Trabalhar no Espírito Santo como delegado de Polícia Civil tem sido motivo de orgulho para o delegado Ricarte de Freitas Teixeira, fluminense da cidade de Valença e que está em terras capixabas há mais de 20 anos. Atualmente, ele responde pelas Delegacias de Bom Jesus do Norte e Apiacá, no extremo Sul do Estado. O delegado foi nomeado na Polícia Civil no dia 16 de agosto de 1992.
Os dois municípios, juntos, registraram no ano passado sete homicídios – seis em Bom Jesus e um em Apiacá. O delegado Ricarte Teixeira e sua equipe de policiais – investigadores, escrivães e agentes der Polícia – alcançaram um rendimento de 100% de produtividade: afinal, os sete assassinatos foram elucidados ainda em 2013 e os acusados dos crimes já estão presos. Foram entregues à Justiça e aguardam julgamento.
Nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, Ricarte Teixeira fala do trabalho realizado em 2013, do futuro e das dificuldades que os delegados de Polícia enfrentam para atuar no Espírito Santo. Sonha que a situação um dia vai melhorar, mas garante que jamais deixará o Estado.
Blog do Elimar Côrtes – O senhor já atuou em outra polícia?
Ricarte de Freitas Teixeira – Sim. Fui detetive de Polícia no Estado do Rio de Janeiro, no período de 1989 a 1992.
– Por quais delegacias e superintendências o senhor já passou na Polícia Civil do Espírito Santo?
– Fui delegado titular de Bom Jesus do Norte, Alegre, chefe do Departamento de Polícia Judiciária de Guarapari e superintendente de Polícia do Interior.
– Hoje, o senhor responde por delegacias de quantos municípios?
– Atualmente sou titular da DP de Bom Jesus do Norte, respondendo pela circunscrição de Apiacá.
– Como foi o desempenho da Polícia Civil nas cidades onde o senhor atua? Quantos homicídios em cada uma delas ocorreram em 2013 e quantos foram elucidados no mesmo período?
– Com a desativação da carceragem das Delegacias, a Polícia Civil passou a exercer sua função precípua e constitucional que é a investigação. A Polícia Civil antigamente não podia atender as vitimas, pois, além de guardar os presos, tinha que conduzi-los a médicos, dentistas, velórios e audiências.
Em Bom Jesus do Norte e Apiacá tivemos um período de três anos sem registros de homicídios. No ano de 2013 tivemos uma situação anormal, em Bom Jesus do Norte, pois verificamos a ocorrência de seis assassinatos. Todos os homicídios foram elucidados, e os autores, num total de 14, estão presos. Entre eles, foram apreendidos dois adolescentes. Todos foram julgados ou aguardando julgamento. Em Apiacá, em 2013, tivemos um homicídio. O crime foi praticado por um adolescente que está internado.
– Quais os tipos de delitos mais frequentes nos municípios que o senhor atua?
– Temos de tudo um pouco: furtos, tráfico de drogas, crimes tipificados na Lei Maria da Penha. Bom Jesus do Norte é a porta de entrada para o tráfico de drogas no Espirito Santo, na região Sul. Tivemos uma investigação, em que realizamos a maior apreensão de maconha do Estado no mês de janeiro de 2012, quando apreendemos 1.107 quilos da droga.
O grande problema em Bom Jesus do Norte e também nos demais municípios é o trafico de drogas, que é responsável pela fomentação da ocorrência de outros crimes, como furtos, homicídios, etc.
No ano de 2013 tivemos uma investigação em Apiacá versando sobre trafico de drogas onde identificamos uma quadrilha chefiada por um casal da cidade de Cabo Frio (Rio). No final das investigações efetuamos as prisões de 15 membros da quadrilha, inclusive os líderes, além da apreensões de armas, drogas e veículos utilizados pela gangue. Todos estão presos aguardando julgamento.
Este trabalho somente foi possível devido ao aumento do efetivo de policiais civis nas Delegacias de Apiacá e Bom Jesus do Norte, quer por novas designações quer pela desativação das carceragens, quando os policiais foram liberados para investigar.
– Qual a maior dificuldade que um delegado de Polícia Civil enfrenta atualmente no Espírito Santo?
