A sessão virtual da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), do dia 28 de setembro de 2020, virou caso de polícia. Convidado pelo presidente da Comissão, deputado Delegado Danilo Bahiense, para se manifestar a respeito de uma agressão sofrida por sua filha, o microempresário Odorico Donizeth Coelho, 52 anos, atacou autoridades e instituições. Depois, ele registrou Boletim de Ocorrência contra o deputado Delegado Lorenzo Pazolini, a quem acusou de tê-lo chamado de “doente mental”.
Pazolini, que é candidato a prefeito de Vitória pelo Republicanos, foi chefe da Delegacia da Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) até ser eleito deputado estadual em 2018. Odorico criticou o deputado por, segundo ele, “desconhecer” a obrigação estatal em proteger as crianças e adolescentes em outras situações que não sejam os crimes pedofilia.
Odorico é pai da jovem que no dia 16 de setembro de 2018 foi agredida com um tapa no rosto por um policial militar durante discussão no trânsito. A moça, na época com 14 anos, estava no mesmo carro que o pai.
Recentemente, Odorico entrou em contato com a Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa pedindo para participar de uma das sessões como forma de cobrar da Corregedoria Geral da Polícia Militar uma solução para o caso em que sua filha foi agredida. O presidente do Colegiado, Danilo Bahiense, convidou o microempresário para a sessão do dia 28 de setembro.
De acordo com vídeo gravado da sessão e com a ata da reunião publicada no Diário Oficial do Legislativo desta quarta-feira (07/10), Odorico inicia a sua fala agradecendo o presidente da Comissão por ter lhe dado espaço para se manifestar. Logo em seguida, começa a criticar o deputado Pazolini, afirmando que o parlamentar desconhece o artigo 227 da Constituição Federal, que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)”.
Odorico diz: “Nobre deputado Pazolini, pedofilia não é o único crime contra as crianças e adolescentes. Então o senhor desconhece o art. 227. Isso é grave, porque dentre inúmeras é dever da sociedade, da família assegurar à criança e ao adolescente a não opressão, a não exploração, entendeu?”.
E prossegue: “E eu vejo que o senhor usou e eu tenho que dizer isso, e eu falo abertamente, o senhor usou a DPCA somente como trampolim político e agora, mais grave ainda, o senhor condecorou um policial bandido, um delegado bandido, chamado Diego Aleluia Barcelos. É importante que os senhores ouçam isso, nobres deputados. O Diego Aleluia Barcelos é outro exímio desconhecedor do ECA e, principalmente, da Constituição Federal. Esse delegado manteve a minha filha detida (Inaudível).”
Danilo Bahiense tenta parar o discurso de Odorico. “Por gentileza, eu gostaria só do respeito às autoridades com relação ao decoro nesta Casa, tá ok? O senhor pode se pronunciar, mas com respeito às autoridades”.
O microempresário diz mais:
“A verdade não é desrespeito. Então eu queria dizer o seguinte, entrando já no contexto: para que servem as Corregedorias? Eu pergunto aos senhores, para que serve as Corregedorias da Polícia Civil e da Polícia Militar? Para oprimir, para zombar de quem as procura. Sempre foi assim. Então, eu peço, meu tempo é bastante exíguo, que os nobres deputados desta Comissão, que eu não estou faltando com respeito nenhum, repito, quem fala a verdade não falta com o respeito. Estou falando a verdade. Ele é deputado, ele tem momentos dos mais diversificados para se manifestar em relação ao que eu disse, inclusive, ele pode até ingressar contra mim na Justiça. Mas eu queria saber dos senhores, principalmente do senhor, Danilo Bahiense, André Cunha, para que serve a Corregedoria Geral da Polícia Civil no Espírito Santo senão para proteger policial bandido? É isto que está acontecendo! Agora, me diga que eu estou faltando com o respeito à classe. Não! Tem excelentes profissionais civis vocacionados, como existem excelentes profissionais militares vocacionados, como existem excelentes deputados vocacionados. Isso é importante frisar. Agora a banda podre que existe nas Polícias precisa ser investigada por esta comissão. Então, eu faço um apelo para que vocês digam, não para o Odorico, mas para a sociedade capixaba em geral, por que as Corregedorias da Polícia Civil e da Polícia Militar são tão coniventes e benevolentes com policiais com gravíssimos desvios de conduta e déficit de caráter? Só um exemplo. Recentemente foi prendido um delegado traficando droga em Vila Velha, com dois policiais militares. Ele tem sete procedimentos na Corregedoria da Polícia Civil, dois PADs, duas investigações sumárias. Nada acontece, nada acontece com este delegado! Ou seja, tudo se pode fazer quando se tem o título de policial militar ou civil.”
