A semana que passou foi marcada pelo reconhecimento de um trabalho eficiente realizado pelas Polícias Civil e Militar do Espírito Santo no início de 2009. Na tarde do dia 21 de janeiro daquele ano, uma quadrilha fortemente armada invadiu o Shopping Vitória – o maior do Espírito Santo –, rendeu seguranças da empresa Prossegur, que levavam malotes de dinheiro recolhido da agência do Banco do Brasil, e transformou a diversão e o trabalho de milhares de pessoas num verdadeiro inferno. Resultado: dois vigilantes mortos e outras duas pessoas feridas.
Dois anos depois, a Justiça do Espírito Santo, num julgamento mais ainda eficiente, equilibrado e célere, já havia julgado e condenado nove integrantes da quadrilha a penas que vão até 31 anos de prisão. Quatro anos depois da tragédia, a mesma Justiça capixaba, numa nova demonstração de equilíbrio e eficiência, confirmou a íntegra da sentença do Juízo de primeiro grau e, num julgamento de apelação criminal interposto pela defesa dos criminosos, o Tribunal de Justiça manteve as condenações dos bandidos.
A ação das autoridades policiais e da Justiça no julgamento foi facilitada, todavia, graças a um herói anônimo. Graças ao investigador de Polícia Civil Emanoel Pereira Leopoldo, que, em sua hora de folga, estava no Shopping Vitória no momento do assalto, uma tragédia maior foi evitada.
Graças à perspicácia e o senso do dever profissional de Emanoel Leopoldo, os delegados e agentes da Diretoria de Inteligência (Dint) da Polícia Militar que atuaram nas investigações puderam contar com informações preciosas que levaram a polícia capixaba a prender boa parte da quadrilha horas após a ação dos criminosos. Chegar ao restante do bando foi questão de tempo e de mais investigação. Coube a um grupo de agentes da Dint, sob o comando do então chefe do setor, coronel Edmilson dos Santos, ir a São Paulo investigar, localizar e prender outros acusados do assalto, inclusive o chefão da gangue, Jusimar Ferreira Rocha, conhecido como Gigante.
Aquela tarde de 21 de janeiro de 2009 era de lazer e de folga para Emanoel Leopoldo. Entretanto, ele estava passeando no Shopping Vitória quando ouviu os tiros disparados durante o assalto à agência do Banco do Brasil. Não pensou duas vezes: sacou a arma e voltou ao trabalho.
“Vi os elementos e dei um tiro para cima em sinal de advertência enquanto tentava descer, mas a escada rolante subia. Enquanto eu dava a volta, eles correram. Um perdeu a arma. Eu ainda dei uns dois tiros, mas quando alcancei, eles estavam fugindo nas motos. Parecia coisa de cinema”, lembrou o investigador dias depois em reportagens divulgadas por jornais.
Enquanto corria pelo shopping, em uma das mãos ele segurava o distintivo. O receio era de ser confundido com os ladrões. Foram as descrições dadas por Emanoel que auxiliaram a polícia a encontrar as motos utilizadas pelos assaltantes. Uma delas foi apreendida no estacionamento de um hipermercado poucas horas após o crime.
Emanoel Leopoldo tem agora 24 anos de profissão. Na ação, ele só reagiu porque está treinado para isso. “Eu só cumpri com o meu dever”, afirmou investigador.
O profissionalismo do investigador Emanoel Leopoldo ajudou muito a Dint e ao então chefe da Divisão de Crimes contra o Patrimônio, delegado Danilo Bahiense, e seu adjunto, delegado André Cunha. Na mesma noite, eles realizaram diversas operações e prenderam alguns dos bandidos.
O desfecho da ação policial tinha que ser positivo, embora em cima de uma situação trágica, que foi a morte de dois seguranças. Na quarta-feira (08/05), a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo julgou apelação criminal interposta por nove dos condenados por participarem do assalto dentro do Shopping Vitória. Os desembargadores mantiveram na íntegra as condenações de primeiro grau e ainda negaram provimento ao Ministério Público Estadual, que queria a absolvição de alguns dos réus pela acusação de formação de quadrilha armada.
