O ex-governador Paulo Hartung (PMDB) vai depor na Justiça no processo que julga supostas irregularidades na desapropriação da Fazenda Santa Fé, onde está situado o Complexo Penitenciário de Xuri, em Viana. Hartung vai depor na condição de testemunha da empresa Comercial Hand Ltda.
Conforme este Blog do Elimar Côrtes informou com exclusividade em abril deste ano, a fazenda foi desapropriada pelo governo do Estado em 2009 – quando Hartung era o governador – por R$ 5.450.000,00.
A área foi desapropriada da empresa Comercial Hand Ltda., que, cinco anos antes, adquiriu o mesmo imóvel por R$ 780 mil. Detalhe: a venda do terreno para a Hand, em 2004, teve a anuência do Banestes, para quem a área estava hipotecada. As informações constam nos autos do processo 050.09.004661-1, que tramita na Vara da Fazenda Pública Municipal de Viana.
O Arion Mergar, da Vara da Fazenda Pública de Viana, antes de homologar a desapropriação, exigiu que fosse feita uma avaliação do terreno. Os advogados da Conercial Hand – Luiz José Finamore, Bruno Reis Finanore Simoni, Luiz Felipe Zouain Finamore Simoni, Gustavo Varella Cabral e Rodrigo da Rocha Scárdua – tentaram, sem êxito, evitar a avaliação por meio de recursos no Judiciário.
A avaliação foi feita por consultores imobiliários independentes e o juiz Arion Mergar verificou que o terreno onde está construído o Complexo Penitenciário de Xuri, em vez de custar R$ 5.450.000,00, vale R$ 4.377.000,00. Uma diferença de R$ 1.168.000,00.
O Estado teve que depositar em juízo os cheques referentes ao pagamento da desapropriação – os R$ 5.450.000,00 avaliado pelo governo passado –, até que impasse seja resolvido.
O impasse continuou até o dia 25 deste mês, quando o Tribunal de Justiça publicou no Diário Oficial de Justiça resultado da decisão do desembargador Arnaldo Santos Souza, que julgou improcedente pedido feito pelos advogados da Comercial Hang, que entraram com uma medida de “exceção de suspeição” contra o magistrado Arion Mergar.
Aliás, esta tem sido, lamentavelmente, uma prática comum nos últimos 10 anos das grandes bancas de advogados do Espírito Santo. Sempre que seus clientes são processados – geralmente, políticos e empresários acusados de corrupção –,eles entram com apelação na Justiça alegando “exceção de suspeição” dos magistrados. Usam o artifício como forma de atrasar o processo e a decisão de condenação contra seus clientes.
O ex-governador Paulo Hartung foi citado no processo de número 050.09.004661-1 como testemunha da Comercial Hang por um dos advogados da empresa, Gustavo Varella Cabral.
O Complexo Penitenciário de Xuri é administrado pela Secretaria de Estado da Justiça. A fazenda foi desapropriada pela Sejus quando o seu secretário era Ângelo Roncalli, denunciado pelo Ministério Público Estadual por corrupção no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), que é autarquia da Sejus.
Dentro de, no máximo, 60 dias o juiz Arion Mergar já deverá ter concluído – caso os advogados da Comercial Hang não atrapalhem de novo – o processo da desapropriação.
Caso fique caracterizada irregularidade, caberá ao Ministério Público Estadual oferecer denúncia, na esfera criminal e por improbidade administrativa, contra quem autorizou a desapropriação e os beneficiados.
Abaixo, a íntegra da decisão do desembargador Arnaldo Santos Souza, de acordo com o Diário Oficial de Justiça:
Exceção de Suspeição nº 100120011455
Excipiente: Comercial Hand Ltda
Excepto: Juiz de Direito Arion Mérgar
Relator: Desembargador Arnaldo Santos Souza
DECISÃO
Trata-se de exceção de suspeição arguida em desfavor do Juiz de Direito Arion Mérgar, tendo como fundamento o interesse do referido magistrado no julgamento de demanda envolvendo a excipiente, ao argumento de que “em defesa apresentada no Processo nº 1112843 que tramita pela D. Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, o Excepto, transbordando toda e qualquer moldura legal ou processual, fez, RELATIVAMENTE À EXCIPIENTE, SEUS ADVOGADOS e, principalmente, À SITUAÇÃO DO PRESENTE PROCESSO, as afirmações constantes do documento em anexo, notadamente às fls. 882, 883, 884, 885, 886 e 887, (TODAS ELAS DESTACADAS À TINTA NO REFERIDO TEXTO)” (fls. 02), restando caracterizado que o magistrado excepto “não possui a mais mínima condição de permanecer à frente do presente processo, visto que, muito embora decorrente de desapropriação feita pelo Estado do Espírito Santo com base em avaliação feita por SUA EQUIPE DE PERITOS e conforme a realidade da época da área desaproprianda, declarou, textualmente (e antes mesmo da conclusão dos trabalhos periciais) que o valor em questão sobejava o valor justo e que se assim o tinha ofertado seria por conta de CONCHAVO, DE CONLUIO ou de qualquer outra forma de ATO ILÍCITO visando o enriquecimento sem causa do desapropriado às custas do erário público” (fls. 03 – sic), configurando, assim, a hipótese prescrita no art. 135, inciso V, do CPC.