Presidente da Comissão, Danilo Bahiense continua apelando, sem sucesso: “Senhor Odorico, por gentileza aí, o senhor finalizar. O senhor finalizar, por favor”.
“Tá! Então eu queria finalizar novamente agradecendo a todos desta Comissão que me cederam este espaço, mas eu não poderia deixar de falar a verdade porque a omissão, a omissão é crime. E inúmeros deputados, não estou mencionando… Com exceção de um. Inúmeros deputados estão cometendo crimes de omissão. Inúmeros promotores de Justiça no Estado do Espírito Santo estão cometendo crimes de omissão e negligência. Eu peço a esta Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado que olhe esse lado perigoso, essa vertente perigosa, essa ramificação perigosa do crime organizado no Espírito Santo, porque crime organizado não é só pensar no morro e um suposto bandido armado até os dentes. Tem muitas ramificações do crime organizado na Enseada do Suá, na Ilha do Boi, na Ilha do Frade, enfim, na Praia do Canto”.
De novo, Bahiense tenta interpelar, sem sucesso: – “Finalizar, por favor, seu Odorico”. O microempresário, então, finaliza:
“Finalizo. Então, eu peço a esta comissão que olhe com bastante cuidado e analise com bastante cuidado o documento que eu enviei para esta comissão. E que os irresponsáveis pela Corregedoria da Polícia Civil, no mínimo, sejam exonerados porque são criminosos. Obrigado.”
O presidente da Comissão de Segurança, deputado Danilo Bahiense, informa, enfim, que as manifestações do microempresário Odorico resultaram em encaminhamentos aos órgãos competentes.
Deputado Pazolini pede que acusações de microempresários sejam apuradas e diz que Odorico “necessita de atendimento psiquiátrico urgente”
O deputado Delegado Pazolini reagiu às provocações do microempresário Odorico. “Diante das gravíssimas palavras, sem zelo e sem educação” do microempresário, Pazolini pediu que a Comissão de Segurança providencie as mídias (vídeo e áudio) da sessão para que cópias sejam enviadas às Corregedorias das Polícias Civil e Militar, ao Comando-Geral da PM, ao Delegado-Geral da Polícia Civil, à Procuradoria-Geral de Justiça e à Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa para que providências sejam adotadas:
“E assim, senhor presidente, é fundamental que a Procuradoria desta Casa adote todas as providências adequadas ao caso. Ele (Odorico) vai ter a oportunidade, esse cidadão, então, vai ter oportunidade de dizer quem são essas pessoas, quem são essas autoridades, de ir a público se explicar. Mas é fundamental, senhor presidente, que tenhamos ação do comandante-geral da Polícia Militar, corregedor geral da Polícia Militar, delegado-geral da Polícia Civil, corregedor-geral da Polícia Civil, procuradora-geral de Justiça e, também, da Procuradoria desta Casa, encaminhando também uma cópia dessa gravação para o doutor Diego Aleluia Barcelos para que ele tenha oportunidade, também, de adotar as medidas que entender pertinentes ao caso”.
