“O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – tratando-se, ou não, de matéria tributária – devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’ (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade”.
É desta forma, citando o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no precedentes (RE 200844 AgR, julgado em 25/06/2002, DJ 16-08-2002 PP-00092 EMENT VOL-02078-02 PP00234 RTJ VOL-00195-02 PP-00635)”, que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), José Carlos Rizk Filho, inicia a Ação Civil Pública que visa suspender o que ele chama de “estrago democrático”, que foi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que antecipou a eleição na Assembleia Legislativa. A Ação foi protocolada na tarde desta terça-feira (03/12) na Justiça Federal, em Vitória.
A Inicial ACP, se acolhida, anulará também a “pior consequência” da PEC, que foi o ‘golpe’ dado pelo presidente da Ales, Erick Musso, e seus principais aliados na Casa, que foi a votação relâmpago, ocorrida na última quarta-feira (28/11), que reelegeu Erick para um mandato que vai começar somente em fevereiro de 2021 e terminará em 2023.
Segundo o presidente da OAB capixaba, “o poder dos poderosos tem limite”. Para ele, antecipar uma votação em 432 dias “supera qualquer espécie de razoabilidade”.
Na segunda-feira (02/12), o deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania/PPS) também protocolou, no Tribunal de Justiça do Estado, pedido para anular a votação. No TJES, o pedido vai ter como relator o desembargador Ronaldo Gonçalves de Souza, futuro presidente da Corte.
Na inicial, a OAB descreve uma série de irregularidades cometidas pela Mesa Diretora de Assembleia Legislativa, comandada pelos deputados Erick Musso e Marcelo Santos:
“Para se ter uma ideia do estrago democrático da ausência de regras: a Mesa Diretora convocou eleições, na última segunda feira (quarta-feira), com prazo de CINCO MINUTOS para confecção de chapas. A situação escandalosa consta do VÍDEO (link abaixo3 ) da SESSÃO ORDINÁRIA de 27/11/2019 – cujo vídeo integral segue no link informado. Assim, ficou o próprio Presidente da Mesa Diretora, interessado maior na própria reeleição, no controle absoluto de prazos. No mínimo — e para se dizer o menos — se (e somente se) aquela alteração legislativa pudesse ser republicanamente tolerada, não poderia ser aplicável à legislatura em curso, mas, tão-somente, à legislatura posterior, sob pena de se retornar à repugnante prática de legislar em causa própria”.
Em coletiva de imprensa na tarde desta terça-feira, o presidente da OAB/ES reagiu: “É muito estranho uma eleição acontecer com tamanha antecipação de 432 dias. Tecnicamente não foi viável e politicamente também não”, disse José Carlos Rizk Filho.
A atitude de Erick Musso e aliados surpreendeu a própria Assembleia Legislativa e revoltou a sociedade e o governador Renato Casagrande. No sábado (30/11) à tarde, Casagrande reagiu e destituiu o deputado Enivaldo dos Anjos da liderança do governo, colocando em seu lugar o deputado Eustáquio Freitas. Enivaldo tinha conhecimento da manobra produzida por Erick Musso e Marcelo Santos.
“Chamou a atenção de todos essa questão esdrúxula, para não falar bizarra, de se antecipar uma eleição em mais de 400 dias. Os termos são relativamente fortes, mas eu não tenho outros termos para utilizar em relação a essa questão”, ponderou o presidente da OAB/ES, José Carlos Rizk Filho, na entrevista desta terça-feira.
Na Ação Civil Pública, a OAB enumera 10 ‘flagrantes abominações’:
a) A Assembleia Legislativa apresenta e vota, sem obediência ao devido processo legislativo, uma Emenda à Constituição Estadual;
b) O regular processo legislativo exige a oitiva da Comissão de Constituição e Justiça;
c) Alegará a ALES que foi ouvida uma COMISSÃO ESPECIAL. Vide processo legislativo integral da Emenda Constitucional 113/2019. Porém, o próprio objetivo das Comissões Especiais destoa da finalidade da PEC aprovada. Serve apenas para interesses do ESTADO ou da POPULAÇÃO, e não para interesses políticos identificados e personificados;
d) A emenda não possui interesse público, sequer justificação plausível, malferindo os Princípios da Impessoalidade e, acima de tudo, da Razoabilidade, pois não há razão plausível para a mudança, a não ser a vontade pessoal de modificação de regras eleitorais. Vale dizer, regras eleitorais devem existir, justamente, para a mitigação ou aniquilação da pessoalidade na administração da coisa pública (aí inserido o poder de legislar);
e) Às escâncaras é uma emenda que GEROU REGRA IMPRÓPRIA pois não permite sequer conhecer, minimamente, como se desenvolveria o processo eletivo no Parlamento Capixaba;
f) A regra da Emenda 113/2019 se aplica em benefício dos próprios votantes, no mandato em curso;
g) Poucos dias após sua publicação, a Mesa Diretora convoca eleições, e reelege o atual presidente;
h) No processo eleitoral a convocação para a eleição ofertou poucos minutos para a montagem de chapas;
i) A Sessão na qual a ELEIÇÃO fora CONVOCADA sequer constava de QUALQUER PAUTA ou PUBLICAÇÃO PRÉVIA. Ao arrepio da Publicidade, os Deputados foram surpresados com a manobra. O que demonstra a nocividade extrema de se ter uma REGRA ELEITORAL sem um MÍNIMO DE VINCULAÇÃO A PRAZOS OBJETIVOS, permitindo uma discrição tóxica, como se demonstrou no caso concreto;
j) Assim, fora reeleito o atual presidente da Assembleia Legislativa.
De acordo com a OAB, o deputado estadual Dary Pagung (PSB), que também é advogado, protocolou um pedido de análise, que foi deliberado pelos conselheiros da Ordem. Por unanimidade, eles decidiram solicitar um estudo da Comissão de Constituição da OAB, que detectou falhas jurídicas no andamento da votação da PEC.
Além do presidente Rizk Filho, assinam a Ação Civil Pública o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/ES, conselheiro João Roberto de Sá Dal’Col; e o conselheiro federal da OAB/ES Luiz Henrique Antunes Alochio.
Justiça Federal intima Assembleia Legislativa a se manifestar
Na noite desta terça-feira (03/12), o juiz Aylton Bonomo Júnior, da 3ª Vara Federal Cível de Vitória, aceitou analisar o pedido liminar da OAB, proferindo o primeiro despacho. O magistrado intimou a Assembleia Legislativa a se manifestar sobre o pedido da Ordem. O magistrado entregou o despacho ao Oficial de Justiça de Plantão, ao mesmo tempo em que citou o réu. O juiz federal Aylton Bonomo dá três dias para a Ales se manifestar sobre a PEC e sua reeleição antecipada em 432 dias.
(Texto atualizado às 20h35 de 03/12/2019).