O soldado PM Agrinaldo Antônio Nascimento descumpriu uma ordem da Justiça – saiu da prisão domiciliar –, foi a uma loja cobrar dívida em nome de um amigo – que é fichado na polícia – e ameaçou matar um comerciante.Só que Agrinaldo não contava que a mesma arma que seus colegas – a banda boa, diga-se de passagem – usam para combater a bandidagem seria usada contra ele: o circuito interno de televisão da loja invadida por Agrinaldo mostrou toda a sua ação destemperada.
E ele se deu mal: acaba de ser expulso da corporação, conforme decisão do comandante geral da PM, coronel Ronalt Willian, com base no resultado das investigações do Conselho de Disciplina presidido pela capitã Laysa Fernanda Gadioli Celante e que teve o capitão Carlos Frederico Sagassa Batista como interrogante e relator, e o capitão Robledo Moraes Peres de Almeida, como escrivão.
O Conselho de Disciplina, aberto por meio da Portaria nº. 013/2012 da Corregedoria Geral da PM, teve o objetivo julgar a conduta do soldado Agrinaldo, que era lotado no 6º Batalhão da Polícia Militar (Serra), por conta “de seu envolvimento em fatos de natureza grave, que denigrem a imagem da Corporação, afetando a honra pessoal, o pundonor policial militar e o decoro da classe”.
De acordo com as investigações, o soldado Agrinaldo teria sido “contratado” por seu amigo, Charzly Santana de Souza, “pessoa esta de conduta social reprovável, com passagens pela polícia, que responde atualmente a processo criminal”, para fazer uma cobrança de uma dívida.
Para tanto, no dia 21 de janeiro deste ano os dois foram ao estabelecimento comercial de um cidadão, no bairro Feu Rosa, na Serra, com o objetivo de cobrarem uma dívida.
Ainda segundo as investigações, o soldado Agrinaldo teria ameaçado o comerciante com uma pistola, pertence à Polícia Militar, contra sua cabeça, “situação esta captada por uma câmera de segurança do estabelecimento comercial e, por fim, ter praticado a conduta anteriormente descrita, estando em cumprimento de prisão domiciliar.”
A prova anexada aos autos, a filmagem realizada pelo circuito interno de
segurança da loja, demonstra claramente e com nitidez que o soldado Agrinaldo apontou duas vezes uma pistola para a cabeça do comerciante, “que permaneceu o tempo todo sentado e sem esboçar nenhuma reação.”
Segundo a Corregedoria, a arma utilizada pelo policial militar foi a pistola marca Taurus, calibre ponto 40, nº de série STG 44593, pertencente à carga da PMES, e que foi acautelada por Agrinaldo junto ao 6º BPM.
Os integrantes do Conselho de Disciplina deixam claro que o soldado Agrinaldo, no dia 21 de janeiro, estava em cumprimento de prisão domiciliar, por causa de um processo que tramita na 3ª Vara Criminal (Privativa do Júri) da Serra, em que é acusado de matar um homem em 2007. Por conta dessa acusação, a Justiça decidiu levar Agrinaldo a julgamento popular, conforme sentença de pronúncia assinada pela juíza Carmem Lúcia Correa, em 31 de maio de 2010.
A defesa de Agrinaldo tentou evitar a expulsão, alegando que o militar apenas acompanhou Charzly de Souza até a loja, não sabendo o policial o que seu amigo iria fazer no local.
Já em relação às imagens do circuito interno de TV que mostram o acusado ter apontado duas vezes a pistola acautelada da PMES para a cabeça do comerciante, o advogado do policial argumentou “que teria feito uma abordagem ao cidadão, pois suspeitava que ele estivesse armado.”
Entretanto, os membros do Conselho de Disciplina entenderam que “a versão apresentada pelo acusado não é compatível com as provas carreadas aos autos, notadamente a filmagem realizada pelo circuito interno de segurança da loja, a qual demonstra de forma inequívoca que o militar apontou duas vezes a pistola acautelada da PMES para a cabeça da vítima, que permaneceu sentado, com as mãos sobre a mesa, sem esboçar nenhuma movimentação que sugerisse a tentativa de sacar uma arma ou qualquer tentativa de afrontamento. Além disso, em nenhum momento das imagens (a vítima) é revistado pelo acusado, bem como não havia nada na sua cintura ou sobre a mesa que pudesse ser confundido com uma arma de fogo, o que desconstrói a versão apresentada e se mostra totalmente incompatível com uma abordagem policial”, diz trecho da conclusão das investigações.