Pazolini diz mais: “Repudio, repilo de forma veemente, lamento, senhor presidente, que esta comissão tenha permitido a manifestação de uma pessoa absolutamente desqualificada. Fica aqui, então, a nossa sugestão para que antes das manifestações – nosso ambiente é democrático, mas deve haver o respeito – servidores desta Casa adotem providências de checagem preliminares, verificação do histórico das pessoas, da higidez mental, ou seja, se a pessoa ainda tem um pleno gozo da saúde física e mental. E, também, dos antecedentes criminais dessa pessoa. É necessário, presidente, senão vamos tornar, principalmente, nesse cenário eleitoral, em que surge de tudo, certamente, isso é reflexo de articulações eleitorais, não tenha dúvida disso. São ardilosos, são pessoas covardes e que estão se utilizando de interpor essas pessoas que não têm o pleno gozo da saúde mental, ou seja, das faculdades mentais, que estão sendo usadas para produzir esse tipo de fala. Mas esta comissão tem que estar mais atenta, senhor presidente, com todo o respeito que eu tenho a V. Ex.ª e admiração. Obrigado, presidente!”
Danilo Bahiense retoma com a palavra, afirmando que todos os requerimentos do deputado Pazolini estão sendo anotados pela Comissão de Segurança “e nós colocaremos na pauta da próxima reunião, porque nós não temos quorum, agora, para deliberar com relação aos requerimentos de V. Ex.ª. Mas estamos solidários com o colega, sabemos da capacidade de trabalho, do conhecimento jurídico que V. Ex.ª tem. Atuamos durante muitos anos juntos, eu estou obviamente há mais tempo que V. Ex.ª na Polícia Civil, pouco mais de trinta anos, trinta e três anos de serviço, mas estamos aí solidários a V. Ex.ª e colocaremos na pauta da próxima reunião as vossas reivindicações.”
O Blog do Elimar Côrtes teve acesso a uma parte do vídeo da sessão, que se encerra com a fala acima do deputado Danilo Bahiense. Entretanto, a ata da sessão, que está no Diário Oficial do Legislativo desta quarta-feira, traz mais informações, como a finalização da manifestação do deputado Lorenzo Pazolini, em que ele diz que é necessário o encaminhamento de ofício à Secretaria de Estado da Saúde para garantir atendimento psiquiátrico a o microempresário Odorico Donizeth Coelho:
“Mais uma sugestão também, pela ordem! Eu me esqueci para que seja garantido, senhor presidente, solicitar para que nós oficiemos à Secretaria de Saúde, solicitando que seja garantido o atendimento psiquiátrico ao cidadão. Ele necessita de atendimento psiquiátrico urgente. E à Secretaria de Saúde, para disponibilizar um médico, um atendimento psiquiátrico para que ele possa receber o devido atendimento. Eu me preocupo com a vida desse cidadão, com o bem-estar, para que ele tem uma saúde mental plena, hígida, até porque ele tem familiares que podem sofrer com as consequências da sua insanidade mental. Então, presidente, eu queria solicitar, também, que seja oficiado à Secretaria de Saúde e à Defensoria Pública também do Espírito Santo, para que seja garantido o atendimento psiquiátrico, de forma urgente e necessária a esse cidadão. Obrigado presidente!”
Danilo Bahiense, então, encerra a polêmica sessão da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado que, pela primeira vez em sua história, virou caso de polícia.
Odorico registou Boletim de Ocorrência
O microempresário Odorico atacou autoridades com palavras e acusações. No entanto, não gostou do que ouviu. Tanto que no dia 01 de outubro, três dias depois da sessão virtual da Comissão de Segurança, ele registrou ocorrência, por meio da internet, na Delegacia da Praia do Canto.
O relato de Odorico encontra-se no Boletim Unificado número 43308581 em que ele descreve ter sido agredido verbalmente pelo deputado Delegado Pazolini. O relato de Odorico segue abaixo na íntegra.