O magistrado excepto, por sua vez, adiantando-se ao rito pertinente, apresentou extensas informações (601 laudas) acompanhadas de volumosa relação de documentos (16.725 cópias), afirmando inicialmente que no exercício da atividade judicante tem pautado sua “conduta dentro dos padrões exigidos pela legislação disciplinadora da vida pessoal e profissional de magistrado”(fls. 158), fazendo menção às pessoas dos advogados que defenderam os interesses da excipiente e outros em determinadas demandas e justificando que o atraso na tramitação de feitos dessa natureza decorre da precária estrutura judiciária que vai desde a carência de servidor e falta de material até a variedade do manejo de recursos vinculados a outras ações. Sustenta que a sistemática do direito moderno autoriza ao magistrado determinar por conveniência própria a realização de diligências com o fito de investigar a veracidade dos fatos, desenvolvendo o processo por impulso oficial, trazendo, ainda, informações que retratam sua produtividade comparada a de outras comarcas. Diz sempre ter judicado com independência e imparcialidade, relatoriando a existência de diversos procedimentos inaugurados pelo Ministério Público Estadual em desfavor da excipiente e outros. Suscita, em meio à peça de resposta: (1) preliminar de “rejeição das quinze primeiras exceções de suspeição assinadas com assinatura digitalizada, por não preencherem o requisito indispensável contido no Código de Processo Civil, estando a décima sexta exceção de suspeição fulminada pela perda do objeto em razão da sentença proferida nos autos principais pelo Juiz de Direito Adjunto, restando a décima sétima exceção de suspeição para ser analisada” (fls. 354), requerendo, facultativamente, a realização de prova pericial sob a alegação de divergência acerca da assinatura do advogado subscritor das iniciais; (2) preliminar de “ausência de justa causa” (fls. 355) em razão de nova declaração prestada por Antônio Henrique Wanderley de Loiola esclarecendo outra declaração anteriormente firmada na qual também se fundaram outras exceções, além de afirmar repetidamente e sem guardar qualquer relação com a preliminar em questão: “estando a décima sexta exceção de suspeição fulminada pela perda do objeto em razão da sentença proferida nos autos principais pelo Juiz de Direito Adjunto, restando a décima sétima exceção de suspeição para ser analisada” (fls. 361), (3)preliminar de procuração sem poderes especiais para o manejo das exceções de suspeição, ensejando a rejeição da presente “e, via reflexa, julgando improcedentes as quinze primeiras exceções de suspeição por falta de poderes especiais nas procurações, eis que a décima sexta exceção de suspeição perdeu o objeto com o julgamento dos autos principais pelo Juiz de Direito Adjunto, restando a décima exceção de suspeição, com poderes especiais, a ser apreciada no mérito” (fls. 379), e (4) preliminar “falta de interesse de agir” (fls. 380), sob o argumento de que “um fato se revela inconteste, isto é, o procedimento nestes autos (não ajuizamento de exceção de suspeição vinculada a este processo, cujo fundamento do incidente se repete nos demais quatorze, revelando destarte, escolha sobre qual processo ajuizar eexceção que, diga-se de passagem, é dirigida ao magistrado e não à causa ou Vara) aniquilando todas as demais dezesseis exceções de suspeição, traduzido no vício de escolha, razão pela qual, requer o acolhimento desta preliminar, rejeitando-se esta exceção de suspeição e, por consequência, decorrente do efeito simultâneo, implica na rejeição das outras quinze primeiras, totalizando dezesseis exceções de suspeição onde figuram Solange Siqueira Lube; Rogério Siqueira Lube; Leonor Lube e Therezinha de Siqueira Lube, isoladamente ou em conjunto, reconhecendo ainda, se entender por bem o eminente Desembargador-Relator, a aplicação das penalidades inerentes à litigância de má-fé, sem prejuízo da determinação de apuração noutras esferas de responsabilização, acerca dos fatos aqui narrados, […] restando apenas a décima sétima, cujo fundamento é diferente das demais” (fls. 394).
