Pelo menos 147.918.483 eleitores brasileiros estão aptos a votar nas eleições municipais de 2020, marcadas para 15 de novembro – primeiro turno –, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esses eleitores vão eleger novos prefeitos e vereadores em 5.569 municípios espalhados pelo País. Apenas o Distrito Federal e Fernando de Noronha não participam das eleições municipais. No Espírito Santo, são 2.810.132 eleitores aptos a votar nos 78 municípios.
O Jornal Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), informa em sua edição de setembro de 2020 que, entre 2000 e 2015, se verificou no Brasil um crescimento de 327% no total de gastos com segurança pública, que saltaram de cerca de R$ 1,1 bilhões para R$ 4,5 bilhões.
Para o FBSP, mais uma vez, como ocorreu em 2016, o tema segurança pública deverá ser amplamente discutido pelos candidatos. O problema é que, agora em 2020, há o viés ideológico, que voltou com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018.
Nesta reportagem especial, o Blog do Elimar Côrtes ouviu cinco especialistas de renome nacional e reconhecidos internacionalmente por seus trabalhos na área da segurança pública.
São eles: o professor e economista Daniel Ricardo de Castro Cerqueira; o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, consultor em Segurança e coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, José Vicente da Silva Filho; o coronel da Reserva da PM da Paraíba e presidente do recém criado Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça (Ibrasjus), Washington França da Silva; o promotor de Justiça Luís Sávio Loureiro, coordenador do programa Cidade Pacífica, do Ministério Público do Estado de Pernambuco; e o idealizador nacional da Polícia Interativa e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o coronel da Reserva da Polícia Militar do Espírito Santo Júlio Cézar Costa.
Os cinco especialistas falam da importância da discussão, nessa campanha eleitoral, em torno da municipalização da segurança pública. Eles também apontam os caminhos que os futuros gestores municipais poderão utilizar para melhorar a qualidade de vida de seus munícipes, para garantir a pactuação e a paz social, visando, sobretudo, a redução da violência.
Daniel Ricardo de Castro Cerqueira:
O professor e doutor em Economia Daniel Ricardo de Castro Cerqueira, atual presidente do Instituto Jones Santos Neves (IJSN) do Espírito Santo, vai promover um curso para os futuros gestores municipais, a serem eleitos em novembro, visando contribuir com uma melhor formação, sobretudo, na área da segurança pública.
O IJSN que ele preside é vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) do Espírito Santo e tem como finalidade produzir conhecimento e subsidiar políticas públicas através da elaboração e implementação de estudos, pesquisas, planos, projetos e organização de bases de dados estatísticos e georreferenciados, nas esferas estadual, regional e municipal, voltados ao desenvolvimento socioeconômico do Espírito Santo.
Daniel Cerqueira, que assumiu a direção do IJSN em 17 de agosto deste ano, entende que os municípios, dentre os entes federativos, ocupam uma posição privilegiada, “pois é nas cidades que os crimes acontecem, é nas cidades que se constroem as dinâmicas sociais”. Por isso, salienta, cabe aos municípios criarem ambientes que possibilitem o desenvolvimento das crianças nas escolas e deem oportunidade de trabalho aos jovens:
“Os municípios precisam oferecer boas creches, educação fundamental de qualidade, áreas de lazer e cultura. Os prefeitos, portanto, podem ter um papel decisivo junto às forças policiais locais, ao propiciar a seus munícipes uma cidade melhor para se viver. Há vários exemplos no mundo em que a virada da violência aconteceu com a participação efetiva dos prefeitos. Foi assim em Nova Iorque, na Colômbia e Ciudad Juárez, no México. Os prefeitos podem criar uma pactuação social para barrar o crime e buscar a paz social”, pontua Daniel Cerqueira.
Para ele, os prefeitos são, portanto, lideranças capazes de coordenar essa pactuação social, como coordenadores e contando com os esforços da sociedade em geral, como empresários, comunidades, igrejas e outros organismos.
