Roberto Luiz Avelino Pereira Filho é um sobrevivente. E quem tem a oportunidade de conversar com um sobrevivente acaba se tornando uma testemunha. Em março de 2017, Avelino ficou entre a vida e a morte após ser atingido por um tiro enquanto procurava pelos autores de um latrocínio ocorrido na praia de Manguinhos, na Serra. No mês de homenagem ao Investigador de Polícia, o Departamento de Comunicação do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol/ES) testemunhou os relatos de uma trajetória profissional incrível, dando a devida importância em ouvir a história de quem se dedica há 38 anos exclusivamente à Polícia Civil capixaba.
Sindipol – Quando você ingressou na Polícia Civil?
Roberto Avelino – Eu fiz concurso para a Polícia Civil no ano de 1980. Fiz esse concurso mais por um desejo, um sonho do meu falecido pai, Dr. Roberto Avelino, que foi delegado de Polícia. Era o sonho dele me ver na Polícia Civil. Em 1982 eu fui nomeado, tomando posse no dia 27 de julho do mesmo ano, onde fui lotado na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos para trabalhar com o titular da época, o delegado Dr. Fernando Faustini.
– Em quais delegacias você já trabalhou?
– Eu já trabalhei na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), Delegacia de Costumes e Diversões (Decodi), Delegacia de Defraudações (Defa), também trabalhei na Delegacia de Linhares e, ainda, na Delegacia de Guarapari, onde acompanhei com muito prazer a equipe do delegado Dr. Aloyr do Santos por mais de 10 anos. Desses 38 anos como Investigador, 27 deles foram entre a Delegacia Patrimonial e a Delegacia de Roubo a Banco.
– Quais eram as maiores dificuldades encontradas no dia a dia policial no passado? E hoje?
– No passado, a Polícia não tinha nada! Nada! Para se ter um exemplo, eu entrei na polícia e durante um mês eu trabalhei sem arma. Depois desse tempo, me deram um par de algemas novas, mas a arma era um revólver calibre 32, velho, dessas armas apreendidas. O cano dele estava gasto de tanto disparo que já havia sido feito. Chegando em casa, fui fazer um teste para ver se funcionava, e para minha surpresa, não estava funcionando. A polícia também não tinha acesso a nenhuma ferramenta de inteligência. Não existiam condições de fazer consulta nenhuma. As investigações eram feitas praticamente baseadas em informantes.
Nos dias atuais deu uma melhorada. Não é o ideal, ainda está longe do esperado. Mas agora, nós temos acesso ao Detran, ao Infopen (sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro), ao setor de carteira de identidade para fazer consultas e levantamentos. É preciso melhorar muito em outros aspectos. Hoje, eu acredito que umas das maiores dificuldades está no efetivo. O efetivo está muito reduzido. Para se ter uma ideia, eu estou lotado na Delegacia Patrimonial, e são apenas dois policiais para fazer as investigações de cada município da Grande Vitória. Uma dupla para Vitória, uma dupla para Vila Velha, uma dupla para Cariacica, uma dupla para Serra e por aí vai. Outro grande problema que prejudica a Polícia Civil são as leis que acabam travando o trabalho policial. Eu acredito que as leis deveriam ser modificadas em prol da sociedade e para dar segurança para os policiais trabalharem.
– Segunda-feira, 20 de março de 2017: o que você lembra sobre esse dia?
– Foi o pior dia minha vida como profissional da Polícia Civil. Eu estava participando de uma investigação junto com o meu colega Agente de Polícia Civil “Hipólito”, no bairro Novo Horizonte, na Serra, tentando identificar os elementos que haviam participado do latrocínio de um turista baiano, que passava férias na praia de Manguinhos.
Dez dias após o crime, durante investigação, ao entrarmos com uma viatura descaracterizada na rua Rouxinol, avistamos quatro elementos em atitude suspeita e já fomos recebidos a tiros. Eu estava no banco do carona e, quando fui abrir a porta para sair, veio um disparo que atravessou o para-brisa do veículo e atingiu minha axila esquerda, perfurando o meu pulmão, fígado, diafragma e cortou o meu coração em sete centímetros. Mesmo baleado, ainda consegui reagir e acertei um dos bandidos. Só depois disso que eu fui sentir que havia sido atingido (Saiba mais).
Em seguida, o Hipólito me colocou na viatura e me levou até o Hospital Jayme Santos Neves. Eu cheguei até a equipe médica do setor de emergência dado como morto. Foi quando o Dr. Ricardo resolveu realizar o que ele chamou de “último recurso”: abriu o meu peito, introduziu o braço por esse corte e massageou o meu coração com a própria mão. Deus iluminou esse médico e eu sobrevivi. Não tem outra explicação. Graças a Deus estou vivo e sem sequelas. Retornei ao trabalho cinco meses após a cirurgia. Voltei ao local onde fui alvejado para tentar lembrar de alguma coisa, mas não consegui lembrar de nada. O que eu sei são os relatos do meu amigo Hipólito e da equipe médica que me socorreu.
– Como você gostaria de ver a Polícia Civil em um futuro próximo?
– Todos nós, policiais civis, que amamos tanto nossa Polícia, gostaríamos de ver a Instituição com todos os recursos do mundo, com viaturas novas, armas boas, com um efetivo bem maior do que o atual, para realizar um trabalho que a nossa sociedade merece. É primordial a recomposição do efetivo. É uma das carências mais urgentes da Polícia Civil. Precisamos ainda de mais viaturas, de um número maior de coletes. Também é importante, na atualidade, que nós possamos caminhar lado a lado com as novas tecnologias. Não podemos ficar para trás diante dos novos recursos tecnológicos, para uma boa e eficiente prestação de serviço ao povo capixaba.
– Fique a vontade para seus agradecimentos.
– Primeiramente, eu quero agradecer a Deus. Sem Ele, nós não somos nada. Se eu estou vivo aqui, hoje, só tem uma justificativa: Deus. Agradeço também a todos os meus familiares, meus amigos, meus colegas policiais civis, militares, federais e da Polícia Rodoviária Federal, por todos que foram doar sangue quando precisei. Enfim, todas as pessoas que de uma forma ou de outra colaboram com o meu trabalho nesses 38 anos. Todos vocês têm a minha gratidão eterna.
(Fonte: Portal do Sindipol/ES)