A Vara da Auditoria das Justiça Militar do Estado do Espírito Santo acaba de condenar a três anos de reclusão os ex-policiais militares Sebastião Gomes Lins, Rafael Moraes Firme, Jorge Mauro Reis dos Santos e Paulo César Silva de Souza pela acusação de corrupção. De acordo com denúncia do Ministério Público Militar Estadual, os quatro teriam recebido mais de R$ 100 mil para garantir a fuga de chefões do crime organizado de um dos presídios de segurança máxima do Complexo Penitenciário de Viana, há oito anos atrás.
Um dos ex-PMs condenados, Rafael Firme, conhecido também como Rafael Dentinho de Ouro, teria sido alvo de um atentado na última quinta-feira (22/08), no bairro Vera Cruz, em Cariacica, em que levou três tiros no rosto. Ele, no entanto, acabou sendo autuado em flagrante pela Polícia Civil porque estava armado ilegalmente com uma pistola sem ter posse de arma. Este foi o segundo suposto atentado sofrido por Rafael Dentinho de Ouro em três anos. No último, em 28 de julho de 2010, ele foi baleado em Jardim América, bairro vizinho a Vera Cruz.
Há dois anos, os quatro amigos e colegas de farda foram expulsos pelo Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, conforme este blog informou com exclusividade em postagem feita no dia 18 de setembro de 2011. A expulsão se deu por conta da acusação do envolvimento deles com o plano de fuga.
Entre os chefões das cadeias para quem os policiais eram acusados de trabalhar estão Fernando Cabeção – condenado a 23 anos pela acusação de intermediar o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho -, Toninho Pavão, Doutorzinho e Fuinha. Em decisão assinada no dia 2 de agosto deste ano, o juiz-auditor da Justiça Militar, Getúlio Marcos Pereira Neves, publicou a sentença condenatória dos ex-quatro militares no site do Tribunal de Justiça, conforme processo número 0018241-44.2006.8.08.0024 (024.06.018241-7).
De acordo com a sentença, o Ministério Público Militar Estadual ofereceu denúncia em desfavor de Sebastião Gomes Lins, Rafael Moraes Firme – conhecido também como Rafael Dentinho de Ouro –, Jorge Mauro Reis dos Santos e Paulo César Silva de Souza como incursos nas sanções do art. 308, § 1º do CPM (1º e 3º denunciados) e no art. 308, § 1º c/c art. 177 do CPM (2º e 4º denunciados). O magistrado informa na sentença que, por aditamento, foi retirada a imputação no art. 177 do CPM, restando todos denunciados no art. 308, §1º do CPM. O artigo 308 do Código Penal Militar fala de corrupção. Já o artigo 177 do CPM é “opor-se à execução de ato legal, mediante ameaça ou violência ao executor, ou a quem esteja prestando auxílio”. Ou seja, reagir a uma ordem prisão.
Consta da denúncia que “no dia 11 de novembro de 2005, por volta das 23 horas, no bairro Vila Capixaba, Cariacica, a Diretoria de Inteligência da PMES (DINT), junto com o Batalhão de Missões Especiais da PMES, realizou uma operação, cujo objetivo era flagrar supostos policiais militares que estariam, em companhia de criminosos, planejando a fuga de detentos da Penitenciária de Segurança Máxima de Viana – MOSESP II.”
Ainda segundo a denúncia, durante a abordagem pelo BME e pela DINT, dois dos acusados, Rafael Firme e Paulo César – que, de acordo com o Ministério Público, se encontravam na casa “devido ao fato de serem os responsáveis, dentre os acusados, em conferir a quantia e receber pagamento pela facilitação da fuga” – efetuaram disparos contra as guarnições da DINT e do BME que buscavam a missão.
Ainda segundo a denúncia, “verifica-se dos autos que os acusados aceitaram vantagem indevida, expressa na quantia aproximada de R$ 100 mil, oferecida por criminosos, os quais almejavam que aqueles facilitassem a fuga de presos detidos no MOSESP II.”
