Um tiro no coração de um dos grupos que teria dado continuidade às ações de organizações criminosas que vêm agindo no Espírito Santo há pelo menos uma década. Na quarta-feira (08/05), o Ministério Público Estadual e a Inteligência da Polícia Militar prenderam em flagrante cinco pessoas no momento em que ocorria o pagamento de propina dentro da residência da prefeita de Presidente Kennedy, Amanda Quinta Rangel (PSDB).
A Operação Rubi, que teve continuidade no dia posterior, ocorreu por meio da Subprocuradoria-Geral de Justiça Judicial e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPES, com o apoio do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES e da Polícia Militar.
O objetivo é desarticular e colher provas relativas à atuação de uma organização criminosa constituída para lesar os cofres públicos dos municípios de Presidente Kennedy, Marataízes, Jaguaré e Piúma por possível direcionamento licitatório em favor de pessoas jurídicas contratadas, pagamento de vantagem indevida a agentes públicos e superfaturamento de contratos administrativos de prestação de serviço público.
Durante a operação, foram presas cinco pessoas, entre elas a prefeita Amanda Quinta e o companheiro dela, secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, José Augusto Rodrigues de Paiva. Ambos foram presos em flagrante na quarta-feira (08/05) ao receberem propina de R$ 33 mil, dentro da residência.
As investigações do Gaeco, com o apoio do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MP e parceria do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCEES), tiveram início em 2018 e colheram fortes indícios de que agentes políticos e servidores municipais recebiam propina de empresários dos ramos de limpeza pública e transporte coletivo.
Esses valores pagos eram uma forma de retribuição por receberem benefícios financeiros em licitações e contratos, levando ao enriquecimento indevido dos envolvidos.
Além da prefeita e do secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, José Augusto de Paiva, foram presos em flagrante outras duas pessoas – o empresário Marcelo Marcondes Soares e o motorista do empresário Cristiano Graça Souto, que consta como sócio formal da empresa de limpeza urbana.
O empresário esteve na tarde de quarta-feira na casa da prefeita para entregar R$ 33 mil de propina, que estavam dentro de uma mochila. O dinheiro havia sido sacado numa agência bancária de Presidente Kennedy. A visita e a presença de todos na cidade foram monitoradas desde segunda-feira (06/05) pela Inteligência da Polícia Militar, que efetuou as prisões em flagrante na residência da prefeita.
Além desse acompanhamento, as investigações permitiram realizar outras duas vigilâncias aos investigados nos meses de novembro (2018) e abril (2019) que reforçaram, naquela ocasião, os indicativos de pagamento de propina e confirmaram o padrão de atuação dos empresários e agentes públicos.
A operação consistiu, inicialmente, no cumprimento de cinco mandados de prisão temporária, cinco mandados de afastamento funcional de agentes públicos e 11 mandados de proibição de acesso às dependências de órgãos públicos. Além de 25 mandados de busca e apreensão pelos agentes do Gaeco, sendo nove em Presidente Kennedy.
Buscas
No momento das buscas e apreensões na casa da prefeita Amanda Quinta, três das pessoas com mandados de prisão temporária emitidos pela Justiça estavam lá – o secretário José Augusto Rodrigues de Paiva, o empresário Marcelo Marcondes Soares e o motorista do empresário Cristiano Graça Souto. A prefeita não tinha mandado de prisão, mas, diante do flagrante do recebimento de propina, foi detida. Os cinco foram presos em flagrante.
Também foram presos temporariamente na operação de quarta-feira Isaías Pacheco do Espírito Santo, contador da empresa que participa ativamente das transações.
A prefeita Amanda Quinta foi levada para o Presídio Feminino de Cachoeiro de Itapemirim. Já o companheiro dela e os outros três presos foram encaminhados para o presídio de Viana.
Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão pelos agentes do Gaeco em Marataízes (5 ao total), em Jaguaré (2), em Piúma (1), em Cachoeiro de Itapemirim (1), em Linhares (1), em Jerônimo Monteiro (1), em Vitória (1), em Vila Velha (1) e no Estado do Rio de Janeiro (2).
Todos os mandados de prisão temporária e de busca e apreensão foram emitidos pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Foram os alvos das ações residências de investigados e dependências de órgãos públicos e empresas suspeitas de integrar o esquema.
