O massacre de Manaus, em que 56 presidiários foram assassinados por facções rivais dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, mexeu com todo o sistema prisional brasileiro, deixando as autoridades em estado de alerta. No Espírito Santo, apesar de o secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, André de Albuquerque Garcia, ter declarado recentemente que seus “serviços de Inteligência jamais confirmaram a presença de facções criminosas” nas cadeias, um trabalho em conjunto da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar, Setor de Inteligência da Secretaria de Justiça (Sejus) e do Ministério Público Estadual foi responsável pela garantia da manutenção da ordem no sistema prisional, depois da descoberta de grupos agindo dentro e fora dos presídios.
Depois do massacre no Amazonas, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, chegou na noite de segunda-feira (02/01) em Manaus para conversar com as autoridades do Estado sobre a situação dos presídios e a disputa entre as facções Família do Norte e PCC – responsável pela morte de 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim. Além de afirmar que a questão prisional é de “absoluta prioridade” para o governo federal, Alexandre de Moraes anunciou a criação de Núcleos Permanentes de Inteligência nos estados como ferramenta a ser criada para enfrentar o crime organizado.
No entanto, desconhece o ministro que estados que já vivenciaram crises semelhantes à que hoje atingem o sistema prisional do Amazonas, Maranhão e outros estados da Região Norte do País, conseguiram reduzir problemas como as fugas constantes, as mortes de detentos e brigas entre facções criminosas.
Um desses estados é o Espírito Santo. Alvo de um pedido de intervenção federal feito pelo CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), o Espírito Santo vivia situações como presos alojados dentro de containers, mortes constantes de presidiários e brigas entre grupos rivais.
Entre 2005 e 2007, a crise estourou no Estado, com bandidos que chefiavam os presídios capixabas ordenando incêndios a ônibus. Os criminosos eram – e muitos ainda são – ligados o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupo que nasceu em São Paulo. Em 2007, ápice da crise no sistema prisional, ocorreram 14 execuções de detentos dentro das cadeias capixabas.
Para resolver a crise, o Estado aumentou o número de vagas nos presídios e apostou na capacitação dos profissionais que trabalham nos sistema, endurecimento das punições aos servidores públicos envolvidos em crimes e no trabalho de Inteligência de desarticulação dos grupos rivais, numa parceria da Dint, Inteligência da Sejus e o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
O governador Paulo Hartung, no seu segundo mandado, investiu pesado no sistema prisional. Investimento que teve sequência com o governo Renato Casagrande, entre 2011 e 2014. Devido à crise financeira, o Estado abortou o plano de construir novos presídios a partir de 2015. Entretanto, a situação hoje do sistema é a seguinte, segundo dados do Ministério da Justiça: o Espírito Santo possui 37 estabelecimentos prisionais, que oferecem 13.673 vagas. Há, porém, no sistema 19.444 presos, um déficit de 5.771 vagas. As cadeias capixabas são consideradas de médio porte.
O hoje secretário da Segurança Pública, André Garcia, foi também secretário de Justiça, Pasta responsável pela administração dos presídios capixabas. Atuou na Sejus em 2012, quando o Setor de Inteligência da Pasta produzia relatórios diários sobre a situação nos presídios.
A partir de 2005 e também em 2012, vários líderes de facções criminosas foram isolados. Alguns, transferidos para presídios federais em outros estados. Desde aquela época, a Sejus já realizava um trabalho de inteligência e monitoramento dos detentos mais perigosos.
A Sejus não perde o foco. Tanto que lideranças do sistema prisional, que retornaram ao Estado depois de passar um período em presídios federais, estão em cadeia de segurança máxima no Espírito Santo. Em celas que cabem quatro apenados, a Sejus permite somente a presença de dois, o que facilita um maior controle nos procedimentos e monitoramento dessas lideranças.
A ligação de bandidos capixabas ao PCC já é do conhecimento das autoridades há pelo menos 10 anos. Em 2006, a Inteligência da Sejus detectou no sistema prisional capixaba um “salve” do Primeiro Comando da Capital escrito por presos do Espírito Santo direcionado a presidiários em São Paulo. Nesse “salve”, os capixabas relatavam sobre a situação da facção no Estado.
Todo o trabalho de investigação e monitoramento não parou. Tanto que, entre 2008 a 2013, a Diretoria de Inteligência da PM fez acompanhamento de detentos do sistema prisional. Foi descoberto que, de dentro da cadeia, essas lideranças estariam estimulando a expansão da facção PCC no Espírito Santo.
Ao mesmo tempo, a Dint uma grande movimentação do tráfico de drogas em morros de Vitória, cujos pontos de vendas eram controlados pelo PCC. Todas essas informações foram enviadas às autoridades do sistema de Justiça e para a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social.
Em outras investigações, a Dint, em apoio ao Gaeco, detectou a presença de uma advogada do Rio de Janeiro, contratada pelo PCC para defender os interesses da facção criminosa no Espírito Santo. Era essa advogada que, com a desculpa de visitar clientes presos no sistema prisional capixaba, trazia e levava informações para os chefões do PCC.