Daniel Cerqueira defende o protagonismo das Guardas Municipais, no entanto, entende que em algumas cidades elas desvirtuaram sua missão, que é a de prevenção:
“Em várias cidades brasileiras, criou-se a ideia de que as Guardas Municipais querem ser uma Polícia Militar. O papel das GMs é a de prevenção. Elas podem e devem ter ligação com as PMs, mas para apoiar na prevenção, ajudando, principalmente, na redução do ambiente propício ao crime. Nesse sentido, cabe também às prefeituras a reorganizar o aspecto urbano das cidades, melhorar a iluminação pública, trabalhar a revitalização dos espaços públicos. Cabe, portanto, aos prefeitos fecharem o cerco e não dar espaço ao crime”, ensina o professor Daniel Cerqueira.
Ele diz mais: as prefeituras podem ajudar também na redução do roubo e furto de veículos. Como? “Fazendo fiscalização nos ferros-velhos, onde pode ocorrer desmonte de carros e motos roubados”, diz o professor e presidente do IJSN.
Daniel Cerqueira recorda que, até início dos anos 2000, Diadema, em São Paulo, era uma das cidades mais violentas do País. No entanto, a prefeitura adotou a chamada Lei Seca, em que bares poderiam ficar abertos só até as 23 horas.
“Tal postura foi adotada porque as estatísticas criminais indicavam que a maioria dos assassinatos, em Diadema, ocorria após às 23 horas. Com o fechamento de bares mais cedo, o registro de crimes contra a vida caiu drasticamente. Infelizmente muitos prefeitos ainda não enxergaram o seu papel, no que diz respeito à segurança pública, outorgado pela Constituição Federal”, lamenta o professor.
No curso que o professor Daniel Cerqueira e outros técnicos do IJSN darão aos futuros gestores, após o pleito de novembro, estarão orientações básicas de como lidar com a máquina pública.
“O curso será dividido em vários módulos, com temas afins às prefeituras. Falaremos também sobre a primeira infância, questões ambientais, saneamento e urbanísticas; como obter recursos junto a órgãos federais e estaduais; saúde, educação e, sobretudo, segurança pública.”
Sobre o último tema, Daniel Cerqueia explica que pretende “instigar” os prefeitos a elaborar seu Plano Municipal de Segurança Pública:
“Vamos mostrar a importância da Guarda Municipal no dia a dia da população, tendo papel de prevenção, que é uma missão muito nobre. As Guardas Municipais podem, inclusive, ajudar na redução da violência doméstica, realizando visitas aos lares, como a Polícia Militar do Espírito Santo já realiza com a Patrulha Maria da Penha”, frisa o professor Daniel Cerqueira.
José Vicente da Silva Filho:
Dono de uma empresa de consultoria de Segurança Pública há 23 anos, o coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo José Vicente da Silva Filho defende a municipalização da segurança desde que as forças policiais sejam protagonistas e tenham articulação mais intensas com os municípios. Segundo ele, é necessário que o comandante de um Batalhão, por exemplo, ajude os prefeitos da região que esteja sob a responsabilidade da unidade:
“Os comandantes de Batalhões podem sugerir reurbanização dos bairros, podem propor melhoria nas escolas a fim de evitar a evasão de alunos. O que não faz sentido é achar que as cidades podem ter sua própria polícia. O modelo de polícia estadual é o melhor que temos. O que defendo é essa integração com a polícia estadual – PM e Polícia Civil”, pontua José Vicente.
“As Guardas Municipais podem fazer um bom trabalho se não competirem com as Polícias Militares. De acordo com a Constituição Federal, as Guardas Municipais não poderiam sequer fazer fiscalização em veículos. Podem, sim, vigiar praças, escolas e outros logradouros, como forma de prevenção. Enfim, as Guardas Municipais não têm poder de Polícia”, explica o coronel José Vicente.