Na decisão saneadora de fls. 841/851, afastei todas as questões preliminares suscitadas pelo excepto, postergando o exame da alegação de litigância de má-fé para momento oportuno, além de indeferir os impertinentes meios de prova requeridos, já que a prova documental produzida se revela suficiente à elucidação do ponto controvertido afeto ao interesse ou não do magistrado excepto no julgamento da causa originária.
Eis, então, os simplórios contornos que envolvem o presente incidente, desafiando, conquanto não se trate de recurso propriamente dito, julgamento monocrático pelo Relator, haja vista a manifesta improcedência e confronto da presente exceção com jurisprudência dominante de tribunal superior, sobretudo porque a finalidade da sistemática prevista no artigo 557, caput, do CPC, aplicado analogicamente à hipótese, é desafogar as pautas dos tribunais, apresentando ao órgão colegiado tão somente casos que necessitem de sua apreciação.
A propósito, invoco com especial destaque posicionamento jurisprudencial – por analogia – conferindo que “o artigo 557 do Código de Processo Civil autoriza a prolação de decisão monocrática, quando se tratar de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante de tribunal superior,ou quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante de tribunal superior. Portanto, não há se falar em ofensa ao princípio da colegialidade.”(STJ, AgRg no REsp 1188810/MG, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, data de julgamento 17/04/2012, DJ 30/04/2012).
Revelado, portanto, não haver ofensa ao princípio da colegialidade, quando a decisão é proferida pelo Relator com fundamento no artigo 557, caput, do CPC, que autoriza o julgamento monocrático quando verificado o manifesto confronto de tese com jurisprudência dominante de tribunal superior.
Feitas essas considerações, passo à analise das matérias erguidas, verificando ser cogente o julgamento de improcedência da pretensão que o presente incidente carrega, sopesando o manifesto confronto da tese jurídica com jurisprudência dominante do colendo STJ. Senão vejamos:
A causa de pedir da exceção de suspeição arguida tendo como fundamento a alegação de interesse do magistrado excepto no julgamento de demanda desapropriatória envolvendo a excipiente, ao argumento de que “em defesa apresentada no Processo nº 1112843 que tramita pela D. Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, o Excepto, transbordando toda e qualquer moldura legal ou processual, fez, RELATIVAMENTE À EXCIPIENTE, SEUS ADVOGADOS e, principalmente, À SITUAÇÃO DO PRESENTE PROCESSO, as afirmações constantes do documento em anexo, notadamente às fls. 882, 883, 884, 885, 886 e 887, (TODAS ELAS DESTACADAS À TINTA NO REFERIDO TEXTO)” (fls. 02), restando caracterizado que o magistrado excepto “não possui a mais mínima condição de permanecer à frente do presente processo, visto que, muito embora decorrente de desapropriação feita pelo Estado do Espírito Santo com base em avaliação feita por SUA EQUIPE DE PERITOS e conforme a realidade da época da área desaproprianda, declarou, textualmente (e antes mesmo da conclusão dos trabalhos periciais) que o valor em questão sobejava o valor justo e que se assim o tinha ofertado seria por conta de CONCHAVO, DE CONLUIO ou de qualquer outra forma de ATO ILÍCITO visando o enriquecimento sem causa do desapropriado às custas do erário público” (fls. 03 – sic), configurando, assim, a hipótese prescrita no 135, inciso V, do CPC.
Afigura-se, então, que a alegação de interesse do magistrado na causa originária guarda relação com suas afirmações relativamente à suspeição de superavaliação do imóvel objeto de desapropriação pelo Estado do Espírito Santo, tendo o magistrado excepto adiantado ao advogado da parte titular do direito (ora excipiente) que não seria possível deferir o pedido de alvará para levantamento do valor apurado, vez que certamente haveria necessidade do valor excedente retornar aos cofres públicos (fls. 77), se confirmada fosse a excessividade do valor atribuído à área em questão.
