O juiz Rodrigo Cardoso Freitas, da 5ª Vara Cível de Vitória, condenou a empresa Folha da Manhã S/A, responsável pelo jornal Folha de São Paulo, em uma Ação de Obrigação de Fazer e Não fazer c/c Pedido de Retratação nº 0018970-79.2020.8.08.0024, que tem como autor o senador capixaba Marcos do Val (Podemos).
Na sentença, proferida na quarta-feira (03/03), o magistrado defere o pedido de tutela provisória e, consequentemente, determina que a Folha SP remova de seu portal na internet a reportagem intitulada de “Senador engana ao usar falas antigas de Dráuzio Varella sobre pandemia”, bem como para se retratar em relação ao conteúdo e título da matéria, esclarecendo aos seus leitores que o “Senador não engana ao usar falas antigas de Dráuzio Varella sobre pandemia”, dando a tal retratação o mesmo destaque da publicação ora questionada. O juiz Rodrigo Freitas determina ainda que a Folha SP se abstenha de republicar a mesma reportagem objeto da ação ou que tenha relação com o mesmo tema.
Fundador do CATI, especialista em segurança pública e responsável por treinamento de polícias em várias partes do mundo, inclusive a SWAT norte-americana, Marcos do Val sempre foi um influenciador nas redes sociais antes mesmo de se tornar político. Por isso, ao assumir o mandato de senador, em 2019, ele iniciou campanha ferrenha contra as fake news.
Na ação contra a Folha SP, Marcos do Val salienta que publicou em suas redes sociais vídeo comparativo em que o médico Dráuzio Varella, que atua como comentarista da Rede Globo, emitiu opiniões acerca dos efeitos da pandemia causada pelo Coronavírus, de maneira a compará-los, anteriormente à chegada do vírus ao Brasil e no momento atual em que o País passou a clamar pelo distanciamento social.
No dia 14 de agosto de 2020, prossegue o senador, a Folha SP publicou reportagem em que atribui conduta “difamatória” a Marcos do Val, quando alega que “Senador engana ao usar falas antigas de Dráuzio Varella sobre pandemia”.
Ainda de acordo com a ação, a reportagem afirma ainda que o vídeo compartilhado pelo senador teria “um tom irônico”, uma vez que o próprio médico Dráuzio Varella já teria mudado opinião.
Para o senador, a Folha SP, na condição de influente veículo de imprensa, “difamou e formulou matéria jornalística vinculando” a sua imagem “a alguém que teria intenção de enganar os cidadãos por meio de um compartilhamento de um vídeo”.
O que alegou o senador Marcos do Val
(i) é Senador da República, mandatário de cargo eletivo e, por essa razão, utiliza suas redes sociais com o fim de um mandato participativo; (ii) possui destaque no cenário político atual por efusivamente combater as chamadas “Fake News”, desenvolvendo trabalhos na internet por meio de checagens de informações; (iii) a defesa da verdade para o autor é de tamanha importância que possui posição favorável a criação de uma Justiça específica para analisar e julgar os crimes de “fake news”; (iv) publicou em suas redes sociais, vídeo comparativo em que o médico Dr. Dráuzio Varella emitiu opiniões acerca dos efeitos da pandemia causada pelo Coronavírus, de maneira a compará-los, anteriormente à chegada do vírus ao Brasil e no momento atual em que o país clama pelo denominado distanciamento social; (v) ato contínuo, a requerida, no dia 14 de agosto de 2020, publicou matéria na qual atribui conduta difamatória ao autor quando alega que “Senador engana ao usar falas antigas de Drauzio Varella sobre pandemia”; (vi) a matéria afirma ainda que o vídeo compartilhado pelo autor teria ainda um tom irônico, uma vez que o próprio médico Dráuzio Varella já teria mudado opinião; (vii) o requerido na condição de influente veículo de imprensa difamou e formulou matéria jornalística vinculando a imagem do requerente a alguém que teria intenção de enganar os cidadãos por meio de um compartilhamento de um vídeo; (viii) a liberdade de expressão encontra limites na veiculação de insultos ou crimes contra a honra de terceiros; (ix) ao difamar o autor como enganador e propagador de “fake news” incorre a requerida no abuso do exercício de liberdade de expressão e via de consequência da liberdade de imprensa; (x) quem causa danos deve ser condenada o repará-los, no caso o requerente não postula mero valor em pecúnia, mas sim a retratação pública de todos os meios de veiculação que a mídia é detentora.