Secretário Nacional da Segurança Pública no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, José Vicente da Silva Filho aponta também políticas públicas produzidas em municípios que surtiram resultado positivo. Um dos exemplos é a cidade de Diadema, em São Paulo, que até o início dos anos 2000 era considerada a mais violenta do País.
José Vicente é consultor contratado pelo Instituto Fernand Braudel (São Paulo) para coordenar o desenvolvimento de pesquisas e análises na área da segurança pública. É membro do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça (Ibrasjus).
Ele cita ainda a cidade de Santos, no litoral paulista, que possuiu 450 mil habitantes, tem o maior porto do País e é um grande polo turístico: “Em julho de 2020, Santos registrou quatro homicídios”, diz ele.
Para o coronel José Vicente, os municípios podem, de fato, a ajudar na redução da violência, com políticas voltadas para se evitar a evasão escolar e a reduzir a gravidez precoce:
“No Brasil 450 mil crianças nascem por ano, frutos de mães adolescentes. São crianças que, em sua maioria, vão nascer e ser criadas em péssimas condições”, lamenta o coronel.
Luís Sávio Loureiro:
Coordenador do programa institucional Cidade Pacífica, do Ministério Público do Estado de Pernambuco, o promotor de Justiça Luís Sávio Loureiro já vem atuando não só na defesa, mas na aplicação de políticas públicas junto aos gestores municipais de seu Estado visando, sobretudo, fortalecer a municipalização da segurança pública.
Ele lembra que há 30 anos atrás o tema segurança pública não era prioridade dos gestores municipais. A população, entretanto, passou a exigir um tratamento mais forte na prevenção.
“Começou, então, o jogo de empurra entre prefeituras, governos estaduais e governo federal, com os entes deixando de assumir o enfrentamento à prevenção. O artigo 144 da Constituição Federal fala que ‘a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos’. Porém, não tinha como definir quem deveria fazer o quê. Todavia, com o advento da Lei do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), em meados de 2018, passou-se a exigir uma integração entre os entes federativos, incluindo aí o Ministério Público e demais Poderes. Todos passaram e ter responsabilidade e engajamento no enfrentamento à prevenção”, diz o promotor de Justiça Luís Sávio.
O projeto Cidade Pacífica, que nasceu antes da entrada da Lei do SUSP, sucedeu outra iniciativa, lançada em 2013 pelo Ministério Público de Pernambuco, que foi o Pacto dos Municípios pela Segurança Pública.
O Cidade Pacífica, que ganhou nova roupagem em 2018, trabalha junto aos gestores públicos municipais, com a recomendação de adoção de políticas que melhorem as infraestruturas das cidades, treinamento das Guardas Municipais, criação dos Conselhos Municipais de Segurança Pública, integração com as comunidades, etc:
“O Cidade Pacífica é um projeto que está em constante aprimoramento, com a revisão das metas e eixos para contemplar os efeitos positivos já obtidos, abrir espaço para que além dos indicadores sejam reconhecidas medidas inovadoras e dar destaque aos municípios que estão sendo certificados pela efetivação das iniciativas. O Ministério Público do Estado de Pernambuco se coloca à disposição dos municípios para oferecer boas práticas já existentes em outras regiões do País”, explica Luís Sávio.
Segundo ele, o Cidade Pacífica oferece 15 eixos de atuação para que os municípios possam estar trabalhando para reduzir a violência. Entre os eixos estão o aperfeiçoamento das Guardas Municipais, melhoria da iluminação pública, criação dos conselhos preventivos, monitoramento de toda a cidade por meio de câmeras, projetos urbanísticos, ordenamento urbano, melhoria da limpeza urbana, melhoria de calçadas e vias:
“Alguns crimes aconteciam por oportunidade dada aos criminosos. Com a melhoria da iluminação, as pessoas passam a transitar com mais frequência nas vias, passam a ocupar o espaço público, o que reduz a criminalidade”, diz o promotor de Justiça Luís Sávio.
