A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo manteve em nove anos de reclusão as penas impostas a quatro policiais militares acusados de associação ao tráfico de drogas e corrupção passiva. Junto com uma delegada de Polícia Civil, os militares foram denunciados pelo Ministério Público Estadual por suposto envolvimento com uma organização criminosa que agia em Cariacica, sob o comando do traficante Iranilto de Souza Freitas, conhecido como Iranildo do Gama, que está preso.
Quanto à delegada Tânia Regina Brandão Nunes, também condenada em primeira instância a nove anos de prisão, a 1ª Câmara Criminal vai prosseguir o julgamento em outra sessão por conta de uma divergência entre o relator da Apelação Criminal, desembargador substituto Ewerton Schwab Pinto, e a revisora, desembargadora Catharina Novas Barcellos.
O relator absolveu a delegada pela suposta prática dos crimes de associação ao tráfico e corrupção passiva, mas a condenou a oito meses de prisão pela acusação de corrupção passiva privilegiada. A desembargadora Catharina Barcellos, no entanto, manteve as duas condenações iniciais impostas a Tânia Brandão. Por isso, o terceiro desembargador a votar, Ney Batista Coutinho, pediu vista dos autos para melhor analisar a situação da delegada.
O julgamento, ocorrido na sessão de quarta-feira (04/09), foi relativo a recursos interpostos por 10 pessoas acusadas de integrar uma organização criminosa que agia em Cariacica, desarticulada pela “Operação Moxuara”. À unanimidade, a Câmara absolveu uma ré e reconheceu a legalidade das investigações, que foram conduzidas em 2011 pelo Ministério Público Estadual e pelo Serviço Reservado de Inteligência do 7º Batalhão da Polícia Militar (Cariacica).
Em 17 de abril de 2012, segundo os autos do processo número 012111192915, o Juízo da 2ª Vara Criminal de Cariacica condenou a delegada Tânia Brandão e os policiais militares Jairo de Lírio Fernandes, Antônio Carlos Jantorno, Maycon Nascimento Ruela e Marcelo Tavares Cardoso por corrupção passiva (quatro anos de reclusão) e associação ao tráfico de drogas (cinco anos de reclusão), além da perda da função pública.
O grupo de policiais foi denunciado pelo Ministério Público por supostas ligações com o homem acusado de comandar o tráfico de drogas em bairros de Cariacica, Iranildo do Gama.
Ao apresentar seu voto, com mais de 100 laudas, o desembargador substituto Ewerton Schwab Pinto rejeitou as preliminares suscitadas pela defesa dos apelantes. Numa delas, o advogado de delegada Tânia Brandão, Adão Rosa – que já foi chefe de Polícia Civil e secretário de Estado da Segurança Pública – argumentou que as interceptações telefônicas obtidas pelo Ministério Público e pela Polícia Militar, autorizadas pela Justiça, teriam sido ilegais porque a PM não tem poder de Polícia Judiciária e que sua cliente sequer era o alvo das investigações:
“De fato a delegada não era, inicialmente, alvo de investigação, mas o Comando do 7º Batalhão encaminhou ao Ministério Público Estadual informações de que policiais militares da unidade estariam sendo investigados internamente por supostas ligações com traficantes do Morro do Gama. O MP, então, solicitou à Vara de Central de Inquéritos a quebra do sigilo telefônico dos policiais e do chefe do tráfico que estava sendo investigado. Foi aí que surgiram as conversas da delegada com o Iranilton Freitas. Todas essas conversas foram interceptadas, inclusive torpedos, com a devida autorização judicial com base no que estabelece a legislação brasileira. Portanto, as investigações têm amparo legal”, rebateu o desembargador Ewerton Schwab Pinto.
Os desembargadores chegaram a decidir sobre o destino de uma das rés. Waguiane Freitas Zeferino foi absolvida pelo Colegiado. Inicialmente, ela havia sido condenada a seis anos de reclusão (regime fechado) pela acusação de tráfico de drogas.
Para o desembargador Ewerton Schwab Pinto, os depoimentos que incriminaram Waguiane são contraditórios e inseguros: “Nos depoimentos dados em Juízo, policiais militares afirmam que viram uma moça, parecida com ela (Waguiane), jogando um pacote de drogas em um quintal vizinho ao seu. Mas nada ficou provado”.
O voto de Schwab, para absolver Waguiane, foi seguido pela revisora da apelação criminal, desembargadora Catharina Novaes Barcellos, e pelo desembargador Ney Batista Coutinho.
A divergência surgiu no recurso da delegada Tânia Brandão. O relator Ewerton Schwab Pinto entendeu que a delegada não cometeu o crime de associação ao tráfico e desclassificou a denúncia de corrupção passiva para corrupção passiva privilegiada por atender, segundo o magistrado, os pedidos do acusado de tráfico Iranildo do Gama.
“Ela (Tânia Brandão) utilizou seu dever funcional para atender pedidos de um acusado de ser chefe do tráfico. Sempre que adolescentes, que trabalhavam para Iranildo do Gama, eram apreendidos pela Polícia Militar e levados para o DPJ de Cariacica, onde a delegada estava de plantão, ela fazia o flagrante, indiciando os adolescentes por crime análogo ao tráfico de drogas, mas os soltava, entregando-os aos pais. Fez papel de juiz. Não manteve os jovens apreendidos e nem internados, como determina a lei”, salientou o desembargador-relator.
Por isso, Ewerton Schwab Pinto condenou a delegada a oito meses de detenção, fixando o regime inicial aberto para cumprimento da pena. Ao mesmo tempo, o desembargador substituto afastou a perda do cargo público, determinada anteriormente pelo Juízo de primeiro grau.
A revisora da apelação criminal, desembargadora Catharina Novas Barcellos, discordou de seu colega relator apenas na absolvição da delegada Tânia Brandão das acusações de associação ao tráfico e corrupção passiva. Ela manteve as duas penas, assim como concordou também com as penas importas aos demais acusados – manteve a íntegra da sentença aplicada aos quatro policiais militares Jairo de Lírio Fernandes, Antônio Carlos Jantorno, Maycon Nascimento Ruela e Marcelo Tavares Cardoso.
Com relação à perda da função pública, os dois desembargadores concordaram que o Juízo de primeiro grau deixou de fundamentar sua decisão. Por isso, decidiram que esta parte dos autos deve ser devolvida à 2ª Vara Criminal de Cariacica. Por causa da divergência, o desembargador Ney Coutinho pediu vista dos autos para apresentar seu voto em outra sessão.
A “Operação Moxuara” foi realizada no dia 25 de maio de 2011 pela polícia para cumprir mandados de busca e apreensão e de prisão na região conhecida como “Morro dos Gama”, em Cariacica.
Do grupo preso em 2011, a delegada Tânia Brandão é a única que aguardou em liberdade o julgamento dos recursos. Ela, inclusive, assistiu a todo o julgamento de quarta-feira ao lado do advogado Adão Rosa.