Ao todo, cinco membros do Ministério Público (um procurador de Justiça e quatro promotores de Justiça) coordenam os trabalhos, auxiliados por 22 agentes do Gaeco e por policiais militares. A partir da agora, eles vão analisar documentos, computadores, dados e depoimentos de investigados e testemunhas que serão colhidos nas próximas semanas.
Os crimes investigados estão previstos no Dec-Lei nº 201/67, na Lei nº 12.850/13 (organização criminosa), Lei nº 8.666/93 (fraude em licitações), Lei nº. 9.613/98 (lavagem de dinheiro), além de corrupção ativa, passiva e falsidade documental.
Investigações
Após a deflagração da Operação Rubi, o subprocurador-geral de Justiça Judicial do MPES, Josemar Moreira, o coordenador do Gaeco-Central, promotor de Justiça Bruno S. Noya de Oliveira, os promotores de Justiça Vitor Anhoque Cavalcanti, Luis Felipe Scalco Simão e Tiago Boucault Pinhal, o chefe do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES, tenente-coronel da Polícia Militar Celso Luiz Ferrari, e o secretário-geral de Controle Externo do TCEES, Rodrigo Lubiana Zanotti, concederam entrevista coletiva à imprensa na manhã de quinta-feira (09/05) para detalhar a operação e o esquema de fraudes investigados.
“Com a grande movimentação financeira e os royalties do petróleo, o MPES adotou um olhar diferenciado para a administração pública de Presidente Kennedy. As investigações começaram em 2017 e evidenciaram práticas de corrupção passiva e ativa pela ordenadora de despesa do município, o companheiro dela e empresários de empresas públicas de limpeza. O Ministério Público aplicou as medidas cautelares e corroborou diligências investigatórias, oitivas de testemunhas e provas documentais que confirmaram as fraudes nos processos licitatórios”, destacou o subprocurador-geral de Justiça Judicial do MPES, Josemar Moreira, um dos coordenadores da operação.
As apurações tiveram início com denúncias anônimas e depois contou com o depoimento de testemunhas importantes, algumas ligadas à empresa de limpeza urbana.
“A investigação foi iniciada após notícias anônimas e depoimentos que denunciaram a omissão deliberada da prefeita de Presidente Kennedy para que o companheiro atuasse como gestor da cidade. Ambos celebravam contratos indevidos com empresas de transporte coletivo e limpeza urbana”, informou Vitor Anhoque Cavalcanti, um dos responsáveis pela Operação Rubi.
Atuação
Segundo o Gaeco, as testemunhas informaram que os encontros pessoais entre os donos da empresa de limpeza com a cúpula da administração de Presidente Kennedy ocorriam, geralmente, na casa da prefeita Amanda Quinta.
Assim, os agentes do Gaeco passaram a monitorar, de forma aleatória, esses encontros, sempre próximo às datas de pagamento do município à empresa envolvida no esquema. O empresário Marcelo Marcondes Soares, acompanhado de Cristiano Graça Souto, sócio formal da empresa, sacavam o dinheiro em uma agência bancária de Presidente Kennedy e depois se dirigiam imediatamente até a casa da prefeita para fazer os pagamentos.
O primeiro monitoramento foi em novembro de 2018. Depois foi repetido em abril e na quarta-feira. Este último culminou com o flagrante. Assim, a operação foi deflagrada quando iria ocorrer o pagamento, por volta das 16 horas.
De acordo com os promotores de Justiça, ainda não é possível definir o valor total desviado. Com o aprofundamento das apurações, o montante poderá ser estimado.
O secretário-geral de Controle Externo do TCEES, Rodrigo Lubiana, destacou, entretanto, que a empresa de limpeza urbana alvo da operação recebeu pagamentos de cerca de R$ 60 milhões dos municípios de Presidente Kennedy, Marataízes e Piúma, de 2015 a 2018. Os levantamentos agora serão aprofundados.
“Pontualmente, levantamos algumas informações de inteligência das empresas contratadas e valores pagos, por exemplo, para subsidiar a atuação do MPES com informações estratégicas. A partir de agora faremos uma análise completa do material colhido durante as apreensões, para apontar possíveis conluios e, eventualmente, quantificar o dano”, disse Lubiana.
