Em artigo publicado no jornal A Gazeta desta sexta-feira (09/08), o Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, padre Kelder José Brandão Figueira, continua abordando o terma “Meu Cristo traficante”, agora em sua parte IV.
Desta vez, o padre afirma que por trás dos traficantes “existem seres humanos que precisam ser ouvidos, compreendidos e respeitados”. Apesar de traficantes serem autores de milhares de assassinatos Brasil afora, para Kelder “existem valores cristãos na relação das comunidades com os traficantes”.
Padre Kelder tenta, no artigo, tratar com glamour a vida bandida de traficantes, sobretudo os do Complexo da Penha, onde reside o padre, que são responsáveis por grande parte dos assassinatos que ocorrem na Grande Vitória.
Padre Kelder inicia o artigo informando que, quando foi anunciada a criação da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, localizada no Complexo do Bairro da Penha, ele chegou a ser interpelado por várias pessoas, “dizendo que eu era doido de trabalhar nos morros de São Benedito e do Bairro da Penha, onde o tráfico é intenso. Algumas pessoas chegavam a dizer que para subir nos morros tinha que pagar pedágio”.
Em um trecho do artigo, o padre compara as taxas de pedágios pagos por motoristas em rodovias federais e estaduais e na Terceira Ponte, ao exigido por traficantes.
“Eu respondia que o tráfico é onipresente, está em toda parte e que não via diferença alguma entre os pedágios para subir nos morros e os cobrados para atravessar a Terceira Ponte, a Rodovia do Sol ou a BR 101. E é exatamente o que problematizo neste quarto artigo, que compõe uma série, em que narro a descoberta de valores cristãos na relação com os traficantes”.
Padre Kelder relata que reside em Itararé, um dos bairros que compõem o Complexo do Bairro da Penha, há dois anos. Diz que, subindo e descendo os morros diariamente, nunca lhe foi cobrado pedágio “como me exigem quando passo pela Terceira Ponte, Rodovia do Sol e BR 101”.
“Logo que cheguei à Paróquia fui informado do baile funk que acontecia na quadra do Secri (projeto social da paróquia), em São Benedito. As informações eram de que a quadra tinha sido tomada pelo tráfico e que durante o baile havia a comercialização e consumo de muita droga, além de sexo e violência”, escreve Padre Kelder.
Em seguida, padre Kelder relata como foi seu contato com o chefão do tráfico do morro, a quem ele chama de um jovem simpático e atencioso e um preocupado pai de família:
“Fui conversar com o organizador do evento, sendo recebido por um jovem simpático e atencioso diante minhas ponderações. Ele é conhecido como o dono do morro. Todos falam dele com reverência e temor, inclusive o padre. Ele confirmou tudo o que eu relatei e disse que o que eu queria, ele também desejava para a comunidade. Disse ajudar no que pode e que as pessoas estavam sendo injustas em reclamar, porque quando precisam, ele está sempre pronto a ajudar, o que é uma verdade”.
Para o padre Kelder, o traficante disse que os jovens dos morros têm direito ao lazer e “esclareceu que, ao final dos bailes, organizavam (os bandidos) o local, deixando do mesma forma que encontravam”.
O padre Kelder, então, emenda no artigo: “Não via um traficante falando, mas um líder preocupado com os seus subordinados”.
Por fim, detalha Kelder, o traficante disse que “tinha respeito pelas coisas de Deus e das Igrejas, e que nós não podíamos reclamar, pois as atividades religiosas eram respeitadas por eles (traficates). Contou que tinha duas filhas e não queria que elas tivessem a mesma vida dele. Novamente, não via ali um traficante, mas um pai de família, que teme a Deus e respeita o Sagrado”.
Padre Kelder concluiu o artigo: “Naquela tarde, aquele jovem pai me ensinou que temos muito que aprender sobre as periferias. Aprendi que, para além da demonização do tráfico, apontado como responsável pelas mazelas dos pobres, existem seres humanos que precisam ser ouvidos, compreendidos e respeitados. Aquele jovem pai traficante me ensinou que se houvessem políticas públicas adequadas nos morros, muitos problemas seriam evitados”.