O Diário de Justiça do Estado do Espírito Santo publicou no dia 18 de maio deste ano a sentença proferida pelo juiz Fábio Pretti, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que condena o Estado, por culpa da Polícia Militar, a indenizar quatro policiais militares que foram humilhados perante colegas de farda e presos ilegalmente pela acusação de se apoderar de lanches que seriam distribuídos durante um curso. Cada um dos PMs deverá ser indenizado em R$ 15 mil. O fato aconteceu há 16 anos.
A Ação de Indenização por Danos Morais de número 0008689-16.2010.8.08.0024 foi proposta pelos policiais André Pedra Ribeiro, Cleida Vieira Pereira, Jaelson Amaral Ramos e Norberto Guimarães Rodrigues em face do Estado do Espírito Santo, tendo como advogada Dione De Nadai.
Segundo consta da petição inicial, os quatro PMs sofreram, em abril de 2005, a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por supostos desvios de itens alimentícios que foram adquiridos pela corporação para os alunos de um Curso de Cinotecnia no âmbito da Companhia de Operações com Cães, que era uma das subunidades do extinto Batalhão de Missões Especiais (BME).
Ao final do processo, os policiais foram punidos com penas de detenção, sendo 17 dias para André Pedra Ribeiro; 16 dias para Cleida Vieira Pereira; 17 dias para Jaelson Amaral Ramos; e 16 dias para Norberto Guimarães Rodrigues.
Contudo, diz a Inicial, após o cumprimento integral das penas pelos PMs, houve a anulação do PAD e o período de detenção foi convertido em dias de folga em dobro.
Alegam os policiais que passaram por situações constrangedoras em virtude das penas sofridas, tanto em relação aos seus colegas e superiores hierárquicos, quanto em face dos seus familiares.
De acordo com a advogada Dione De Nadai, que trabalha na ação desde que foi protocolada, “com o objetivo de suprir as necessidades alimentares dos alunos do Curso de Cinotecnia foi dada autorização ao soldado Simar Rufino Santana para que, junto à empresa Sapore – responsável pelo fornecimento da alimentação dos alunos –, fosse disponibilizado o aumento do número de marmitex. Segundo ela, seus quatro clientes e outros policiais foram acusados de estarem desviando lanches que eram destinados a todo o efetivo envolvido no curso.
De acordo com Dione De Nadai, inconformado com a acusação em si e a forma como o PAD foi direcionado, um dos acusados – o soldado Antônio Angeli – ingressou com Ação Anulatória visando à anulação do PAD-RS 02/2005 por cerceamento de defesa.
O referido processo, tombado sob o número 024.050.245.349, teve o pedido procedente ao autor, determinado a anulação do Processo Administrativo e de todos os seus efeitos. Desta feita, a punição de detenção que já tivera sido cumprida pelos autores fora revertida em dias de folga.
“Entretanto, apesar da reversão da punição em folga, resta evidente que a Administração Pública, não somente exagerou, como também errou na condução do PAD por não permitir que a defesa trabalhasse de forma efetiva e em sua totalidade diante de tamanha complexidade das acusações e do próprio processo administrativo. Temos assim que a reversão em dias de folga não descaracteriza e muito menos ameniza o dano sofrido pelos autores, diante do absurdo praticado e da forma como a Polícia Militar conduziu o processo”, pontou a advogada Dione De Nadai na Inicial.
Segundo ela, uma das autores da ação, a policial Cleida Vieira Pereira, teve que passar seu aniversário detida. “Ainda, a mesma autora, tendo em vista a punição sofrida, fora também impedida de continuar como examinadora do Detran. Podemos citar ainda as constantes humilhações sofridas pelos autores em frente de toda a sua Companhia da Polícia Militar, quando se encontra em forma, na medida em que seu superior em alto e bom tom, anunciou: ‘Vocês serão punidos para que sirvam de exemplo’. Essa humilhação perante a tropa desencadeou rumores a respeito do fato e a proliferação da ‘fofoca”, prosseguiu a advogada.
Ainda de acordo com Dione De Nadai, seus clientes sofreram diversas “chacotas” de dos colegas de profissão “não somente da Companhia onde serviam, mas de quase toda a Corporação Militar, pois, em momento algum fora guardado sigilo e/ou discrição quanto ao ocorrido, nem mesmo antes da divulgação do resultado do PAD-RS”.
Prossegue a advogada: “Humilhação também perante aos amigos. Quanto aos seus familiares, também se sentiram humilhados, pois, como explicar para o(s) filho(s) que o pai/mãe está saindo para cumprir uma pena ou não poderá se promover por ter sido acusado e considerado culpado de se locupletar da alimentação fornecida para os alunos?”
Segundo Dione De Nadai, que agora é advogada também da Associação dos Cabos e Soldados da PM e do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo (ACS/ES), os policiais ficaram impossibilitados de se promoverem enquanto perdurava o processo, “pois, conforme já salientado, os autores que antes da punição gozavam do comportamento excepcional, após a punição caíram para o comportamento ‘insuficiente’. Não obstante, conforme os seus assentamentos funcionais, ainda consta todo o sofrimento passado pelos autores registrado em suas fichas individualizadas, o que coopera para perpetuar a humilhação sofrida pelos policiais envolvidos”.
De acordo com a sentença proferida pelo juiz Fábio Pretti, o Estado do Espírito Santo apresentou contestação, alegando, em síntese, a inexistência de ato ilícito, já que a instauração do PAD se deu em decorrência do exercício regular de uma prerrogativa do agente público competente, o que afastaria a ilicitude da conduta, a teor do disposto no art. 188, I, do Código Civil.
O Estado também alegou que “a instauração do PAD, ainda que o mesmo tenha sido anulado por inobservância do devido processo legal, não implica em ilegalidade. Ora, como não houve qualquer pronunciamento jurisdicional que declarou a inexistência dos fatos imputados aos autores, a exclusão da autoria nem a sua absolvição, o PAD poderia ter sido, inclusive, reiniciado, observando-se as garantias constitucionais que o Poder Judiciário concluiu não respeitadas, não havendo qualquer ilegalidade na conduta”.
Para o magistrado, no entanto, após proceder uma detida análise dos fundamentos deduzidos e das provas carreadas aos autos, “concluo que assiste razão aos requerentes no que tange à ocorrência dos danos morais”. Segundo ele, uma das testemunhas declarou em Juízo que “entende que os autores (policiais) foram humilhados, porque foram agastados do restante dos seus companheiros; que além disso não puderam participar de um concurso de promoção para cabo”.
Outra testemunha disse que “se recorda que havia brincadeiras da tropa sobre os fatos que foram imputados aos autores no PAD; que falavam que os autores eram o pessoal do lanche”.
Por isso, finaliza o magistrado, no caso vertente, “entendo como adequado o arbitramento do valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de reparação por danos morais para cada autor, portanto, inferior aos 40 salários mínimos requeridos na petição inicial”.