Marataízes
As fraudes contratuais e irregularidades também foram constatadas em Marataízes, município administrado pelo prefeito Robertino Batista da Silva, o Tininho.
“O MPES identificou que a mesma dinâmica ocorria no município de Marataízes. O prefeito do município, também suspeito do crime de corrupção passiva, foi alvo de um mandado de busca e apreensão na manhã desta quinta-feira (09/05). Entretanto, ainda precisamos consolidar as informações em relação aos objetos e valores arrecadados. Ainda de acordo com elementos nos autos, o prefeito e a esposa viajaram para São Paulo e tiveram a hospedagens e espetáculos de teatros custeadas como contraprestação de pagamentos nos valores dos contratos firmados”, afirmou o procurador de Justiça Josemar Moreira.
Durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência do prefeito de Marataízes, na quinta-feira (09/05), os policiais militares e integrantes do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES apreenderam R$ 16.450,00 em dinheiro e uma arma.
O prefeito foi preso em flagrante em razão da apreensão de arma de fogo sem registro. Ele foi levado para a Delegacia de Itapemirim, onde foi autuado. Porém, o prefeito Tininho pagou faiança e acabou liberado para responder em liberdade. Ainda em relação ao prefeito de Marataízes, a Justiça não acolheu o pedido de afastamento funcional dele.
Já em relação às investigações envolvendo os municípios de Jaguaré e Piúma, o Gaeco explicou que ainda estão no início. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão nas sedes das prefeituras e secretarias dessas cidades para recolher os contratos de limpezas pública, firmados com a mesma empresa investigada em Presidente Kennedy.
Também foram cumpridos nesta quinta-feira dois mandados de busca e apreensão na Prefeitura de Jaguaré e no Serviço de Abastecimento de Água (SAAE) do município.
Os presos na Operação Rubi:
– Amanda Quinta Rangel, prefeita de Presidente Kennedy;
– José Augusto Rodrigues de Paiva, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico
– Marcelo Marcondes Soares, empresário
– Cristiano Graça Souto, motorista
– Isaias Pacheco do Espírito Santo, contador da empresa de limpeza urbana
Prisão em Marataízes
– Robertino Batista da Silva, prefeito de Marataízes, foi preso na manhã de hoje em flagrante em razão da apreensão de arma de fogo sem registro. O prefeito pagou fiança e foi solto.
Operação Lee Oswald: Justiça ainda não julgou ações contra o tio da prefeita Amanda Quinta
Amanda Quinta é sobrinha de Reginaldo dos Santos Quinta, que, no dia 19 de abril de 2012, foi alvo da Operação Lee Oswald, desencadeada na ocasião pela Polícia Federal (PF), Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
Autorizada pelo desembargador Pero Valls Feu Rosa, integrante da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça – ele também presidia o Corte naquela época –, a Operação Lee Oswald teve o objetivo de desarticular quadrilha que vinha praticando crimes contra a Administração Pública no município de Presidente Kennedy.
Pelo menos 28 pessoas foram presas na operação, que teve a participação de 190 policiais federais e 21 servidores da CGU. A operação cumpriu ainda 51 mandados de busca e apreensão. Dentre os presos, estava o tio de Amanda, Reginaldo Quinta.
De acordo com o MPES na ocasião, as investigações revelaram “a existência de um esquema criminoso liderado pelo próprio prefeito municipal, Reginaldo dos Santos Quinta”.
Reginaldo foi denunciado em diversos procedimentos pelo MPES, mas até este momento o Juízo de Presidente Kennedy julgou os processos. Há ações penais – esfera criminal – e Ações de Improbidade Administrativa ainda sendo analisadas sete anos depois.
A Operação Lee Oswald foi um desdobramento das operações Moeda de Troca e Tsunami, já realizadas, respectivamente, em Santa Leopoldina e Fundão. Dada a extensão dos elementos de prova colhidos, o relator da ação penal, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, solicitou ao Ministério da Justiça o envio ao Espírito Santo de uma força tarefa para auxiliar as investigações. Mas Pedro Valls não foi atendido.