No dia 12 de julho de 2002, Elízio Carvalho Rezende, 18 anos, foi encontrado morto à margem da Rodovia do Contorno, em Cariacica. Elízio, que residia em Feu Rosa, na Serra, estava sempre envolvido com furtos e drogas. O corpo de Elízio foi levado para o Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, de onde foi roubado misteriosamente. O inquérito que apura o assassinato de Elízio está parado na Delegacia de Crimes Contra a Vida de Cariacica desde 2007. Elízio é apenas um dos milhares de casos que servem para exemplificar como a Polícia Civil capixaba trata com descaso investigações de assassinato.
O inquérito policial instaurado para apurar o assassinato de Elízio é um dos quase 20 mil inseridos dentro da Meta II, que faz parte da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A Meta II, aplicada em 2010, determina que o Ministério Público Estadual e a Polícia Civil teriam que concluir até 31 de dezembro de 2011 inquéritos relativos a homicídios que se encontravam parados (sem solução) até 31 de dezembro de 2007 nos gabinetes das delegacias policiais.
Os membros do Ministério Público que têm a função de cumprir a Meta II são os promotores de Justiça com a atribuição de propor ações judiciais contra pessoas que cometem crimes dolosos contra a vida, que são homicídios dolosos (simples ou qualificado), infanticídio, auxílio ou instigação ao suicídio e aborto.
Quando sentiu que precisaria de ajuda, o Ministério Público capixaba criou uma Força Tarefa interna para ajudar os promotores de Justiça com mais de 200 inquéritos de crimes dolosos contra a vida nas Promotorias Criminais.
Em 29 de dezembro de 2010, o MP do Espírito Santo deu início ao seu trabalho de cumprir a Meta II. Simultaneamente, a Polícia Civil criou (pelo menos no papel) sua Força Tarefa, que teria sido instalada na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa.
O cumprimento das metas se encerraria em 31 de dezembro de 2011. Entretanto, como outros Ministérios Públicos Estaduais demoraram começar seu trabalho – alguns, como Minas Gerais, iniciaram o cumprimento da Meta II somente em abril de 2011 –, o Conselho Nacional do Ministério Público teve outro entendimento e esticou o prazo de encerramento do cumprimento das metas para abril de 2012.
Desde que iniciou sua parte na Meta II, o Ministério Público Estadual movimentou, entre 29 de dezembro de 2010 a 9 de janeiro de 2012, 19.446 inquéritos policiais relativos a assassinatos que estavam parados na Polícia Civil do Espírito Santo até 31 de dezembro de 2007.
Agora é que começam as apresentações dos números que demonstram como a Polícia Civil tratava com desprezo e descaso, em governos anteriores, as investigações de assassinato. Do total de inquéritos movimentados, 13.862 foram devolvidos pelo MP à Polícia Civil para novas diligências consideradas “imprescindíveis para oferecimento de denúncia”.
Do total de inquéritos movimentados (19.446), 1.714 foram efetivamente concluídos. Do total de concluídos, apenas 314 inquéritos tiveram condições de ser oferecidas denúncias na Justiça; 1.312 foram arquivados e 88 desclassificados – alguns eram lesões corporais, que resultaram em morte; e outros eram latrocínios (roubo com morte).
Esses 88 foram repassados a outras Promotorias Criminais. Restam 3.870 inquéritos para serem analisados. Deste total, 2.772 estão com a Força Tarefa e o restante com as Promotorias Criminais Naturais.
Gestor das Metas do Enasp no Espírito Santo, o promotor de Justiça Paulo Panaro Figueira Filho disse que alguns municípios capixabas já conseguiram cumprir as metas traçadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
“Parabenizo os promotores de Justiça e delegados de cidades do interior que, mesmo enfrentando uma situação muito mais crítica do que na Grande Vitória em termos de estrutura da Polícia Civil, conseguiram cumprir as metas. Muitos delegados trabalham com poucos investigadores e, às vezes, até sem escrivão. Mesmo assim, cumpriram a meta. Isso é louvável. Na capital, que tem toda estrutura, os números até agora indicam que a solução de investigações de homicídios é menos de meio por cento”, disse Paulo Panaro.