Segundo ele, em alguns municípios pernambucanos, prefeituras passaram a fazer monitoramento nos limites territoriais com outras cidades, aumentando, assim, a fiscalização sobre veículos que entram e saem. “As placas de todos os veículos que entram nessas cidades são checadas pelas centrais de monitoramento”, pontua Luís Sávio.
Na última sexta-feira (25/09), quando concedeu, por telefone, entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, o promotor de Justiça Luís Sávio participou de evento virtual que concedeu certificados a mais dois municípios pernambucanos pelo cumprimento dos eixos do programa Cidade Pacífica: com a entrega dos certificados, as cidades de Escada e Lagoa Grande se unem a Gravatá e Caruaru.
“O objetivo do trabalho dos servidores públicos deve ser o entendimento mútuo entre os órgãos para prestar um melhor serviço à população. Na área da segurança pública, isso é ainda mais necessário e, pelo que temos visto com a experiência do Cidade Pacífica, muito proveitoso quando bem executado. Por isso hoje estamos aqui para reconhecer o trabalho de Escada e Lagoa Grande, que puseram em prática ações de ordem preventiva para contribuir na redução nos índices de criminalidade”, afirmou o promotor de Justiça Luís Sávio Loureiro.
Ele disse que a reunião de sexta-feira também marcou o reconhecimento de uma prática inovadora realizada pelo município de Caruaru. A medida consiste na realização de fiscalizações conjuntas da Guarda Municipal e Vigilância Sanitária nos bares, a fim de promover a pacificação nesses ambientes.
“Entendemos que esse eixo merecia maior atenção e, diante da eficácia da medida implementada em Caruaru, estamos reconhecendo essa ação como um protocolo que deve ser seguido em outras cidades. Por esse motivo, Caruaru ganha uma estrela no nosso ranking de pacificação, por contribuir com uma prática inédita”, acrescentou Luís Sávio Loureiro.
Segundo ele, os municípios que se engajam no ranking de indicadores estabelecido pelo Ministério Público de Pernambuco conseguem mais recursos disponíveis pelo Governo Federal.
Dos 185 municípios pernambucanos, 37 firmaram parceria com o Ministério Público e aderiram ao Cidade Pacífica. Esses municípios formaram um mini pacto pela vida, que envolve autoridades de diversos poderes: Prefeituras, Polícia Civil, Polícia Militar, MP, Judiciário, sociedade civil e representantes das comunidades.
De acordo com Luís Sávio, há tratativas com outros 20 municípios, cuja parceria será fechada apenas em 2021 devido ao calendário eleitoral que impede esse tipo de contrato com os atuais gestores para evitar propaganda eleitoral:
“Nas reuniões, é dado protagonismo às comunidades. Nos encontros, descobre-se a subnotificação de crimes. Quando um delegado, por exemplo, cita os delitos ocorridos em sua área, os representantes das comunidades se levantam e afirmam que há mais crimes não registrados. Aí se faz uma campanha em favor da notificação junto aos moradores. Nessa mesa de segurança, os temas são debatidos e os próprios cidadãos repassam informações às autoridades”.
O promotor de Justiça Luís Sávio, que atua na Assessoria do atual procurador-geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, defende, portanto, a municipalização da segurança Pública e o fortalecimento das Guardas Municipais. Entretanto, faz um alerta:
“Os candidatos a prefeito e ao cargo de vereador, que trabalham com a base, têm que entender que as Guardas Municipais não podem substituir as Polícias. O programa Cidade Pacífica trata da prevenção de crimes de oportunidade. O programa, as prefeituras e as Guardas Municipais não caçam bandidos. Trabalham no sentido de levar mais sensação de segurança à população, com a adoção de políticas públicas, como, por exemplo, na fiscalização de bares que atuam de maneira irregular. Os municípios podem colaborar; eles jamais vão substituir as Polícias Civil e Militar. É preciso que todos os atores tenham essa conscientização”.
