um policial de pacificação. Não estamos mudando o perfil, mas tendo sob o meu comando o maior efetivo da PM, (9 mil) não posso perder a capacidade de dar resposta quando necessário. Por isso, existe um plano de mobilização imediata, onde aciono de 40 a 80 policiais.
Como está sendo feito o combate e prevenção à corrupção, uma das maiores preocupações da PM?
Vamos lançar a Ouvidoria da UPP em janeiro. A ideia é abrir canal para a comunidade, com telefone e e-mail específico para falar sobre abusos, excessos. Cada semana, ela estará em um local.
Por que em algumas comunidades a aceitação desse processo está sendo tão difícil?
Tem muito a ver com a história da comunidade em relação ao tráfico. O Alemão e a Penha eram o quartel-general de uma das principais facções. A importância estratégica é proporcional ao desafio que ainda temos hoje. E o comércio da droga continua sendo algo lucrativo. Então, é natural que haja resistência.
E o que as UPPs têm feito para acabar com essa resistência?
Temos reforço do nosso efetivo. O Bope tem atuado no Alemão todo dia. E reduzimos praticamente a zero os confrontos. O problema persiste na Rocinha e no São Carlos, onde monitoramos se há movimentação de criminosos. Em Manguinhos, existe cultura de hostilidade à presença da polícia. Eu mesmo fui hostilizado e xingado lá. Vai ser um caminho longo, o que não dá é para reduzir o processo.
É possível evitar os confrontos?
O confronto também demonstra que os policiais estão lá. E isso nos faz tomar outras providências, como lançar mão do Bope. Não vamos criar um clima de guerra nas comunidades. As ações serão pontuais e com cuidado para evitar feridos. O que a gente não quer é que isso (chamar o Bope) seja uma constante.
Mas acionar as forças especiais não significa que o efetivo das UPPs não dá conta do recado?
São situações pontuais. Uma coisa é muito clara: não vou ficar pedindo ajuda o tempo todo, como um irmão mais novo que chama o mais velho quando toma um cascudo. Eles (forças especiais) têm que ser usados em situações extremas. Nossa capacidade de resposta tem que ser grande e imediata. Mas, se precisarmos, não há constrangimento em pedir.
Então os policiais das UPPs vão fazer operações? O conceito não é de polícia de proximidade?
O policial tem que estar preparado para tudo, sem perder de vista que é um policial de pacificação. Não estamos mudando o perfil, mas tendo sob o meu comando o maior efetivo da PM, (9 mil) não posso perder a capacidade de dar resposta quando necessário. Por isso, existe um plano de mobilização imediata, onde aciono de 40 a 80 policiais.
Como está sendo feito o combate e prevenção à corrupção, uma das maiores preocupações da PM?
Vamos lançar a Ouvidoria da UPP em janeiro. A ideia é abrir canal para a comunidade, com telefone e e-mail específico para falar sobre abusos, excessos. Cada semana, ela estará em um local.
Isso protege o morador, evitando que ele denuncie na própria UPP ?
Sim. Quando der um problema, a primeira providência é mandar a Ouvidoria. Independente da versão dos policiais, a Ouvidoria vai falar com os moradores, ouvir a família. Vai ser um trabalho preventivo importante.
Qual a maior lição do caso Amarildo?
Esse fato exige rever nossos procedimentos. Nomeei uma comissão para criar cartilha de abordagem nas comunidades, para mudar o conceito da abordagem, torná-la mais seletiva, mais criteriosa. Fizemos uma autocrítica e percebemos que as abordagens acontecem algumas vezes de forma excessiva, com práticas inaceitáveis. Vamos criar um conceito novo, dentro do princípio do mais absoluto respeito à integridade e à dignidade das pessoas.
O senhor vai mudar a forma de abordagem?
A técnica de abordagem com segurança, a revista, a busca de armas e drogas, não mudam. Muda o conceito. Na minha avaliação, há uma banalização das abordagens, aborda-se por qualquer coisa e isso tem que ser criterioso. Fazer disso algo absolutamente necessário em relação ao local. Se há informação de que ali há venda de drogas. Pelo comportamento das pessoas. E não o rosto, a cor da pele ou qualquer tipo de orientação que a pessoa tenha.
Foi identificado esse tipo de abordagem pela cor da pele ou outro motivo?
É difícil caracterizar isso. Não tem provas disso, porque aí a gente estaria dizendo que a conduta dele é preconceituosa. O grande erro que não podemos cometer é achar que todo mundo é suspeito em potencial. Isso é uma premissa equivocada. O fato de morar numa comunidade ou estar ali, não faz de ninguém suspeito ‘a priori’. É isso que a gente precisa: reeducar o nosso policial.
Como será essa reeducação?
Vai ter treinamento, uma cartilha para estudar essas recomendações. Não o que ele deve fazer do ponto de vista da técnica, que é universal. Mas vou dizer pra ele o princípio que vai nortear essa revista.
Isso evita outros Amarildos?
Evita os conflitos, a tensão. Abordagens são um grande foco de tensão. O policial é imediatamente cercado por pessoas, falando: “Esse é morador, esse é morador”. Não significa que vai deixar de abordar nem reduzir a quantidade de abordagens. Tem que ser seletivo, saber especialmente por que está abordando aquela pessoa, que tem todo o direito de arguir o motivo. E o policial tem que estar preparado, não pode dizer: “Estou revistando porque quero, porque eu mando”.
O que deu errado ou precisa ser melhorado?
O que precisa ser aperfeiçoado é a integração com a comunidade. Vamos lançar ano que vem o conselho de segurança, onde as pessoas podem discutir, interferir nas questões de segurança. Todos juntos discutindo as prioridades. O futuro da UPP está em uma maior integração.
Fonte: Jornal Dia.
Nota do Blogueiro: Importante a lição do coronel Caldas, da PMRJ. Passa às demais Polícias Militares Estaduais brasileiras ensinamento iniciado aqui no Espírito Santo, entre os anos 80 e 90, mas que ao longo das décadas foi quase que deixado de lado, que é comunitarização do policiamento. Por aqui, o policiamento comunitário só acontece quando o oficial que comanda determinada unidade quer. Não há uma padronização incentivada e adotada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social.
Enquanto no Rio, cuja polícia tem fama de matadora muda de postura, por aqui um certo comandante de Batalhão avisa nas páginas dos jornais que seus policiais, em confronto com suspeitos, são orientados a atirar somente do peito para cima. Ou seja, tiro fatal.
Enquanto os policiais das UPPs são orientados a dialogar com a população que eles protegem, por aqui as viaturas da Patrulha da Comunidade – uma iniciativa inteligente criada pelo atual comandante geral da PM, coronel Edmilson dos Santos – trafegam pelas ruas da Grande Vitória com os vidros totalmente fechados. É como se seus policiais não querem ser vistos pela população que eles protegem.
E raros são os policiais que saem das viaturas da Patrulha da Comunidade para conversar com o cidadão nas ruas. Ou seja, mudam os nomes, mas o conceito é o mesmo: polícia de um lado; o povo do outro. Assim, não há violência que acabe.