O Ministério Público Estadual denunciou 12 pessoas acusadas de desviar R$ 14.341.906,31 dos cofres públicos em Aracruz. A denúncia é a primeira oferecida pelo MP dentro das investigações da Operação Derrama, que apontaram também desvio de dinheiro público em outras seis prefeituras capixabas. Os demais procedimentos investigatórios tramitam em cada Comarca onde ocorreram os crimes.
A Operação Derrama foi desencadeada entre o final de 2012 e início de 2013. Pelo menos 33 pessoas foram presas pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc) da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). As investigações se iniciaram pelo Tribunal de Contas do Estado, que solicitou o apoio do Nuroc. O esquema fraudulento envolvia sete municípios: Aracruz, Marataízes, Itapemirim, Guarapari, Linhares, Anchieta e Jaguaré.
A Derrama desmontou um grupo formado por de políticos, servidores públicos, empresários e advogados acusados de extorquir multinacionais instaladas no Espírito Santo e que desviava dos cofres públicos parte do dinheiro arrecadado com os royalties do petróleo. Num primeiro momento, foram presas 11 pessoas.
Em sua segunda fase, a Operação Derrama levou a prisão, no dia 15 de janeiro de 2013, outros acusados de contratar, de forma irregular, a empresa CMS Assessoria e Consultoria Ltda. Nesta segunda fase foram presos integrantes do núcleo político do suposto esquema de fraude.
Entre os políticos estavam 10 ex-prefeitos: Guerino Zanon (Linhares), Edson Magalhães (Guarapari) – atualmente, os dois são deputados estaduais –, Ademar Devens (Aracruz), Edival Petri (Anchieta), Valter Potratz (Piúma), Alcino Cardoso (Itapemirim), Moacyr Carone (Anchieta), Ananias Vieira (Marataízes), Luiz Carlos Cacá Gonçalves (Aracruz), que já se encontrava preso na ocasião pela condenação em outro processo de corrupção, e Norma Ayub (Itapemirim), esposa do atual presidente da Assembleia Legislativa, Theodorico Ferraço – ele era presidente do Legislativo também naquela época da prisão da mulher. Todos – políticos, servidores e empresários – já se encontram em liberdade.
Em vez de centralizar os procedimentos em apenas uma Promotoria Criminal, o procurador geral de Justiça, Eder Pontes, optou por desmembrar as ações, com cada promotor de Justiça natural se tornando responsável pelas investigações e por decidir se denuncia ou não os demais indiciados pela Polícia Civil.
Sendo assim, a Promotoria de Justiça de Aracruz na frente e, conforme o Blog do Elimar Côrtes informou com exclusividade na terça-feira (12/05) à noite, protocolou a denúncia contra os primeiros 12 acusados na Operação Derrama no dia 6 deste mês. A ação leva o número 0043929-95-2012.8.08.0024.
No dia seguinte, a denúncia entrou no sistema da 2ª Vara Criminal de Aracruz. A partir do oferecimento da denúncia, a Justiça começa a análise dos fatos, ao mesmo tempo em que permite aos denunciados apresentarem suas defesas prévias. Depois, a Justiça decide se acolhe ou não a denúncia. Resta agora o resultado das investigações nos municípios de Marataízes, Itapemirim, Guarapari, Linhares, Anchieta e Jaguaré.
Por cada crime, acusados podem pegar até 12 anos de prisão
Foram denunciados pelo Ministério Público os ex-prefeitos de Aracruz Luiz Carlos Cacá Gonçalves e Ademar Coutinho Devens; o ex-secretário geral do Município, Jorge Luiz Soares dos Santos; o empresário Claúdio Múcio Salazar Pinto; o ex-secretário de Finanças de Aracruz, Durval Valetin do Nascimento Brank; o ex-coordenador de Tributação, Lincon César Liuth; o ex-gerente de Fiscalização, Marcelo Ribeiro de Freitas; e os ficais Valter Rocha Loureiro, Carlos Alberto Abritta, Chirle Chagas Boff, Nitarlene Preti e Clovis Vieira Ferreira.
Todos foram incursos no artigo 1º, inciso I do decreto 201/1967, que trata de “crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores”. No caso do inciso I, cuida da “apropriação de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”.
Caso sejam condenados, podem pegar pena de dois a 12 anos de reclusão. A lei estabelece ainda que a condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos no artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.