Washington França da Silva:
Um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça (Ibrasjus), o coronel da Reserva da PM da Paraíba Washington França da Silva diz que é necessário que o tema segurança pública esteja na agenda dos candidatos nas eleições deste ano – prefeitos e vereadores – de todo o País. No entender dele, muitas ações foram colocadas em prática nos últimos anos, porém, de forma equivocada:
“Muitos gestores confundem fazer segurança pública com a criação de Guardas Municipais; e outros acham que só melhorar a iluminação pública e inserir o incremento tecnológico nas cidades vai resolver e acabar com a violência. Falta no Brasil uma ação preventiva mais forte e os municípios podem preencher essa lacuna, com trabalho de prevenção”.
Segundo Washington França, a atual política de segurança pública ataca mais os efeitos, em vez de enfrentar e atacar as causas:
“Defendo uma Guarda Municipal que atue mais na prevenção. A prevenção é a maior vocação das cidades, onde tudo acontece. O Estatuto das Guardas Municipais define muito claramente que compete às Guardas Municipais atuarem de forma preventiva. É essa a mensagem que passo aos candidatos a prefeitos de todo o Brasil”.
O presidente do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça (Ibrasjus), Washington França, enumera quatro eixos que ele considera fundamentais que sejam adotados pelos futuros gestores: governança e gestão integrada; criação de observatório; e interatividade com as comunidades. Ele explica como deve funcionar cada eixo:
“O eixo governança e gestão integrada exige que o prefeito municipal tenha um papel muito forte. É ele, o prefeito, quem precisa liderar os grupos de trabalho. Precisa criar um Grupo de Gabinete Integrado, com a participação de outros poderes, tanto da esfera estadual (como Polícia Militar e Civil) quanto da municipal (secretarias), além do Ministério Público, Judiciário e outros agentes públicos que podem ajudar e muito na redução dos indicadores da violência e na melhoria da proteção social”.
O segundo eixo, de acordo com Washington França, cuida da criação do que ele chama de Observatório Municipal de Segurança.
“Esse Observatório tem que abrigar todos os indicadores oriundos de todas as secretarias municipais e regiões (bairros e distritos) da cidade. Tem que analisar pesquisa, sentir a sensação de segurança da população, tem quer cuidar dos dados das áreas de educação, saúde, trânsito, lazer, violência, etc.”
O terceiro eixo é aquele que deverá enfrentar os problemas gerados pela insegurança de forma regionalizada.
“Num município cada região tem suas características. Em alguns bairros, vão ser registrados mais crimes contra a vida; em outros, mais crimes contra o patrimônio. É preciso que os programas de prevenção sejam desenvolvidos de forma regionalizada. Os gestores devem perguntar: ‘Quais os fatores que criam vulnerabilidade em certos bairros?’ Esses fatores devem ser trabalhados. Uma pesquisa aponta que no Brasil, pelo menos 75% das demandas atendidas, principalmente, pelas Polícias Militares Estaduais, são delitos potencialmente leves ou questões sociais, ou seja, situações não criminosas. Por isso, os municípios poderiam criar os chamados Núcleos de Resolução de Conflitos, que podem ser resolvidos para que os problemas não cheguem ao patamar da violência”.
O quarto e último eixo, na avaliação do coronel Washington França, é o que conta com a participação maior das comunidades:
“Este eixo vai exigir participação e controle social. Vai exigir ainda mais o engajamento dos gestores, pois é nele que se resgata a relação de confiança com as comunidades, com os cidadãos. Os gestores e a sociedade precisam trabalhar com espírito coletivo no sentido de melhorar a convivência em espaços públicos. Os prefeitos e demais gestores precisam ouvir mais as comunidades e que elas tenham mais participação nas decisões. Vou mais além: não é só ouvir; é preciso que as pessoas tenham participação crítica e efetiva, por meio dos Conselhos Municipais de Segurança Pública”.
