O presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (Sindelpo), delegado Rodolfo Laterza, acaba de publicar artigo no site da entidade em que recomenda aos delegados capixabas cautela em relação à Portaria número 064-R, que regulamenta a apreensão de materiais, instrumentos e armas pertencentes à Polícia Militar provenientes de crime militar cometido por policiais militares no exercício de suas atividades e determina que cabe à Polícia Militar a prerrogativa de investigar crimes de natureza militar.
“Algo que é inconstitucional, não se cumpre. Cada delegado tem liberdade de convicção no exercício de seus atos funcionais, principalmente no juízo de tipicidade. Então, caso considere pertinente instaurar inquérito para apurar crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, deverá fazê-lo, pois não há qualquer impedimento legal neste sentido. Ao contrário, segue uma diretriz da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Esta portaria do governo é uma aberração jurídica”, disse o presidente do Sindelpo, Rodolfo Laterza, depois que o Blog do Elimar Côrtes informou, em primeira mão, a portaria publicada no Diário Oficial do Estado desta quarta-feira pelo secretário de Segurança Pública e Defesa Social, André Garcia.
Abaixo, o artigo publicado no site do Sindelpo:
RECOMENDAÇÃO À CATEGORIA SOBRE A PORTARIA Nº 064-R, de 11/11/2013
“O SINDELPO recomenda à toda categoria de delegados e delegadas de polícia que tenham o máximo de cautela e rígido critério no que se refere às diretrizes elencadas na Portaria nº 064-R , fruto de “deliberação conjunta da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo – PMES e da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo – PCES e reunião realizada no dia 05 de junho de 2013 com a presença de representante da Procuradoria Geral de Justiça deste Estado”, lavrada com o fulcro de regulamentar ” as apreensões de materiais e instrumentos, em especial armas de fogo pertencentes à PMES, provenientes de crime militar cometido por MIlitar Estadual no desempenho da função”, posto que, não obstante a ressalva excepcional estabelecida na Constituição Federal quanto à apuração de crimes militares não abranger o âmbito de atribuição das Polícias Civis e Federal, o juízo soberano de tipicidade formal e material de qualquer comportamento humano compete ao Delegado de Polícia, de modo que, ao se verificar a configuração no caso concreto de indícios de crime militar, não deixe de fazer as diligências necessárias, tais como oitivas preliminares que permitam um melhor entendimento do caso e o imprescindível despacho fundamentado que motive as circunstâncias e os indícios de crime militar, remetendo tais peças de informação à Corregedoria da Polícia MIlitar, repelindo durante a apreciação do fato quaisquer pressões imediatistas ou posturas afrontosas à prerrogativa soberana de análise inaugural da ocorrência pelo Delegado de Polícia responsável.
Em que pese o posicionamento do Pretório Excelso na ADIN 1494-3, cuja ação não teve o mérito apreciado, há de se ressaltar que nas hipóteses de crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, na forma do que estatui a Lei 9299/96, não há qualquer óbice ou impedimento legal expresso para a condução de investigação presidida por Delegado de Polícia investido em suas atribuições, bem como não existem entendimentos jurisprudenciais pacíficos quanto ao entendimento de que atribui-se ao órgão de controle interno da Polícia mIlitar a prerrogativa de apuração em tais casos.
Vale ressaltar que esta espécie administrativa normativa – portaria – não suplanta a hierarquia própria do sistema legislativo constitucional, jamais se sobrepondo ao que preceitua o Código de Processo Penal, notadamente quanto às providências obrigatórias normatizadas no artigo 6º do Código de Processo Penal, fundamentalmente no que tange à obrigatoriedade de apreender instrumentos e objetos relacionados à infração penal, inclusive aquelas tipificadas no âmbito do artigo 9º do Código penal Militar, sendo posteriormente remetidas à jurisdição castrense e à Corregedoria da Polícia Militar, caso o juízo de valor do Delegado de Plícia verifique tratar-se de crime militar em sua ontologia. Tal não é o que se afigura nos casos previstos na órbita da Lei 9299/96, haja vista que o Delegado de Polícia pode e deverá instaurar se assim considerar quanto aos seus elementos de convicção inquérito policial para apurar crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil.
Ademais, frisamos que nos casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militar fora de serviço a atribuição para apuração é da Polícia Civil no âmbito de sua atividade de polícia judiciária, sequer cogitando-se a aplicação do Código de Processo Penal Militar em tal hipótese, conforme pacífico entendimento dos tribunais superiores.
Outrossim, ressaltamos erro material na edição de tal Portaria, uma vez que em um dos trechos de sua exposição relaciona que “em relação aos ‘crimes dolosos contra a vida, praticados por civis (sic), a apuração de tais casos se encontra legalmente prevista para ser procedida por meio de Inquérito Policial Militar, nos termos do caput e parágrafo 2º do artigo 82 do CPPM”, o que não se coaduna com o sistema processual penal, por óbvio, uma vez que tal fundamentação refere-se aos crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil na forma da Lei 9299/96.
Aproveitamos o ensejo para manifestar que a categoria de delegados de polícia tem atenção total aos postulados do Estado de Direito e da sistemática processual vigente em nosso ordenamento jurídico-constitucional. Justamente com base neste posicionamento e na preocupação oficial de se atender tão estritamente às normas do CPPM, o SINDELPO reforça a toda categoria a imperiosidade de observância estrita do pacto pela legalidade já exarado e difundido, notadamente no que tange ao cumprimento ilegal de mandados de busca e apreensão desatrelados de qualquer procedimento investigatório instaurado por Delegado de Polícia nas infrações penais comuns por instituições sem atribuição de atividade investigatória, uma vez que se traduz em graves ilícitos penais, devidamente elencados em nosso documento, com a adicional ressalva que não aceitará represálias de qualquer modalidade contra delegados de polícia que busquem seguir o primado da lei no exercício de suas atribuições, adotando providências (como atualmente está fazendo) para coibir ações institucionais abusivas que afrontam a legalidade.
Esta portaria contradiz toda uma diretriz nacionalmente firmada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e cria uma situação de exceção em nosso Estado, lamentavelmente ainda alheio às ações procedimentais verificadas em outros Estados, tal como no emblemático caso do homicídio praticado em unidade militar contra o pedreiro Amarildo de Souza, fato ocorrido no município do Rio de Janeiro recentemente, tal como ostensivamente noticiado em cadeia nacional.
Por derradeiro, com veemência criticamos a falta de diálogo com a categoria de delegados de polícia nas deliberações realizadas que culminaram na edição desta açodada e extemporânea regulamentação , desde já informando que o SINDELPO buscará junto aos tribunais um posicionamento condizente com a Constituição Federal e com as Convenções Internacionais em que o Brasil é signatário sobre esta polêmica questão como meio de obtermos maior segurança jurídica em tais casos.”