Naquele 21 de janeiro de 2009, por volta das 17 horas, os criminosos envolvidos no assalto no interior do Shopping Vitória, dentre eles, os executores Jusimar Ferreira Rocha, Patrick Augusto da Penha, Ednei Marques Gregório e Ruan Tenório que atiraram em três vigilantes da empresa Prosegur e em um policial civil, matando dois dos vigilantes, Renato Vicente da Silva e Sirley Marins de Souza, o que possibilitou, enfim, o roubo de um malote do Banco do Brasil, contendo aproximadamente R$ 130 mil.
Durante a troca de tiros com outro segurança da Prossegur e o policial civil Emanoel, foi baleado um menino. O processo, de número 024.09.006243-1, foi julgado e sentenciado no dia 8 de julho de 2011 pelo juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 3ª Vara Criminal de Vitória.
Na sessão de quarta-feira, o relator da apelação criminal, desembargador Manoel Alves Rabelo, rejeitou todas as preliminares suscitadas pela defesa, que queria a nulidade da sentença. No julgamento do mérito, o desembargador Manoel Rabelo fez várias ponderações e conclusões:
“Foi uma ação planejada, para a qual os criminosos se reuniram várias vezes na residência de um dos réus. A ação teve o uso de armamento pesado”.
Ao analisar recurso de dois dos condenados – Leonardo Nobre da Silva e Pablo Freitas, que queriam ser absolvidos da acusação de latrocínio, por entender que sua participação no crime teria sido “insignificante” –, o desembargador argumentou:
“Os apelantes tinham sim conhecimento da ação do grupo. Um deles, inclusive, deu fuga aos criminosos em um veículo após o evento trágico. Portanto, a participação dos dois apelantes está muito longe de ser insignificante”
O voto do relator Manoel Rabelo foi seguido pelo revisor da apelação, desembargador Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça, e pela desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos.
“Foi uma ação ousada e que demonstrou nossa total insegurança. Os criminosos agiram em plena luz do dia, dentro de um dos maiores shoppings do Estado. Assaltaram e mataram dois vigilantes”, ressaltou o desembargador Sérgio Bizzotto.
O Ministério Público Estadual, que ofereceu denúncia contra os criminosos, também recorreu de parte da sentença de primeiro grau. Pleiteava que os bandidos fossem condenados por duas mortes. Nesse sentido, o desembargador Manoel Rabelo, relator da apelação criminal, deu a seguinte decisão e ensinamentos:
“A segunda parte do § 3º do artigo 157 do Código Penal traz a figura do roubo qualificado pelo resultado morte, conhecido como latrocínio. A despeito do resultado atingido, destaco que o latrocínio continua sendo um crime contra o patrimônio. Desse modo, penso que não merece acolhimento o pleito Ministerial (Ministério Público). Afinal, entendo restar amplamente demonstrado que o delito em questão foi cometido mediante uma só ação, dentro de um mesmo contexto, visando atingir unicamente o patrimônio de uma vítima, qual seja, a instituição financeira sediada no Shopping Vitória.”
“A pluralidade de mortes, bem como o número de vítimas atingidas pelos disparos, não atrai a incidência do concurso de crimes, que permanece único, sendo considerados no momento da fixação da pena-base, consistindo em um maior gravame às consequências do delito.”
Neste sentido, segundo Manoel Rabelo, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “(…)A morte de mais de uma pessoa com a subtração de um só patrimônio, ao tempo que caracteriza o latrocínio como crime único, autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal, porquanto desfavoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (consequências do crime). (Habeas Corpus nº 91231/RJ. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento 02/06/2009).”