O Conselho de Disciplina, presidido pela capitã Laysa Fernanda Gadioli Celante, foi tão perfeito que descobriu outras irregularidades cometidas.
Os oficiais relatam que o PM Agrinaldo descumpria com frequência a medida cautelar de prisão, “pois saía de sua residência com frequência, sem a devida autorização judicial, portando arma de fogo de forma irregular.”
Assim, de acordo com a decisão do comandante geral da PM, coronel Ronalt Willian, os oficiais que participaram do Conselho de Disciplina contra o soldado Agrinaldo, “entenderam ser necessário a apuração da circunstância de um preso domiciliar ainda estar com arma da Corporação acautelada pela Unidade onde estava lotado.”
Fica uma questão que deverá ser investigada pela PMES: será que o comandante do 6º BPM, “o mais querido e preferido” da cúpula da Secretaria de Estado da Segurança Pública, tenente-coronel Nylton Rodrigues, oficial tão zeloso enquanto foi o xerife do Ciodes, desconhecia que seu subordinado, mesmo em prisão domiciliar usava uma arma acautelada junto ao seu Batalhão? A quem cabe fiscalizar esse tipo de atitude? Esta falha é crime grave e também denigre a imagem da briosa corporação.
Vale destacar que no dia do crime, a Polícia Militar foi acionada para ir a loja do comerciante ameaçado pelo policial Agrinaldo. Mas aí surgiu outra irregularidade.
O Conselho de Disciplina vislumbrou que os policiais militares que atenderam a ocorrência no dia dos fatos – o subtenente Vanderlei Pontes Rodrigues e os soldados José de Souza Lima Júnior e Ygor Henrique de Oliveira Silva, “não diligenciaram de forma adequada e suficiente, com o fito de localizar o acusado.”
E tem mais: o PM Agrinaldo tentou intimidar o comerciante, “forjando um documento com conteúdo inverídico no qual a vítima desistiria da representação”.
Coronel Willian mostra como deve ser o papel de um comandante responsável
Ao decidir pela expulsão do policial, o comandante geral da PMES, coronel Ronalt Willian, dá, dentre outras, as seguintes justificativas:
“A conduta do soldado Agrinaldo Antônio Nascimento é gravíssima e colide com a doutrina adotada pela Polícia Militar e com as políticas públicas de segurança adotadas pelo Comando da Instituição. O acusado expôs não só o nome e a imagem da Corporação, mas também de todos os policiais militares, uma vez que maculou o bom nome da PMES.
Desta feita, é patente a inadequação de sua conduta com os deveres da carreira policial.
Acerca da reprovabilidade dos atos praticados pelo acusado, importante frisar que o artigo 26 da Lei n°. 3.196/78 (Estatuto da Polícia Militar) serve de parâmetro para compreender as
condutas que devem ser observadas por todos os Militares Estaduais e elenca, dentre outras, as seguintes:
I – amar a verdade e a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal;
II – exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;
III – respeitar a dignidade da pessoa humana;
IV – cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;
IX – ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada;
XII – cumprir seus deveres de cidadão;
XIII – proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;
XIV – observar as normas de boa educação;
XVI – conduzir-se, mesmo fora do serviço ou na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro policial militar;
XVII – abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;
XIX – zelar pelo bom nome da Polícia Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética policial militar.
O artigo 30 do mesmo Estatuto estabelece: “Todo cidadão, após ingressar na Polícia Militar mediante incorporação, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra, no qual afirmará sua aceitação consciente das obrigações e dos deveres policiais militares e manifestará sua firme disposição de bem cumpri-los”.
A conduta que lhe é atribuída é diametralmente oposta aos deveres do cargo que ocupa. Destarte, verifica-se que todo Policial Militar deve pautar seus atos conforme a lei, estrando ou não de serviço, fato que não se vislumbra na conduta do Sd AGRINALDO ANTÔNIO NASCIMENTO. Sendo assim, resta claro que o comportamento que adotou o torna incompatível com a relevância da função pública que desempenha. Por tais razões, entendo que não reúne as mínimas condições para permanecer nesta Instituição”.