Alguns dos denunciados foram incursos até três vezes no mesmo artigo, como são os casos de Cláudio Múcio Pinto, Valter Loureiro, Carlos Alberto Abritta, Chirle Boff e Nitarlene Preti. Já Clovis Ferreira foi denunciado duas vezes no mesmo crime.
O Ministério Público Estadual também denunciou o ex-prefeito Ademar Devens, Durval Blank, Lincon Liuth, Marcelo Ribeiro Valter Loureiro, Carlos Abritta, Chile Boff e Clóvis Ferreira no artigo 288 o Código Penal Brasileiro (formação de quadrilha), que prevê pena, em caso de condenação, de quatro a oito anos de reclusão.
Outros servidores públicos – incluindo uma ex-procuradora geral do Estado –, advogados e empresários também foram investigados e indiciados pela Polícia Civil. No entanto após analises detalhadas, o Ministério Público em Aracruz concluiu pelo arquivamento das investigações em relação as essas pessoas.
Denúncia revela como propina era dividida
Na denúncia, o Ministério Público relata que no ano de 2003 foram levantados pelos fiscais da Prefeitura de Aracruz 1.110 autos de infração elaborados pela empresa CMS contra as empresas Fíbria (antiga Aracruz Celulose), Cenibra e Protocel. As infrações renderam ao município de Aracruz um crédito de R$ 33.283.602,96 pagos em 2011, a partir do “famigerado programa de incentivo à regularização de débitos”, conforme destaca a Promotoria de Justiça Criminal.
Entretanto, de acordo com o MP, “R$ 4.735.874,86” dos mais de R$ 33 milhões “foram pagos ao denunciado Cláudio Múcio Pinto; R$ 8.234.490,93 destinados ao pagamento das gratificações dos fiscais; e R$ 665.672,06 foram destinados aos pagamentos de gratificação ao chefe de fiscalização”.
A Promotoria de Justiça de Aracruz observa ainda que, “conforme instrução técnica, com base nesse esquema de honorários ilimitados e gratificações ilegais, mediante o contrato nº 101/2002, o Município de Aracruz perdeu 40,97% da quantia de R$ 33.283.602,96 arrecadados, perfazendo o valor de R$ 13.636.037,85 milhões de reais, que foram destinados ao contratado Cláudio Múcio, ao chefe de fiscalização e aos fiscais”.
O Ministério Público acrescenta que “o denunciado Cláudio Múcio recebeu dos cofres municipais, no período de 2007 a 2012, o montante de R$ 5.441.743,32. Nessa linha, o desvio de verbas públicas praticado no Município de Aracruz foi auferido em, aproximadamente, R$ 14.341.906,31 milhões de reais”, ressalta a Promotoria de Justiça.
O que preocupa agora grande parte da classe política capixaba é que o mesmo esquema fraudulento denunciado em Aracruz era reproduzido nos outros seis municípios que estão sendo investigados. Só que em Marataízes, Itapemirim, Guarapari, Linhares, Anchieta e Jaguaré os atores são outros políticos, mas com o mesmo grupo empresarial. Talvez o receio de ver sua esposa, Norma Ayub (ex-prefeita de Itapemirim), ser denunciada pelo Ministério Público, tenha levado o presidente da Assembleia Legislativa, Theodorico Ferraço, a protagonizar, na terça-feira (12/05), uma das cenas mais selvagens (e ao mesmo tempo patética) do Legislativo capixaba nos últimos anos.
Como funcionava o esquema
Segundo o Tribunal de Contas, a CMS, como empresa privada, era contratada pelos municípios para realizar a arrecadação de tributos com amplos poderes para execução de leis tributárias, o que é proibido pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional. A empresa CMS apresentava-se como única na prestação de serviço de consultoria e, com isso, celebrava os contratos com as prefeituras. Contudo, o serviço prestado pela CMS poderia ser feito por qualquer escritório de advocacia especializado em matéria tributária. Após a celebração dos contratos, a CMS agia autuando as empresas que deviam tributos com a participação de auditores fiscais do município, sendo que as autuações se dirigiam especialmente às empresas de grande porte.
Operação Derrama
O nome dado à operação, segundo a Polícia Civil, foi uma alusão às cobranças abusivas de taxas e impostos praticados pela Coroa Portuguesa no período do Brasil colonial. A ‘derrama’ tinha como objetivo estabelecer uma cota anual cobrada aos produtores de ouro em Minas Gerais e foi o motivo que desencadeou a Inconfidência Mineira, no século XVIII.