O que alegou a Folha SP
(i) o jornal Folha de S. Paulo, no qual a matéria questionada foi publicada, é um periódico renomado e tradicional que preza pela qualidade do conteúdo que publica; (ii) é comprometido com o jornalismo responsável e de qualidade o que marca sua trajetória; (iii) a matéria “sub judice” foi publicada após os fatos terem sido verificados pelo projeto Comprova, que concluiu que o vídeo publicado pelo autor em seu perfil no facebook tirou de contexto as falas do médico Dr. Dráuzio Varella, ressaltando que todas as informações sobre a checagem de informações estão disponíveis no site do Comprova; (iv) o Projeto Comprova reúne jornalistas de 28 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia da Covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens; (v) em 11/08/2020 o autor publicou um vídeo em seu perfil no facebook, ainda disponível para acesso, com a seguinte legenda “Não sou eu quem está falando, é o especialista, então vamos ouvir”, no qual veiculou trechos de outros dois vídeos publicados pelo médico Dráuzio Varella, em seu canal do Youtube, sobre a pandemia da Covid-19; (vi) a publicação do referido vídeo pelo autor foi alvo de verificação em razão do grande alcance aos cidadãos, como em razão da temática tratada; (vii) o vídeo compartilhado pelo autor é uma edição com trechos pinçados das duas gravações de datas distintas e referentes a fases distintas da pandemia; (viii) o primeiro vídeo, é antigo, publicado pelo médico Drauzio Varella em 30 de janeiro de 2020 quase um mês antes de o Brasil ter confirmado o primeiro caso; (ix) em março de 2020, o médico já tinha um novo vídeo com informações mais atualizadas; (x) posteriormente, em abril, o médico ainda concedeu uma entrevista a UOL em que admitiu ter subestimado a pandemia da Covid-19; (xi) desconsiderando tudo o que era noticiado pela imprensa e agindo de forma contraditória a quem diz se destacar no cenário político atual por combater as “fake news” o autor houve por bem publicar em seu perfil do “facebook” vídeo com declarações totalmente desatualizadas e que, quando de sua primeira “viralização” descontextualizada já havia sido objeto de checagem por agências especializadas; (xii) não subsiste a afirmação de que a publicação foi realizada com a intenção de comparar as opiniões dadas pelo médico, primeiro porque em momento nenhum houve essa intenção e segundo ante o tom irônico da frase “vamos respeitar as duas opiniões”; (xiii) durante a verificação do “post”, o Comprova entrou em contato tanto com a assessoria do médico, quanto a do próprio autor, o que demonstra sua diligência com a checagem; (xiv) o termo enganoso refere-se à etiqueta conferida pelo post do autor pelo Projeto comprova, esta etiqueta não imputa má-fé a quem propagou a informação, mas imprecisão ou capacidade de enganar do conteúdo objeto de análise; (xv) a requerida simplesmente exerceu seu direito de informar, não havendo que se falar em qualquer ilícito; (xvi) os pedidos autorais violam os dispositivos constitucionais por caracterizar censura prévia; (xvii) a liberdade de expressão ocupa uma posição preferencial quando comparada aos direitos de personalidade; (xviii) não há respaldo legal quanto ao pedido de direito de resposta e ainda que fosse possível, não merece ser acolhido porque o requerido sequer apresentou o texto cuja publicação pretende seja feita pela requerida.
Na sentença, o juiz Rodrigo Cardoso Freitas ressalta que “o julgamento também expôs que a liberdade de informação jornalística é sinônimo de liberdade de imprensa e, por integrar a categoria de direitos da personalidade, deve ser concretizada mediante a ponderação com outros direitos da personalidade também inseridos na Constituição (liberdade de imprensa x imagem, honra, intimidade e vida privada). Primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a “livre” e “plena” manifestação do pensamento, da criação e da informação. E, em um segundo momento, assegura-se o segundo bloco de direitos da personalidade, para o fim de assegurar o direito de resposta e assentar as responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências”.