Júlio Cézar Costa:
Idealizador nacional da Polícia Interativa e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o coronel RR da Reserva da Polícia Militar do Espírito Santo Júlio Cézar Costa afirma que “a segurança pública no município não se resume a ter ou não ter Guarda Municipal”.
Para ele, o importante é se criar um ambiente de “ordem pública”, formada por quatro elementos: salubridade pública, segurança pública, tranquilidade pública e dignidade da pessoa humana, conforme ensina a Policiologia moderna.
“Deste modo, segurança deixa de ser um item isolado e passa a compor a ordem pública, não podendo ser vista de forma pontual, mas agora, integrada e transversalizada, assumindo o status de uma importante função social da cidade”, explica o coronel Júlio Cézar Costa.
Blog do Elimar Côrtes – Qual a importância da discussão da municipalização da segurança pública nessa campanha eleitoral?
Júlio Cézar Costa – Pesquisa promovida pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que 81% da população brasileira entende que o prefeito municipal deve também assumir as responsabilidades no tocante à Segurança Pública. Por si só, este já seria um fator relevante para a promoção do debate sobre o tema.
A vida em comunidade acontece no município. A proximidade e a interatividade entre os cidadãos é fator de promoção da ordem social.
Originalmente, no Brasil, a segurança pública era uma questão municipalizada, sendo que as origens históricas dos órgãos de segurança pública se deram nas antigas vilas e cidades do Brasil Colônia. Posteriormente, isto acabou tomando um novo formato devido ao modelo militar de segurança, adotado pela Regência à época do impedimento de Dom Pedro II, vindo a ser fortalecido após a Proclamação da República, quando São Paulo e Minas Gerais, Estados dominantes no início do século XX, treinaram suas polícias militares com ajuda de missões do exército Francês, Suíço e Prussiano, o que reforçou o ethos militar da polícia brasileira, indistintamente.
Assim, somente em 1988, segurança pública se tornou um tema constitucional, motivo pelo qual hoje se promove esta discussão, com a participação do município, antes excluído deste debate.
– O que os futuros gestores municipais deveriam observar em relação ao tema segurança pública?
– É preciso entender que a segurança pública no município não se resume a ter ou não ter Guarda Municipal.
Publicamos recentemente em parceria com a Prefeitura Municipal de Moreno/PE e a Associação Municipalista de Pernambuco, uma obra intitulada “Estudo Elementar sobre Ordem Pública Municipal”, onde se faz a descrição básica da atuação do município no campo da ordem pública.
A ordem pública é formada por quatro elementos, quais sejam, salubridade pública, segurança pública, tranquilidade pública e dignidade da pessoa humana, conforme ensina a Policiologia moderna. Deste modo, segurança deixa de ser um item isolado e passa a compor a ordem pública, não podendo ser vista de forma pontual, mas agora, integrada e transversalizada, assumindo o status de uma importante função social da cidade.
Por fim, cabe ao município organizar as funções sociais e implementá-las como políticas públicas perenes, neste caso uma política municipal de ordem pública que promova o controle da violência criminalizada, através de amplo espectro preventivo.
– Por que é fundamental o tema segurança pública entrar na pauta dos candidatos?
Nas pesquisas de opinião, a insegurança pública aparece nos últimos 25 anos sempre entre as principais preocupações do povo brasileiro. Sendo um problema não resolvido ainda, é natural que o reclamo da sociedade paute o tema na agenda política municipal, uma vez que a violência criminalizada, das mais diversas formas tem se alastrado pelo território brasileiro, cujo elemento básico de formação é o município.
Uma boa notícia é que existe a Lei Federal nº 13.675/2018 que trata do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), e neste sistema, o município como ente federado que é ganhou espaço como elemento estratégico na definição e implantação da Política de Segurança Pública e Defesa Social, enquanto as guardas municipais passaram à categoria de elemento operacional do sistema de segurança, devendo assim o município, prover o controle sistêmico da proteção social, através de seus respectivos planos decenais de segurança pública e defesa social definidos em lei.