Em artigo publicado na revista da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (ANPCF) em 2005, o perito criminal da Polícia Federal Marcus Vinicius de Oliveira Andrade alertou que o oxi era, na ocasião, mais uma jogada de marketing dos traficantes.
O artigo foi publicado na edição número 21 da revista da ANPCF, que circulou entre maio e agosto de 2005. Seis anos depois do primeiro artigo, Marcus Vinicius tem convicção de que o oxi é nada mais do que o próprio crack, revestido de uma jogada de marketing por parte dos narcotraficantes latinos americanos, para fazer os usuários acreditarem que se trata de uma nova droga.
Reportagens publicadas em dois jornais, em abril e em maio de 2005, já apontavam que o oxi seria a nova droga que estava chegando ao Brasil: uma publicação do jornal americano The Narco News Bulletin e outra no Estadão.
Curiosamente, o mesmo Estadão repete agora, seis anos depois, que o oxi acaba de chegar ao Brasil, demonstrando, assim, a falta de memória que domina a maior parte dos jornalistas brasileiros.
Marcus Vinicius de Oliveira Andrade é lotado atualmente no Grupo de Perícias em Laboratório (GPLAB) do Setor Técnico-Científico (Belo Horizonte) da Superintendência do Departamento de Polícia Federal em Minas Gerais. Ouvido pelo Blog do Elimar, ele reforça a tese de que até mesmo o governo federal tem poucas informações sobre o oxi:
“Realmente, temos visto muitas informações desencontradas a respeito do oxi. Não só na imprensa, mas também em órgãos do próprio governo”, diz Marcus Vinicius, que continua:
“Na minha opinião, o oxi é apenas uma nomenclatura criada em um meio ‘não técnico’. Acredito que o que chamam de oxi seja a cocaína base (derivada diretamente da pasta base) vendida em pequenos pedaços para o usuário com um perfil similar ao usuário do crack. Ela também é fumada. Isso não é raro em cidades como Rio Branco, capital do Acre – ou em outras fronteiriças nas quais há tráfico de cocaína – onde é bastante comum de se encontrar a cocaína base. Essa forma da cocaína é justamente aquela que, em maior parte, entra pelas nossas fronteiras”, afirma o perito criminal federal.
“O fato é que nada está muito bem definido com relação ao oxi. E enquanto não está definido, continuo com o que já temos consolidado como formas clássicas da cocaína”, prossegue Marcus Vinicius, que concluiu:
“O Instituto Nacional de Criminalística já está realizando análises (PeQui) mais detalhadas em amostras ditas oxi. Os primeiros resultados já publicados reforçam a convicção de que o OXI não é novo e muito menos uma droga diferente do crack”.
Abaixo, o artigo completo escrito pelo perito criminal federal Marcus Vinicius de Oliveira Andrade (graduado em Farmácia Industrial, mestre em Ciências Farmacêuticas) na revista da Associação Nacional de Peritos Criminais Federais. Ele abre seu texto com as publicações, no mesmo período, feita pelo Estadão e pelo jornal americano The Narco News Bulletin.
OXIS OU PASTA BASE?:
Uma “nova droga” começa a fazer vítimas no país, que ainda não conta com os esclarecimentos técnicos necessários para definir o que vem a ser o oxi.
“Não bastasse o efeito devastador do uso do crack, que tem se espalhado pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil, uma nova droga foi descoberta recentemente no estado do Acre, fronteira com a Bolívia. Possivelmente uma das mais potentes e perigosas drogas conhecidas, o oxi ou oxidado, como é conhecido pelos seus usuários, é uma variante do crack. A diferença é que, na elaboração, ao invés de se acrescentar bicarbonato e amoníaco ao cloridrato de cocaína, como é o caso do crack, adiciona-se querosene ou cal virgem para obter o oxi.”
The Narco News Bulletin, 13 de maio de 2005
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“O consumo de uma droga derivada da cocaína mais potente e letal do que o crack foi descoberto por acaso, no Acre. Chamada de oxi, a droga é feita a partir de resíduos da folha de coca lacerada e misturada à cal virgem e querosene. Sua proliferação foi detectada por pesquisadores que estudavam o grau de vulnerabilidade de usuários de drogas às doenças sexualmente transmissíveis. O oxi é tão potente que pelo menos 13 usuários, não encontrados após a conclusão das pesquisas, foram dados como mortos por conhecidos.”
Estadão, 14 de abril de 2005
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Desde meados do primeiro semestre deste ano, uma “nova descoberta” vem tomando corpo na imprensa. A partir de uma pesquisa patrocinada pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA, a ONG Reard (Rede Acreana de Redução de Danos) levantou-se, junto a viciados nas cidades acreanas de Rio Branco, Epitaciolândia e Brasiléia, dados suficientes para, segundo a instituição, comprovar o uso crescente de uma nova droga. Desde então o oxi, ou oxidado, passou a sustentar o título de “uma das mais potentes e perigosas drogas conhecidas”, ou ainda, “mais potente e letal do que o próprio crack”, segundo reportagens como as exemplificadas acima.
Mas, o que de fato é o oxi? É realmente uma nova droga como propaga a imprensa ou uma nova forma de consumo da cocaína? E será que é tão nova assim? Este artigo se propõe a lançar essa discussão e colocar o assunto em pauta, para estimular trabalhos que visem ao esclarecimento técnico dessa questão antes que o mito oxi se torne verdadeiro demais.