Segundo o magistrado, “examinando o mérito propriamente dito, deseja a parte autora, resumidamente, a condenação da parte requerida a se retratar e esclarecer aos leitores que o autor não enganou o público, a remover a matéria questionada e que se abstenha de republicar ou manter a publicação que considera difamatória ou ofenda a sua honra. Na visão do autor, a matéria jornalística veiculada pela requerida intitulada de ‘Senador engana ao usar falas antigas de Dráuzio Varella sobre pandemia’ sugere que o requerente teria apresentado vídeos inverídicos ou notícias falsas, o que não ocorre na visão do autor, pois apenas postou vídeos em que o médico Dr. Drauzio Varella emitiu opiniões diferentes acerca dos efeitos da pandemia causada pelo Coronavírus, de maneira a compará-los, anteriormente à chegada do vírus ao Brasil e no momento atual em que o país clama pelo denominado distanciamento social. Considera o autor que a matéria causa difamação, por atribuir ao Senador uma imagem de ‘enganador”.
A Folha SP, por sua vez, defende que o vídeo compartilhado pelo senador Marcos do Val é uma edição com trechos das duas gravações, ocorridas em datas distintas e referentes a fases distintas da pandemia, “com declarações totalmente desatualizadas, que foi postado desconsiderando tudo o que era noticiado pela imprensa. Diz que houve a verificação da postagem seguindo o Projeto Comprova – cujo propósito é identificar e enfraquecer informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas que circulam nas mídias -, tendo o autor publicado um vídeo fora do contexto real, com informações enganosas, razão pela qual apenas exerceu o seu direito de informar. Segundo o requerido, tal palavra “enganador” corresponde à etiqueta que, por sua vez, atribui o sentido de imprecisão ou de que existe a capacidade de enganar, sem a imputação de má-fé. A parte requerida sustenta que a postagem do autor não possui propósito comparativo, mas sim irônico, tendo ocorrido após o primeiro vídeo do Dr. Dráuzio Varella ter sido retirado do Twitter, justamente por estar fora do contexto”.
Concluiu o juiz Rodrigo Cardoso Freitas: “Após examinar os referidos argumentos, entendo que o pleito autoral merece ser acolhido”. Segundo o magistrado, apesar da alegação da defesa de que os vídeos se referiam a declarações ocorridas em datas distintas, bem como que as situações são completamente diferentes no tocante a cronologia da pandemia, “resta incontroverso que os vídeos postados foram realmente produzidos pelo médico Dr Dráuzio Varella. Tal fato, na visão deste Juízo, não é suficiente para se alcançar a conclusão de que o autor teria ‘enganado’ o público em geral, ou seja, de que o mesmo fez o público acreditar em algo falso ou errado, ou que induziu o público a erro, que escondeu ou burlou a verdade ou até mesmo que o autor mentiu publicamente, conclusões estas que podem ser extraídas da interpretação do verbo utilizado pelo requerido (enganou)”.
Para o magistrado, “não houve, portanto, postagem de vídeo antigo fora do contexto da realidade da pandemia, a exemplo do que a parte requerida sustenta ter ocorrido em relação a um Ministro de Estado e a outro Senador da República. Nos referidos casos mencionados em defesa para sustentar a descontextualização da postagem feita pelo autor, foi postado em março de 2020 o vídeo produzido pelo Dr. Dráuzio Varella em janeiro do mesmo ano, sem informar que tal vídeo era anterior à gravidade da pandemia. Nas referidas situações, houve o reconhecimento de que se tratava de postagem fora do contexto. Todavia, não é a mesma situação tratada nos autos, em que os dois vídeos foram apresentados na mesma postagem, oportunidade em que a comparação seria inevitável diante das posições aparentemente antagônicas”.
O juiz Rodrigo Cardoso Freitas julgou extinto o feito com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC/15, condenando a Folha SP em custas e honorários advocatícios, que fixou em 15% do valor da causa e R$ 10 mil – ou seja, custa de R$ 1.500,00.