O presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa, deputado Gilsinho Lopes (PR), marcou para esta segunda-feira (25/11) audiência pública, a partir das 11 horas, em um dos plenários da Ales, para discutir projeto de sua autoria que acaba com o Boletim Reservado do Comando Geral da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, onde são publicadas decisões relativas a sindicâncias e a inquéritos contra oficiais.
O que o parlamentar desconhece, entretanto, é que ele e nenhum deputado estadual têm poder de alterar leis federais. E os Boletins Reservados das Polícias Militares Estaduais e das Forças Armadas são amparados pela Constituição Federal de 1988.
Enquanto isso, o Comando Geral da Polícia Militar apresenta fortes argumentos que garantem a legalidade da preservação do Boletim Reservado. Em entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, o novo corregedor geral da PMES, coronel Ilton Borges, explica que o Boletim do Comando Geral da Polícia Militar também não deixa de ser “reservado”, pois somente o público interno – policiais s militares – têm acesso a ele, por meio de loguin e senha, pelo site da PMES.
Blog do Elimar Côrtes – Qual a necessidade da existência de um boletim reservado?
Coronel Ilton Borges – O Boletim Interno e o Boletim Reservado são publicações que integram as atividades administrativas das forças militares, destinada a levar ao conhecimento do público interno alguns assuntos relevantes, de natureza administrativa, voltados para instrução, envolvendo assuntos de Justiça e Disciplina, além de outros.
Os dois boletins não são endereçados ao público externo, ou seja, em ambos há certa restrição na sua publicidade, conforme pode ser observado nos procedimentos de acesso, segundo o qual cada policial militar possui senha individual. O Boletim Reservado se caracteriza por uma restrição ainda maior, e essa distinção tem a ver com a matéria versada, ou seja, assuntos relacionados ao controle de armamentos da Fazenda e particulares dos policiais militares; de equipamentos; e a punição de policiais que, pela função que exercem na instituição; casos também em que a publicação atinja a intimidade do policial, também podem ser objeto de publicação restrita.
– Por que as sanções disciplinares dos oficiais são publicadas em Boletim Reservado?
– Para que haja respeito a dois princípios básicos da instituição: a hierarquia e a disciplina. A hierarquia e a disciplina são as responsáveis pela organização de todas as instituições militares (Forças Armadas e Forças Auxiliares), estruturando e articulando a sequência e a ordenação de postos e graduações, e nada tem a ver com as pessoas físicas neles investidas. Trata-se, assim, de uma projeção do princípio da impessoalidade, que deve presidir toda e qualquer atuação da administração pública.
Seus fundamentos podem ser conferidos na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais. Não deve ser interpretadas como privilégios, mas sim como garantias afetas ao cargo, garantindo o mínimo de condições para que o superior hierárquico responsável pela condução do trabalho de um contingente de homens e mulheres tenha o mínimo de condições de prosseguir na tarefa de comandar.
A pessoa do servidor público (em sentido amplo) que eventualmente incorrer em ato ilícito deverá, respeitado o devido processo legal, ser sancionada, mas o próprio ordenamento jurídico prevê hipóteses em que a relevância do cargo deve ser levada em conta no momento da exteriorização do ato. Disso decorre que, no extremo, ele (servidor) poderá ser sancionado e até mesmo removido do seu cargo público, contudo tal apenamento não pode vulnerar senão a pessoa do transgressor, mantendo-se incólumes a Instituição e o Cargo, no caso, o posto do oficial.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art. 22, XXI, que compete privativamente à União legislar sobre “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares”.
Essas “garantias” a que se refere o dispositivo anterior são instituídas para a preservação de valores imanentes à democracia, dentre eles a hierarquia e a disciplina militares que, por força do aludido mandamento constitucional, devem ser nacional e uniformemente observados pelas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, estando, portanto, fora do alcance das possibilidades do legislador estadual. Por isso mesmo é que se trata de competência legislativa privativa da União, e não de competência concorrente da União e dos Estados membros.
A Constituição Federal estabelece também, em seu artigo 42, que os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e o artigo. 144, § 6º, prevê que as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares são forças auxiliares e reserva do Exército.
Não é por outro motivo que as normas das corporações militares guardam entre si bastante similaridade, pois refletem aspectos comuns a essas instituições, e nesse contexto inserem-se as normas de publicidade restrita das sanções aplicadas aos oficiais, pois se trata de norma uniforme, aplicada indistintamente nas Forças Armadas e nas Forças Auxiliares.