Destarte, é evidente o manifesto confronto da tese jurídica invocada pela excipiente com jurisprudência dominante do colendo STJ, assegurando que ¿o interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes pressupõe indicação precisa, acompanhada de prova concreta, da vantagem material ou moral do julgador, conforme as hipóteses de suspeição elencadas no art. 135 do CPC¿ (AgRg na ExSusp. 103/PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, data de julgamento 14/03/2011, DJ 18/03/2011), não havendo na hipótese prova suficiente à caracterização de qualquer suposta vantagem econômica ou moral por parte do magistrado excepto no julgamento da causa originária, pondo de lado, assim, a alegação de suspeição do magistrado decorrente de sua propalada parcialidade, isto é, de seu alegado interesse.
À mais das vezes, ¿o interesse que embasa a exceptio suspiscionis é aquele diretamente vinculado à relação jurídica litigiosa e não ao interesse geral da comunidade na qual se insere o magistrado, por isso que raciocínio inverso inviabilizaria o julgamento pelo Judiciário de interesse difuso nacional¿ (STJ, REsp 734.892/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, data de julgamento 14/02/2006, DJ 13/03/2006). Note-se que o magistrado excepto fez referência ao interesse público estadual, enfatizando de maneira especial a preservação do erário de forma a evitar eventual prejuízo aos cofres públicos.
Tenha-se presente que as questionadas afirmações foram lançadas no bojo do procedimento que tramitava perante a Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, não ocasionando dito pormenor qualquer prejuízo ao desfecho da causa originária. Tampouco tem o condão de configurar a hipótese de interesse na causa prevista no art. 135, inciso V, do CPC as referenciadas palavras sobre o advogado Gustavo Varella Cabral no sentido de que foi perceptível sua insatisfação decorrente do posicionamento negativo acerca do pedido de alvará e de sua preterição ao cargo de desembargador pelo governo anterior, porquanto ditas afirmações estão dissociadas de qualquer elemento subjetivo que possa sequer insinuar o desejo de interesse do magistrado excepto na causa.
Na órbita deste egrégio Tribunal de Justiça, é assente o entendimento no sentido de que ¿não passando de conjecturas as razões do pedido de suspeição, por ser a conduta desprovida de individualização objetiva e, ainda, ausente prova no sentido de atestar o interesse do julgador no resultado final da demanda (art. 135, V, do CPC), deve ser rejeitado o pedido de suspeição¿ (Exceção de Suspeição nº 100120000516, Relator Desembargador Ney Batista Coutinho, Tribunal Pleno, data de julgamento 13/09/2012, DJ 19/09/2012 – destaquei).
Nesse contexto, a despeito do entendimento de que a suspeição é a circunstância de caráter subjetivo que gera a presunção relativa de parcialidade do juiz, não se pode olvidar que a figura da imparcialidade do juiz tem natureza de interesse indisponível, admitindo exegese maleável e impondo aplicação finalística para cada caso concreto, sobretudo em razão do dito caráter subjetivo que incide sobre a hipóteses prevista no art. 135, inciso V, do CPC.
Aliás, para efeitos do art. 135, inciso V, do CPC, não vejo como considerar ser ato de imparcialidade o posicionamento e o verdadeiro mero aconselhamento incluídos na manifestação do magistrado ao tempo das informações prestados no referido Processo nº 1112843, especialmente no que diz respeito aos pontos destacados pela excipiente (fls. 76 – 000882, 77 – 000883, 78 – 000884, 79 – 000885, 80 – 0008886 e 81 – 0008887).
Em verdade, não se verifica da conjunção das afirmações nenhum dos requisitos elementares que possa caracterizar algum tipo de relação pessoal travada entre o magistrado e as partes a ensejar sua suspeição, ou seja, não restou comprovada qualquer circunstância de interesse que possa lançar sobre a indispensável imparcialidade do juiz substancial sombra de dúvida capaz de comprometer o julgamento do litígio principal.
No mais, refuto a prática de litigância de má-fé arguida pelo excepto, tendo em vista que o exercício do direito de ação, seja em seu viés originário (no pedido condenatório) ou em seu aspecto derivado (na interposição dos recursos cabíveis), não configura ato atentatório à lisura do embate processual, de modo a não se adequar a qualquer das hipóteses do art. 17, do CPC.
Forte nesses fundamentos, julgo improcedente o pedido que a exceção de suspeição carrega,rejeitando-a em todos os seus termos. Por força do princípio da sucumbência, condeno a excipiente no pagamento das custas remanescentes eventuais, não reclamando a hipótese de condenação em honorários advocatícios.
Intime-se desta decisão em seu inteiro teor.
Preclusas as vias recursais, remetam-se os autos ao juízo de origem.
Vitória, 09 de outubro de 2012.