Por ordem da Justiça, a Dint conseguiu autorização para interceptar ligações telefônicas dos policiais com os criminoso em que, segundo a denúncia, ficou configurado plano para a fuga dos bandidos. Em posse dessas informações, os policiais da Dint, com apoio do BME, planejaram e efetuaram a missão, que culminou na prisão em flagrante de dois dos acusados, na prisão de outro cidadão civil – que não é militar – e na morte do ex-PM José Renato Dias, “além da apreensão da quantia que seria utilizada para pagar os acusados.”
Desta forma, conclui a denúncia do Ministério Público Militar Estadual, “os acusados praticaram ato contra expressa disposição legal ao aceitarem promessa de vantagem indevida, com o fito de que auxiliassem presos do MOSESP II empreenderem fuga. Deve-se atentar para o fato de que os acusados desobedeceram dever funcional deles ao associarem-se a criminosos. Além disso, cabe ressaltar que o acusado SD RAFAEL MORAES FIRME e o acusado SD PAULO CÉSAR SILVA DE SOUZA infringiram expressa disposição legal ao efetuarem disparos contra as guarnições do BME e da DINT que estavam em cumprimento de missão, visto que se opuseram à execução de ato legal, mediante violência aos executores.”
Na sentença, o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves ressalta que, “durante a investigação foi produzida, por determinação judicial, prova consistente em interceptação de comunicações telefônicas, não havendo qualquer óbice na sua utilização nestes autos, conforme remansosa jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal. Quanto às alegações, em plenário, tentando levantar dúvida sobre a validade da prova, à interceptação de dados de comunicação telefônica precede a prévia identificação dos proprietários das linhas telefônicas. Por outro lado, não há necessidade de realização de exame pericial para lhe conferir credibilidade, conforme já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal no MS n.º 16.185/DF, publicado no DJ de 03/08/2012, sendo que a defesa não lhe questionou a validade em nenhum momento durante a instrução.”
Mais adiante, o magistrado conclui: “De fato, os indícios da prática de delito do art. 308 do CPM são robustos, eis que as interceptações telefônicas atestam a aceitação da vantagem. A contrário do alegado pela defesa, os termos utilizados pelos circunstantes durante as conversações interceptadas independem de interpretação. Esses indícios se tornam prova da consumação do delito no momento da prisão em flagrante dos acusados Paulo César e Rafael de posse de uma quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Não é crível, para o Conselho de Justiça Militar, que os acusados trafegassem com uma quantia de tal monta em seu veículo sem ter conhecimento desse fato.
Não há que se argumentar com o fato de que alguns dos acusados não exerciam função no presídio, que algum estivesse de folga etc, porque para a unanimidade do Conselho de Justiça Militar o ajuste foi firmado com eles justamente em virtude de sua função policial militar, com base em que poderiam facilitar, promover ou influenciar na consecução do objetivo dos contratantes. É fato que não se firmavam estes acordos com policiais civis nem com a guarda municipal, que nada tinham a ver com a guarda de detentos.
Também não aproveita à defesa o fato da absolvição dos acusados na ação penal que cuidou da imputação de tentativa de homicídio contra os policiais do BME, eis que naqueles autos foi considerada apenas a ação de todos os envolvidos no momento da abordagem e não os fatos investigados na presente ação penal.”
Para cada um dos quatro réus condenados, o juiz Getúlio Pereira Neves deu a seguinte decisão final:
“Da análise do art. 69 do CPM, considerando a gravidade do delito, eis que agentes públicos que deveriam guardar detentos estavam envolvidos em ajustes para sua fuga, burlando o Estado; ter agido com dolo específico, o que é demonstrado pelas sua falas com os contratantes, constantes do IPM; o dano foi extenso, pelos desdobramentos do fato (morte de um ex-PM, ações nesta AJMES) os meios empregados e o modo de execução, discutindo e entrando em entendimento para contratar um ajuste ilícito; os motivos determinantes, o desejo de lucro ilícito em detrimento do seu dever de lealdade para com a Administração Militar, depõe contra ele, o que independe de demonstração; as circunstancias de tempo e lugar são indiferentes; que não constam antecedentes atualizados e que sua atitude após a prática do delito não pode ser presumida em seu desfavor, Fixo-lhe a pena base em 03 (três) anos de reclusão, que torno definitiva na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes e causas de diminuição e aumento de pena a considerar. O regime inicial de cumprimento será o aberto.”