Embora muitas vezes seja difícil indagar sobre as razões de fato que levam à edição de uma norma, ao que parece a previsão uniformemente estabelecida de publicidade restrita leva em conta a relevância do cargo desempenhado dentro da estrutura militar e o risco à própria hierarquia e disciplina que representaria a publicidade de uma sanção aplicada a alguém que de um lado exerce poder disciplinar, mas que, de outro, pode ser objeto de sanção disciplinar. É dizer: o oficial que pratica uma transgressão pode e deve ser objeto de aplicação de sanção disciplinar, mas até que ponto a publicidade geral dessa sanção contribui para a melhoria das instituições militares?
Além disso, outro aspecto inescapável corresponde ao fato de que à medida que se ascende na pirâmide hierárquica, mais se confunde o cargo com a pessoa que o ocupa, mais exposto fica o indivíduo.
– Qual norma prevê a publicação em Boletim Reservado?
– No âmbito da Polícia Militar do Espírito Santo, o Decreto 254-R/2000 estabelece em seu artigo 31, § 1º, que “a publicação da punição imposta a Oficial ou Aspirante a Oficial deverá ser feita em Boletim Reservado, salvo se as circunstâncias ou a natureza da transgressão recomendarem o contrário, no interesse da disciplina”. Vale apontar, também, que além do Regulamento Disciplinar, a norma constitucional e outras infraconstitucionais que dispõem sobre hierarquia e disciplina como pilares das instituições militares, representam princípios que fundamentam o regramento da matéria no âmbito da PM capixaba.
– Como o caso é tratado em outras instituições militares?
– Até por imperativo organizacional, já que é Força Auxiliar e reserva do Exército, a regra estabelecida no âmbito da PM capixaba é semelhante àquelas previstas para as demais instituições militares de todo o Brasil, tanto nas Forças Armadas, como nas Polícias Militares. Em todas elas há previsão de publicação em Boletim Reservado das sanções dos Oficiais.
– Como o caso é tratado em outras instituições, como a Polícia Civil e Ministério Público?
– A leitura das normas que estabelecem certas punições disciplinares imponíveis a magistrados, a membros do Ministério Público, e a integrantes da Polícia Civil do Espírito Santo, também elas, eventualmente, estabelecem a possibilidade de divulgação em caráter reservado (artigos 43 e 44 da Lei Complementar nº 35/1979; e artigo 240, inciso I e II, da Lei Complementar nº 75/2003; e artigo 94, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual – nº 3.400/1981.
– Há possibilidade de publicação em boletim interno de fatos envolvendo oficiais?
– Sim, pois conforme dispõe o próprio artigo 31, parágrafo 1º do RDME, existe a possibilidade de essas sanções serem publicadas internamente, caso haja interessa da disciplina.
– A publicidade restrita é sinônimo de impunidade?
– Não, em hipótese alguma, até mesmo por uma questão de lógica. No momento em que se discute a publicação de punições, sejam elas em Boletim Reservado ou em boletim interno, a punição já foi decidida e aplicada, não se devendo, mercê disso, nem mesmo sugerir qualquer relação com, ou tentativa de, impunidade.
É importante que se saiba que, quando ocorre a publicação, em Boletim Reservado ou em Boletim Interno, de uma punição disciplinar, essa decisão representa a conclusão de todo um processo, iniciado ainda numa fase inquisitorial, na qual se levantam os indícios mínimos de autoria e de materialidade para, somente então, instaurar-se a etapa de contraditório, onde todas as provas serão submetidas ao crivo do contraditório, garantindo-se assim a ampla defesa. Esgotado todo esse percurso, é que eventualmente se chegará à punição que deverá ser publicada, em Boletim Reservado ou Interno. A descrição desse percurso demonstra claramente que não se pode sequer sugerir que se cuida de impunidade.
É importante informar, ainda, que todos os procedimentos investigativos no âmbito da Polícia Militar, sejam eles envolvendo oficiais ou praças, concluindo pela inocência ou pela culpabilidade do investigado, após o encerramento, são obrigatoriamente remetidos ao Ministério Público Estadual, para fins de controle externo. Independente da forma de publicação do ato final, todo o procedimento é submetido ao crivo do Ministério Público Estadual Militar para nova análise, antes de seu arquivamento definitivo.
Enfim, a publicação em Boletim Reservado não é, como visto, uma decretação de sigilo eterno. Existem alternativas para realização e para o atingimento dos fins da publicidade que não a publicação das punições disciplinares de oficiais em Boletim Interno.