As últimas 24 horas foram tristes para o Espírito Santo. Quando um menino de 14 anos é morto pela polícia, mostra a fragilidade do Estado (governos federal, estadual e municipal, Judiciário e sociedade em geral) em combater a criminalidade. A responsabilidade é de todos. A morte do menino Andriew Henrique Barroso Santos, o Dudu, num suposto confronto com policiais militares na Serra, precisa ser devidamente investigada e explicada pelas autoridades. A Polícia Militar diz que o menino estava com mais três jovens, em um carro que havia sido tomado de assalto em Cariacica. A perícia da Polícia Civil constatou que o menino foi atingido com seis tiros: dois disparos na cabeça, um no lado direito do peito, um no lado esquerdo, um na costela e um nas costas.
Dentre os três jovens, havia um que já tinha sido preso por tráfico e outros crimes. A família alega que o menino teria sido executado e não sabia que o veículo era roubado. Alega a família que o menino Dudu chegou a implorar para não ser baleado pelos policiais. A PM nega essa versão. Com o grupo teriam sido apreendidos dois revólveres e drogas, segundo a PM.
O comandante geral da PM, coronel Ronalt Willian, veio a público justificar a ação dos policiais. A presença dele com as justificativas é, por si só, um fato positivo.
Se o comandante geral da PM tivesse uma ponta de dúvida sobre o comportamento de seus policiais, dificilmente ele apareceria em público para dar a versão oficial da corporação sobre o episódio que vitimou um menino de 14 anos. Por ordem do comandante Willian, outros oficiais também apresentaram publicamente a versão da PM sobre o caso.
O protesto dos moradores, enquanto ocorre de modo pacífico, é aceitável. Não foi o que aconteceu em Jardim Tropical, onde o menino Dudu residia. Inflamados por traficantes da região, moradores destruíram ônibus, bloquearam avenidas, obrigaram o comércio, escolas e unidades de saúde a fecharem as portas e interditaram a rodovia BR-101 Norte.
Em nome do Estado e do direito de ir e vir dos demais cidadãos, a PM agiu corretamente. A ação dos traficantes de Jardim Tropical, ao inflamarem os moradores, não foi um ato isolado. É um recado dos bandidos para o Estado: “Nesta terra não queremos a presença de vocês”.
A PM, braço armado do Estado, não pode recuar e tem que evitar esse tipo de ação sempre que houver necessidade. Braço armado do Estado, a PM, porém, não pode deixar os moradores de Jardim Tropical à mercê dos traficantes, como tem acontecido ultimamente. Precisa estar no bairro sempre, mesmo quando não houver necessidade.
É por causa da ausência do Estado armado na região que os criminosos ordenaram seus moradores a agirem com violência em protesto pela morte do menino.
A morte de Andriew Henrique Barroso Santos, o Dudu, é algo que deve ser lamentado por toda a sociedade. Torna-se, às vezes, até difícil imaginar um menino de 14 anos trocando tiros com a polícia. Mas policiais mais experientes garantem que essa hipótese é possível, sim.
Se os policiais que atingiram Dudu com tiros agiram de maneira covarde – como dizem os moradores de Jardim Tropical –, cabe ao Estado investigar com exatidão e isenção. Se agiram dentro do estrito cumprimento do dever, também cabe ao Estado provar.
De qualquer modo, os policiais que participaram da acão que matou o menino vão responder a inquéritos já abertos pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa e pela Corregedoria Geral da PM.
Poderão, mais à frente, ser denunciados pelo Ministério Público e processados tanto pela Justiça Comum – neste caso, eles poderão ir a júri popular – e Justiça Militar.
Daqui em diante, moradores de Jardim Tropical, a família do menino e à sociedade têm de acompanhar o andamento das apurações. As investigações deveriam ter, inclusive, o acompanhamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES) e de um promotor de Justiça, para garantir, de fato, que o Estado armado, representado por policiais militares, agiu em conformidade com a lei.
O que a população espera é que surjam explicações convincentes para a morte de um menino de 14 anos em confronto com policiais militares. Até porque, todos (família, sociedade e Estado) são responsáveis pela morte do menino.
Que educação ele teve dos pais (e vejam que a mãe dele é pedagoga) para andar por aí tarde da noite em um carro roubado, com jovens suspeitos de tráfico e roubo? Que aprendizado teve na escola? O que o Estado brasileiro fez para proteger a vida do menino Dudu? Qual o treinamento os Estados dão a seus policiais para evitar que tiros sejam disparados contra um menino de 14 anos? Qual o modelo ideal de polícia que o Estado brasileiro, hoje dono da sétima maior economia do mundo, pretende continuar tendo: uma polícia que mata um menino de 14 anos com seis tiros (dois na cabeça, dois no peito, um na costela e um nas costas) ou uma polícia mais técnica e habilidosa, capaz de prender um menino de 14 anos sem necessidade de disparar sequer um tiro?
Quando o Estado falha na área de segurança pública, quem perde é a sociedade. E, geralmente, sobra para a Polícia Militar o pior papel: o de vilão, porque é ela quem vai para a rua combater o “inimigo” – neste caso especifico, o menino de 14 anos – criado pela falha do Estado.