Ele citou um exemplo de como as forças policiais do Espírito Santo precisam, de fato, de uma chacoalhada por parte do governo do Estado para atender com mais carinho e atenção os anseios da sociedade, que quer ver o fim da impunidade.
Segundo Paulo Panaro, os 314 inquéritos – dos mais de 19 mil movimentados pelo Ministério Público dentro da Meta II – enviados à Justiça para serem julgados já estavam em condições de se transformar em ações penais sem necessidade de passar pela Meta II:
“Esses 314 inquéritos que o Ministério Público ofereceu denúncia, na verdade estavam parados nas delegacias da Polícia Civil. Nós só analisamos e oferecemos denúncia. A própria Polícia Civil já tinha elementos para a conclusão dos inquéritos. A polícia concluiu os inquéritos, mas não teve o capricho de encaminhá-los à Justiça. São, portanto, 314 criminosos que estão impunes até irem a julgamento”, lamentou Paulo Panaro.
Ele explicou que outros 1.312 inquéritos foram arquivados porque a punibilidade foi extinta sem que a autoria dos homicídios fosse identificada pela Polícia Civil capixaba.
“Não adianta perseguir na investigação porque o Estado, lamentavelmente, não chegará a lugar algum”, diz, indignado, o promotor de Justiça Paulo Panaro.
Do total de inquéritos movimentados pelo Ministério Público (19.446), a conclusão de 1.714, para os leigos, parece pouco. Mas, para Paulo Panaro, o índice é normal.
“Esse número de inquéritos concluídos não é pouco. É bom que se diga que esses 1.714 inquéritos foram concluídos por nós do Ministério Público. Foram inquéritos que nos foram enviados pela Polícia Civil sem que ela (PC) tivesse feito seu trabalho. Pelo mapa do Conselho Nacional do Ministério Público, a média de conclusão de inquéritos da Meta II é em torno de 12%. Nosso percentual chega a quase 10%”.
Bem…Enquanto isso, o inquérito instaurado para apurar a morte de Elízio é um dos listados na Meta II. O promotor de Justiça Paulo Panaro garante que agora fará de tudo para tentar esclarecer o caso, que, para ele, não parece muito difícil.
Nos autos, constam nomes de policiais militares e civis que teriam planejado e ajudado a executar o assassinato de Elízio. O jovem fazia parte de uma quadrilha que iniciou no mundo do crime cometendo pequenos furtos. Aos poucos, passaram a se envolver com o tráfico, assassinatos e assaltos.
Na ocasião em que foi morto, Elízio e seus parceiros planejavam assaltar uma loja lotérica na Serra (sede). Dias antes, assaltaram um pequeno comércio, de onde tiraram dinheiro para financiar o assalto maior.
Também faziam serviços para policiais civis e militares envolvidos com grupos de extermínio na Serra. Um dos PMs que chegaram a ser ouvidos pela DP de Crimes Contra a Vida de Cariacica pela suspeita de matar Elízio foi identificado como sargento Aloir. Jurou inocência e ficou por isso mesmo.
Existe a suspeita que um jovem amigo de Elízio, identificado como Edson, teria sido contratado pelos policiais dos grupos de extermínio para levar o jovem até o local do assassinato. Esse amigo, dias depois da morte de Elízio, foi embora para o Pará, onde já foi morto. Nem chegou a ser ouvido pela Polícia Civil sobre a morte de Elízio.
O corpo de Elízio chegou a ser roubado de dentro do DML, que fica anexo à Chefatura de Polícia Civil, quando seus familiares descobriram que ele estava morto. Pais e irmãos passaram dias procurando pelo jovem, até serem informados pelos familiares do amigo Edson que o corpo estava no DML.
A informação à família sobre a localização do corpo foi passada num sábado. Na segunda-feira seguinte, quando os familiares foram ao DML liberar o corpo para sepultamento, ele não estava mais lá: havia sumido misteriosamente. O sumiço (roubo) do corpo de dentro do DML até hoje não teve culpados.
Elízio foi assassinado em 12 de julho de 2002; o corpo foi roubado menos de uma semana depois. O inquérito aberto para investigar seu assassinato encontra-se parado desde 2007.