A SITUAÇÃO DA FRONTEIRA
Com relação ao tráfico, uma das principais características da fronteira acreana é ser notadamente um ponto de passagem da coca. Por isso, historicamente grande parte das apreensões realizadas pela Polícia Federal no estado é de pasta base. O refino e o batismo, etapas seguintes no processo de produção e comercialização da cocaína, não são realizados no estado acreano. Pelo menos essa não é a regra.
A característica de ponto de passagem da cocaína em seu estado de pasta base, “suja”, alia-se à condição socioeconômica da capital acreana, fator que pode ter contribuído para o alastramento do oxi e a difusão do tráfico e consumo de drogas na capital. No que concerne ao aspecto socioeconômico, Rio Branco possui o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região Norte e o 21º do país. Fica em penúltimo lugar do Brasil quando se considera o IDI (Índice de Desenvolvimento Infantil) e é campeã em concentração de renda. A falta de saneamento básico, assistência médico-hospitalar precária e o difícil acesso da população ao sistema público de saúde são causas diretas no desenvolvimento desse quadro. Não há praticamente indústrias no estado, cuja principal renda provém de verbas federais. Segundo José Mastrângelo, em artigo publicado no jornal O Rio Branco, o desemprego chega a cerca de 38% da população ativa. Isso contribui de forma decisiva para colocar, literalmente, trabalhadores nas mãos de trafi cantes. O serviço de “mula” acaba por se mostrar como a única alternativa de muitos jovens para conseguir alguma renda. Por conseqüência disso, o sistema os coloca em contato direto com a droga: cocaína na forma de pasta base.
Abundante na região, a pasta base não possui um preço tão elevado quanto o cloridrato de cocaína ou mesmo o crack, formas menos freqüentes de serem encontradas no Acre. A pasta, bastante acessível, é a forma de cocaína consumida pelas camadas mais pobres da população. Talvez daí tenha surgido o oxi, a pasta base fumada. O nome oxi, aliás, pode ser ainda originário do fato de a pasta base encontrada na região já ter passado pelo processo de oxidação, pela ação do permanganato de potássio.
QUANTO AOS ASPECTOS
MORFOLÓGICOS
E FÍSICO-QUÍMICOS
A dificuldade que se impõe é distinguir o que é o oxi e o que é pasta base. O crack e as formas mais puras da cocaína já refinada – tanto o sal quanto a base livre –, possuem características físico-químicas que os distinguem facilmente de outras formas de apresentação. Já a pasta base e o oxi são muito parecidos, isso admitindo que exista realmente alguma diferença em seus constituintes. Ambos possuem coloração ocre a amarelada. Dependendo de sua origem, podem ser encontrados na forma de pedras ou em consistência sólida e úmida. Além disso, possuem odor bastante característico, oriundo dos solventes utilizados na sua obtenção. Sabe-se que os solventes e produtos utilizados para produção da pasta base são os mais variados possíveis dentro das características exigidas para o processo.
Na sua maioria, são produtos como a cal virgem, cimento (utilizado nas regiões agrícolas colombianas), querosene, ácido sulfúrico, entre outros. Os mesmos que, teoricamente, são utilizados para a produção do oxi. Poderia, portanto, ser o oxi classificado tecnicamente como pasta base?
No laboratório, quanto aos ensaios físico-químicos mais corriqueiros realizados para a cocaína, não há distinção clara daquilo que é chamado de oxi e de pasta base. Testes como Scott Modifi cado, Mayer e Cromatografi a em Camada Delgada (nos dois sistemas de eluição) apontam indubitavelmente para a presença do alcalóide cocaína e ausência de manchas características, e que possam apontar para prováveis diferenças, em outra região da placa cromatográfica. Os testes de solubilidade são claros em apontar a presença do alcalóide na forma de base livre. Características físicas como cor, odor e forma são bem similares.
As variações observadas nesses aspectos são mais provavelmente derivadas das características inerentes a cada lote de apreensão (origem, forma de transporte, qualidade e quantidade dos insumos utilizados na produção) do que propriamente das duas formas da droga. Isto é: a princípio, tecnicamente não há distinção alguma.
Oficialmente – pelos dados coletados pelo Setec/AC –, em Rio Branco são apreendidas grandes quantidades de pasta base de cocaína. Não há nenhuma menção relativa ao oxi, mesmo porque, com os recursos técnicos atualmente disponíveis no estado, não há como diferenciá-lo da pasta base. A única distinção fica por conta de informações prestadas pelos agentes da Polícia Federal responsáveis pela apreensão, sem nenhum embasamento técnico-científico.
Existe uma necessidade premente de desenvolvimento de um estudo a respeito do assunto, de forma a esclarecer definitivamente a questão. Há, tecnicamente, alguma diferença na composição da pasta base em relação àquilo que é chamado popularmente de oxi? É, este último, produto da oxidação da pasta base, etapa comum no processo de refino da cocaína, e que por questões socioeconômicas regionais difundiu-se como alternativa de droga de abuso?
Essas questões precisam ser respondidas antes que se crie um mito baseado num falso rótulo, um marketing perigoso para disseminação e consumo indiscriminados da droga.