Mais adiante, o desembargador explica que Rogério Grecco, em seu Código Penal Comentado, 6ª ed., Editora Ímpetus, 2012, ratifica este posicionamento à fl. 465, quando apenas uma é a vítima da subtração: “O Superior Tribunal de Justiça, esposando posição amplamente majoritária, já se posicionou no sentido de que, no caso de uma única subtração patrimonial com pluralidade de mortes, reportando a unidade da ação delituosa, não obstante desdobrada em vários atos, há crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena-base (REsp. 15701/SP, Rel. Min. Costa Leite, 6ª T., DJ 27/04/1992, p.5.507).”
O desembargador Manoel Rabelo vai além: “Ratificando o posicionamento aqui defendido: apesar de o latrocínio ser um crime complexo, mantém sua unidade estrutural inalterada, mesmo com a ocorrência da morte de mais de uma das vítimas. A pluralidade de vítimas não configura continuidade delitiva e tampouco qualquer outra forma de concurso de crimes, havendo, na verdade, um único latrocínio. A própria orientação do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a pluralidade de vítimas não implica a pluralidade de latrocínios. Não se pode ignorar que o crime-fim inicialmente pretendido foi o de roubo e não um duplo ou triplo de latrocínio, ou melhor, não duas ou três mortes. A ocorrência de mais de uma morte não significa a produção de mais de um resultado, que, em tese, poderia configurar o concurso formal de crimes. Na verdade, a eventual quantidade de mortes produzidas em um único roubo representa a maior ou menor gravidade das consequências, cuja valoração tem sede na dosimetria penal, por meio das operadoras do art. 59 do Código Penal. Pelo exposto, sendo atingido apenas um patrimônio na ação delituosa, deve o crime ser havido como único, na forma como exposto na Sentença vergastada.”
O desembargador Manoel Rabelo também rebate outro argumento, desta feita da defesa, de que os criminosos teriam se reunido tão somente no dia do crime para praticar o assalto.
“Destaco que embora alguns dos acusados insistam na tese de que o crime foi planejado no mesmo dia da execução, tal alegação encontra-se carente de qualquer fundamentação, pois trata-se, como já sustentado, de crime extremamente complexo, envolvendo inúmeras pessoas, com armamentos pesados e diversos carros, necessitando também de prévio conhecimento sobre o horário de saída dos malotes do banco, demonstrando com isso o planejamento e estruturação dos envolvidos, conforme admitido por alguns dos apelantes em sede policial.”
Com relação ao chefe da quadrilha, Judimar Gigante, o desembargador Manoel Rabelo decidiu dessa forma:
“Mantenho também a dosimetria realizada em relação ao acusado Jusimar, pesando em seu desfavor as circunstâncias judiciais da culpabilidade (considerando a premeditação), maus antecedentes, circunstâncias e consequências, todas devidamente fundamentadas, capazes de justificar a pena-base de 27 (vinte e sete) anos fixada. No caso de Jusimar, destaco ainda ser ele apontado como um dos líderes da quadrilha, já decidindo o Superior Tribunal de Justiça que ‘é correto o recrudescimento da pena daquele que é o articulador do crime, o mentor da empreitada criminosa, pelo fato de merecer maior reprovação a sua conduta, como no caso, em que o Paciente’ era o líder do grupo, sendo ele quem portava a arma, anunciou o crime de roubo e, efetivamente, proferiu os disparos de arma de fogo contra a vítima”.
Condenados
Jusimar Ferreira Rocha: 31 anos e três meses.
Ruan Tenório: 28 anos e seis meses.
Patrick Augusto da Penha: 28 anos e seis meses.
Edinei Marques Gregório: 25 anos.
Daniel Leal Borges: 25 anos e seis meses.
Pablo Freitas: 21 anos e seis meses.
Leonardo Nobre da Silva: 13 anos e quatro meses.
Alan Dion Lopes Silva: 3 anos e três meses.
Marcelo Rodrigues Alves: 3 anos.