O Tribunal de Justiça do Espírito Santo tomou uma decisão na tarde desta quarta-feira (16/02) que poderá abrir precedentes e provocar polêmica nos meios jurídico e policial.
A primeira Câmara Criminal decidiu acatar o recurso da defesa e anulou a condenação de cinco anos e três meses de reclusão a que foi condenado, por tráfico, um jovem residente em Jacaraípe, na Serra. O que poderá provocar reações é o fato de o rapaz ter sido preso com 243 gramas de maconha.
A prisão, efetuada pela Polícia Militar, ocorreu no dia 19 de setembro de 2003. Segundo o processo, o rapaz foi abordado por policiais militares, que encontraram dois tabletes de maconha – cada um pesando 50 gramas – dentro de seu carro.
Na sequência da abordagem, os PMs se deslocaram até a casa do rapaz, que fica numa fazenda da região, e encontraram mais 143 gramas de maconha e duas armas: uma espingarda, de propriedade do caseiro da fazenda, e uma carabina, do rapaz dono da droga. Também apreenderam cerca de R$ 600,00 em dinheiro.
Julgado em primeira instância pela 5ª Vara Criminal da Serra, o rapaz foi condenado por tráfico, pegando cinco anos e três meses em regime semiaberto e mais 225 dias/multa.
A Justiça, acatando denúncia do Ministério Público, entendeu que o rapaz seria traficante. A defesa recorreu e nesta quarta-feira o recurso foi julgado pelo Tribunal de Justiça.
O advogado do rapaz, Homero Mafra – que é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Espírito Santo –, fez na reunião da Primeira Câmara a defesa oral de seu cliente. Sustentou que o rapaz seria usuário de drogas:
‘‘Ele foi preso com uma pequena quantidade, o que comprova sua condição de usuário. Também conseguimos provar que ele é dependente, tanto que já vinha fazendo tratamento médico para se livrar do vício. Há no Brasil um preconceito quando o assunto é droga…Qualquer denúncia de tráfico corresponde a uma condenação. Basta que haja denúncia; não precisa de prova. Quando um acusado de tráfico é absolvido no Brasil, se toma o juiz como cúmplice. Há um mal neste País, inclusive por parte da imprensa, que é tomar a versão do Ministério Público como verdade absoluta’’, disse Homero Mafra.
‘‘Não há prova neste processo que conduza para a sentença que foi dada. Por isso, espero que a sentença condenatória seja reformada’’, concluiu Homero Mafra.
O relator do recurso da apelação criminal, desembargador Alemmer Moulin, iniciou, então, o seu voto. Disse que não ficou comprovado nos autos que a droga apreendida com o rapaz era usada para comercialização. ‘‘As provas são frágeis’’, sustentou o desembargador.
Alemmer Moulin lembrou que, em seu depoimento, o rapaz confessou que era usuário de droga e que consumia, mensalmente, ‘‘de 100 a 120 gramas de maconha, pelo qual pagava até R$ 120,00’’.
Ainda segundo o desembargador, durante a fase processual, foram realizados exames psiquiátricos no rapaz que teriam comprovado que ele era dependente químico.
‘‘Além disso, os policiais militares que efetuaram a sua prisão declararam apenas ter encontrado a droga; em momento apontam ligação do acusado com o tráfico’’, frisou Alemmer Moulin.
‘‘Portanto, a versão apresentada pelo Ministério Público não logrou êxito de envolvimento do acusado com o tráfico de drogas’’, declarou o desembargador.
Posteriormente, Alemmer Moulin deu outro parecer favorável ao pedido da defesa, que foi o de considerar extinta a punibilidade da acusação de uso de drogas.
Uma vez inocentado pelo Tribunal de Justiça por tráfico, o rapaz, que confessou ser viciado em maconha, teria que ser, então, condenado por uso de droga. Mas, como a pena prescreveu – passou de cinco anos desde sua prisão, em 2003 –, ele fica livre de vez de uma condenação.
Pela condenação de uso, o rapaz pegaria pena alternativa. Ele respondia o processo em liberdade, pois havia conseguido habeas corpus na Justiça.
Um policial militar, que é estudante de Direito e acompanhava a audiência desta quarta-feira da Primeira Câmara Criminal, disse entender que se os 243 gramas de maconha apreendidos com o rapaz estivessem fracionados em buchas, ele (acusado) seria considerado um vendedor (traficante) de drogas.
‘‘Mas, como a maconha estava em tabletes, fica mais fácil para a defesa provar que se trata de um usuário, que comprava maconha para consumo próprio’’, avaliou o policial.