– Tivemos modestos avanços para a carreira de Delegado de Polícia. O reconhecimento da carreira jurídica, em âmbito Federal e Estadual, foi um passo importante, contudo muito tímido. É necessário que os delegados tenham as mesmas garantias, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos – embora no Espírito Santo não existe maneira de reduzir mais os salários dos delegados – e vitaliciedade, garantias estas dadas aos membros do Ministério Publico e Juízes, que possibilitaram sua total independência no desempenho de suas funções.
A necessidade dos Delegados terem estas garantias ficou bem evidenciada, inclusive, por ocasião da votação da PEC 37. O Ministério Público usou como bandeira para defender sua não aprovação o argumento de que o delegado de Polícia não tinha independência para investigar os poderosos, pois sofrem pressões políticas. É necessário também que a polícia deixe de ser comandada por políticos, deixe de ser uma polícia política. É necessário que a polícia seja independente nos moldes do Ministério Público e o Poder Judiciário. E com certeza temos a questão salarial, que desmotiva e destrói qualquer paixão pela carreira.
– A questão salarial – hoje o delegado de polícia capixaba tem o segundo pior salário do País – desmotiva os delegados, tanto os mais modernos (que estão entrando agora) quanto os mais experientes, como o senhor?
– Realmente, a questão salarial é crucial para qualquer carreira. Os delegados, principalmente os novos, ficam pouco tempo na carreira. O Estado investe na formação destes profissionais, mas não oferece um salário digno. Resultado: os delegados acabam por abandonar a polícia, ingressando em outras carreiras jurídicas que oferecem salários mais atraentes.
– Como tem sido o relacionamento da cúpula da Polícia Civil com os delegados que atuam no interior?
– O interior, geralmente, não recebe o mesmo tratamento que os grandes centros. Como exemplo, até a presente data não dispomos de faxineira na maioria das Delegacias do interior. Eu e os policiais é que fazemos a limpeza. Os policiais que trabalham nas Delegacias do interior são verdadeiros heróis. Eles deveriam perceber uma gratificação extra, mas a maioria das gratificações que melhoram um pouco os salários é reservada aos policiais das “Delegacias mais importantes”, se é que uma delegacia é mais importante que a outra.
– Quem está de fora observa que o Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Espírito Santo, desde a época do presidente Sérgio do Nascimento Lucas, passou a ter uma atuação mais concreta e de luta em favor da categoria. A grande conquista foi o reconhecimento da categoria como carreira jurídica; agora vem a luta por melhorias salariais…
– Tudo nesta vida tem um tempo de duração. O novo presidente (Rodolfo Laterza) vem também lutando fervorosamente pela valorização da carreira de Delegado, e o principal, tenta unir a categoria. Somente seremos fortes se nos unirmos.
Temos que lutar juntos, abandonar nossa zona de conforto e não termos medo de brigar porque nossa luta é por dignidade, é uma luta justa. Não podemos nos curvar diante de ameaças de transferências, punições etc, em caso de optarmos por uma greve. Se todos forem coesos no movimento paredista todos serão punidos?
– Como profissional de Polícia, qual o seu maior sonho?
– Sou natural do Estado do Rio de Janeiro, da cidade de Valença. Hoje sou capixaba de coração, eu e minha família. Mesmo depois de aposentar pretendo aqui ficar. Meu sonho é ver os delegados de Polícia serem valorizados também com salário digno. Durante minha carreira, como outros colegas, respondi por várias Delegacias sem nunca ter recebido um centavo a mais em meu salário, situação esta que ainda perdura até a presente data.
Enquanto outras carreiras recebem salários extras, mensais, pagos pelo governo federal, a título de salário eleitoral, nós trabalhamos em todas a eleições gratuitamente. Mesmo assim tenho ainda uma esperança: um dia um Governador irá na Tribuna da Assembleia Legislativa e irá pronunciar em alta voz: “Estou aqui pessoalmente nesta Casa de leis para defender a aprovação deste projeto de valorização da carreira de Delegado de Polícia, porque reconheço a importância, o trabalho e a dedicação desses valorosos operadores do Direito. Não vamos mais permitir que estes competentes profissionais abandonem a carreira, abandonem nosso Estado, abandonem nossa gente.” Bem, este é o meu sonho e espero que um dia se realize.