“O TEXTO ABAIXO FOI INSERIDO, NA INTEGRA, PELO PRÓPRIO COMUNICANTE ATRAVÉS DA INTERNET. EM 28/09/2020 A PARTIR DAS 11HS PARTICIPEI NA “CONDIÇÃO ÚNICA” DE CIDADÃO DA REUNIÃO DA COMISSÃO DE SEGURANÇA E COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NO ES ATENDENDO UM CONVITE DO DEPUTADO DELEGADO DANILO BAHIENSE. AO FALAR QUE EM MEU ENTENDIMENTO O DELEGADO DIEGO (ele erra o nome, que é Lorenzo) PAZOLINI SEQUER CONHECIA O ART. 227 DA CF, POIS SÓ ENTENDIA COMO CRIME CONTRA A CRIANÇA E ADOLESCENTE A PEDOFILIA, POIS QUANDO TITULAR DA DPCA NÃO TOMOU NENHUMA ATITUDE QUANDO MINHA FILHA MENOR FOI AGREDIDA POR UM PM. E, MUITO MENOS TOMOU PROVIDENCIAS CIENTE QUE A MENOR FICOU DETIDA NO DPJ POR MAIS DE 10H SENDO INTIMIDADA, SEM ACESSO A ÁGUA E SOFRENDO TODAS AS VIOLAÇÕES DE DIREITO. MESMO NA CONDIÇÃO DE DEPUTADO, FOI PROCURADO POR MIM (INÚMEROS E-MAILS FORAM ENVIADOS PARA SEUS ASSESSORES) E MESMO ASSIM FUI IGNORADO. RELATEI AINDA QUE O MESMO SIMPLESMENTE USOU A DPCA COMO TRAMPOLIM POLÍTICO. APÓS ESTA NARRATIVA, O AGORA DEPUTADO ESTADUAL, EXTREMAMENTE DESARRAZOADO REVELOU TODA SUA ARROGÂNCIA, PREPOTÊNCIA E SEU HORRENDO ÁLTER EGO. O MESMO PARECIA SER O “DONO DA ALES”. DANDO ORDENS, ME INSULTANDO, AMEAÇANDO E CLASSIFICANDO-ME DE DOENTE MENTAL. RELATANDO QUE IRIA ACIONAR TODOS OS ÓRGÃOS COMPETENTES PARA QUE EU FOSSE INVESTIGADO, ATÉ MESMO A SESP E O SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA. DISSE AINDA QUE EU ERA CONTRATADO POR ALGUM ADVERSÁRIO POLÍTICO PARA MACULAR SUA IMAGEM E ESBRAVEJOU DIZENDO QUE OS RESPONSÁVEIS PELA COMISSÃO DEVERIAM LEVANTAR A FICHA DOS CONVIDADOS PARA QUE UM “ELEMENTO” RETARDADO COMO EU, FOSSE IMPEDIDO DE PARTICIPAR. SOLICITEI AO PRESIDENTE DA COMISSÃO E OUTROS, ACESSO AO VÍDEO CONTENDO A ÍNTEGRA DA REUNIÃO E ISTO ME FOI NEGADO. A REUNIÃO DA COMISSÃO QUE SEMPRE É REPRISADA PELA TV ALES ESTRANHAMENTE NÃO FOI VEICULADA.”
Nota do Editor:
Às 12 horas desta quarta-feira, o Blog do Elimar Côrtes acionou a Assessoria de Imprensa do deputado Lorenzo Pazolini por meio do telefone do Gabinete do parlamentar e do celular da jornalista. O blog pediu uma manifestação de Pazolini a respeito do fato ocorrido na sessão da Comissão de Segurança do dia 28 de setembro de 2020 e a fala dele sobre o Boletim de Ocorrência registrado pelo microempresário Odorico. Até o momento desta postagem, no entanto, nem o deputado-candidato a prefeito de Vitória e nem sua assessora deram retorno.