Pela primeira vez, uma entidade representativa de classe da Polícia Militar dá razão aos autores do livro ‘‘Espírito Santo’’ e dizem que eles têm razão ao apontar a existência de uma ‘‘corrente criminosa’’ dentro da Polícia Militar do Espírito Santo.
Quem dá razão é o presidente do Conselho Permanente da Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Constitucionais dos Policiais e Bombeiros Militares do Espírito Santo (Adhucop), major Késio Freitas.
Em entrevista exclusiva ao Blog do Elimar, major Késio diz que o ex-secretário da Segurança, o agora deputado estadual Rodney Miranda, e o juiz Carlos Eduardo Lemos Ribeiro, têm razão em apontar no livro a existência do crime organizado na corporação.
O livro causou polêmica e fez com que o Alto Comando da PM rompesse com Rodney no final de 2009, numa decisão que contou com o apoio de todas as entidades de classe da PM, inclusive a Adhucop. O Alto Comando rompeu com Rodney porque no livro ele diz que a PM representava um atraso.
No livro, Rodney Miranda escreve que policiais militares – inclusive um oficial, que ele citou com nome fictício – teriam tentado prejudicar o início das investigações do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido em março de 2003, em Vila Velha.
Nesta entrevista, major Késio faz um apelo para que o atual secretário da Segurança, Henrique Herkenhoff, mande também para o Conselho de Justificação da PM outros oficiais acusados de crimes.
O apelo do major Késio foi feito no momento em que ele disse considerar uma ‘‘perseguição por parte de um grupo de coronéis’’ da PM ao coronel Julio Cezar Costa, que foi afastado de suas funções na PM e terá que ser submetido ao Conselho de Justificação por ordem do secretário Herkenhoff.
Julio Cezar estaria indo para o Conselho por ter falado a palavra ‘‘merda’’ durante uma ordem dada a um capitão do Ciodes, quando um amigo dele (do coronel) estava sendo abordado por policiais militares numa ocorrência de trânsito, em julho de 2010.
O coronel determinou, por estar de serviço naquela hora, que o capitão do Ciodes enviasse um oficial ao local da ocorrência. O diálogo de Julio Cezar com o capitão foi gravado pelo Ciodes e, posteriormente, vazado anonimamente para a imprensa.
O caso parecia encerrado após a reunião do Conselho Superior do Ministério Público Estadual, realizada em 12 de janeiro de 2011, quando a procuradora de Justiça Andréa Rocha inocentou o coronel Julio Cezar, sendo acompanhada à unanimidade pelos demais membros do Conselho.
Em entrevista à Rádio CBN, no dia 13 de janeiro, a procuradora Andréa Rocha afirmou que o coronel foi deselegante, mas crime ele não cometeu e que a palavra por ele utilizada na ligação que deu ao Ciodes faz parte do jargão militar.
Com o ato do secretário Herkenhoff, publicado no Diário Oficial em 2 de fevereiro último, a crise explodiu dentro da PMES criando um verdadeiro barril de pólvora, visto o descontentamento com o ato que para muitos é injusto para quem tem uma carreira sem punições como o coronel Julio Cezar.
Abaixo, a entrevista dada pelo major Késio.
DENÚNCIAS
Pelo que tomamos conhecimento, outros oficiais cometem crimes muito mais graves e nenhuma providência está sendo tomada por parte do Comando Geral. Chegam ao nosso conhecimento, na Adhucop, denúncias de que oficiais seriam donos de empresas clandestinas de segurança e que haveria exploração de agiotagem, jogo do bicho e abusos sexuais dentro dos quartéis.
Crimes nos quartéis
Ficamos sabendo que há oficiais que já teriam praticado relação sexual com policiais femininos dentro de unidades militares. Há coronéis que estariam praticando agiotagem (empresando dinheiro a juros) dentro de batalhões. Temos informações de que cambistas vão a um determinado batalhão do interior fazer jogo do bicho. Há casos em que oficiais estariam abastecendo carros particulares com gasolina da PM. Queremos saber se esses crimes serão punidos com o mesmo rigor com que o coronel Julio Cezar está sendo punido?
PUNIÇÃO
Quero dizer com isso que, se o coronel Julio cometeu algum crime, ele teria que ser submetido ao Conselho de Justificação. Os outros, que também cometem delitos, deveriam ter o mesmo tratamento.
PERSEGUIÇÃO
Acredito que o coronel Julio Cezar está sendo perseguido por outros coronéis por conta de seu excelente trabalho na corporação. Ele criou a Polícia Interativa e a Instrução Modular – programas através do quais policiais de rua recebem treinamento. Quando foi para a DAL (Diretoria de Apoio Logística), o coronel passou a realizar licitações com transparência, recuperou a frota de veículos e batalhões. Acredito que as atitudes do coronel Julio Cezar mexeram com interesses de muita gente que estava comendo o que não poderia comer.
LIVRO ESPÍRITO SANTO
Na época do lançamento do livro, eu não tinha essa visão de crime organizado na PM. Rodney Miranda e o juiz Carlos Eduardo tiveram essa visão. Agora, revendo o livro, concluo que eles (Rodney e Carlos Eduardo) têm razão. Essa corrente criminosa se sentiu prejudicada pelo trabalho do coronel Julio Cezar, que denunciou as irregularidades cometidas por eles ao Ministério Público Estadual. Eles se organizaram para prejudicar o Julio Cezar.
ENGANADO
Creio que o secretário Henrique Herkenhoff esteja sendo enganado pelos adversários do coronel Julio Cezar dentro da corporação. A lei permite que o próprio comandante geral abra um Conselho de Justificação. Porém, se a ordem para que o coronel Julio Cezar seja submetido ao Conselho de Justificação veio de fora para dentro, é porque a coisa aqui dentro está realmente feia.
GENTE DO BEM
A maioria do efetivo da nossa PMES – praças e oficiais – é formada por gente de bem. Mas uma pequena minoria que sai dos trilhos acaba contaminando o grupo e prejudicando o trabalho da segurança pública.
MINISTÉRIO PÚBLICO
Alguns coronéis tentaram desmoralizar a doutora Karla (Karla Sandoval, promotora de Justiça da Auditoria Militar), mas ela é competente e age dentro da lei. A Adhucop acredita no Ministério Público.
ADHUCOP
Devo esclarecer que estou falando em nome da Adhucop porque o presidente da Associação é o sargento Leal, que é uma praça. Se ele (Leal) falar, os coronéis cortam – no sentido figurado, que significa punir com prisão ou até expulsão – a cabeça dele.