Investigado pela Diretoria de Inteligência da Polícia Militar pela acusação de usar as dependências do Quartel do Comando Geral da PM do Espírito Santo, em Maruípe, para comandar uma quadrilha de estelionatários que aplicava golpes em Vitória e em Ibiraçu e, posteriormente, denunciado pelo Ministério Público Militar por corrupção ativa e passiva, o major Manoel Machado Coelho Neto acaba de ser condenado apenas por prevaricação. Pegou nove meses de detenção em regime inicial aberto.
A audiência de julgamento ocorreu no dia sentença publicada em 7 de fevereiro. A decisão que condenou o major é do Conselho Especial de Justiça, formado pelos coronéis PM Edmilson Moulin Ferreira, Carlos Henrique Pereira França e Glauco Carminat Rodrigues e o tenente-coronel José Dirceu Pereira.
Os quatro juízes-militares entenderam que no trabalho de investigação da sempre eficiente Dint e na denúncia do Ministério Público Militar não havia elementos suficientes que pudessem provar que o major Coelho Neto recebeu compensações financeiras para comandar a quadrilha.
Consideraram que o colega de farda cometeu apenas prevaricação – que consiste em retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Na presidência do julgamento do processo atuou o juiz titular da Vara da Auditoria da Justiça Militar, Getúlio Marcos Pereira Neves. De acordo com os autos do processo 024100040542, o Ministério Público Militar Estadual ofereceu denúncia contra o major Coelho Neto porque “o denunciado, Oficial Superior da PMES, promovia em área sujeita à Administração Militar, no caso no interior do Quartel do Comando Geral da Corporação, conforme testificam as transcrições telefônicas que acompanham os autos, ações de quadrilha especializada na prática de estelionatos.”.
Consta, ainda, que o major Coelho Neto, segundo as peças da denúncia e de acordo com investigações da Dint, “que as ações levadas a efeito pelo denunciado consistiam em orquestrar as ações da quadrilha o que era feito, segundo retrataram as interceptações telefônicas realizadas, durante o horário de serviço do denunciado, no interior do Quartel do Comando Geral da PMES, ou seja, em área sob administração militar. Neste sentido, transcrições das interceptações telefônicas realizadas, testificam que o denunciado utilizava suas prerrogativas funcionais para dar proteção aos membros da quadrilha, além de efetivamente atuar como mentor intelectual dos crimes perpetrados”.
Em outra parte da denúncia, o Ministério Público Militar informa que policiais militares ouvidos nos autos garantem ter visto um dos vigaristas conversando com o major Coelho Neto dentro do QCG de Maruípe.
“Depreende do relatório conclusivo do Encarregado do IPM (fls. 69, 90 e 91 dos Autos Apartados), o que somente vem a corroborar que o percebimento das vantagens ilícitas auferidas por parte do denunciado com os golpes aplicados pela quadrilha se dava em razão da utilização de seu cargo público e meticuloso planejamento dos golpes dentro do Quartel do Comando Geral da PMES. Resta também patente que os civis que atuavam juntamente com o denunciado possuíam fortes vínculos, pois quando ouvidos mentiram a respeito de se conhecerem ou mesmo de praticarem atos ilícitos, não obstante a Corregedoria da Polícia Militar ter logrado durante investigações fotografar o denunciado MAJ PM MANOEL MACHADO COELHO NETO em via pública justamente em companhia de WELLINGTON, JOEL e outro homem até então não identificado, conforme fotos de fls. 209 a 213. Ainda, extrai-se das transcrições dos diálogos mantidos pelo denunciado que este concorreu para que ELCIONE ofereça indevida vantagem econômica a Policiais Militares de Ibiraçu, visando que estes não realizassem a prisão daquele indivíduo, sendo que ao que parece aquele infrator foi preso, sendo arrecadado em seu poder cheques que na gíria dos infratores eram conhecidas como “chiquitas” e outros documentos possivelmente falsificados”, diz trecho da denúncia oferecida pelo MP.
Na sentença, o juiz auditor Getúlio Marcos Pereira Neves ressalta que a denúncia do Ministério Público Militar narra vários episódios, calcada nos relatórios de Inteligência da Polícia Militar, por sua vez baseado em interceptações telefônicas realizadas com ordem judicial.
“Esse meio de prova, aliás, não foi impugnado pela defesa, havendo nos autos prova de que o acusado solicitou a transferência de uma das linhas interceptadas para o endereço de sua residência”, lembra o magistrado na sentença.
Porém, “para a unanimidade do Conselho Especial de Justiça, os indícios colhidos na fase inquisitorial não se convolaram em provas robustas de que o acusado tenha levado alguma vantagem por conta de sua atuação nestes autos, nem de que tenha influenciado diretamente a atuação de algum agente público, não se podendo falar nos tipos dos arts. 308 e 309 do CPM.”
No entanto, também para a unanimidade do Conselho Especial de Justiça, “a sua conduta, frequentando e inclusive sendo fotografado em companhia de elementos infratores, um deles, inclusive, detido em flagrante por tentativa de estelionato, vai contra a conduta esperada de um oficial superior da PMES.”
Prossegue a sentença: “Essa conduta transpõe a esfera disciplinar e consuma o tipo do art. 319 do CPM quando o acusado, em vez de coibir a prática de ilícitos por parte de seus conhecidos, como é sua função, orienta-os a como proceder para se furtar da ação policial, como no caso da detenção em flagrante de um deles na Comarca de Ibiraçu”.
Ainda segundo o que foi julgado, “o sentimento pessoal, elemento subjetivo do tipo do art. 319 do CPM, traduz-se pelo sentimento de amizade do acusado para com o irmão de um dos infratores, policial militar inativo, conforme declarou a testemunha ouvida” pela Justiça Militar.
“Assim, à unanimidade de votos, houve por bem o Conselho Especial de Justiça Militar desclassificar a conduta para o tipo do art. 319 do CPM, com fulcro no art. 437, alínea “a” do CPPM, conforme lhe autoriza a Súmula n.º 05 do Superior Tribunal Militar”.
Por isso, o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves, à vista da decisão soberana do Conselho Especial de Justiça Militar, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o acusado Manoel Machado Coelho Neto nas iras do artigo 319, do Código Penal Militar, passando a dosar-lhe a pena:
“Verifico que o delito praticado foi grave, concorrendo para lançar o descrédito sobre a Corporação pela atuação omissa de um seu oficial superior, sensação esta que não é mensurável nem aferível por meios concretos; os meios empregados e o modo de execução, orientando pessoas a cometerem ilícito penal, conforme consta das degravações nestes autos; da mesma forma, as circunstâncias de tempo e lugar do delito, já tendo sido decidido em segunda instância que os fatos se deram dentro do Quartel do Comando Geral, em horário de expediente, o que depõe contra ele; sendo as demais circunstâncias judiciais, a critério do Conselho Especial de Justiça, a ele favoráveis, deliberou o órgão judicante na aplicação da Pena Base de 09 (meses) meses de detenção, que torno definitiva na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição e aumento de pena a considerar. O regime inicial de cumprimento será o aberto.”
“Atento às disposições do art. 84 do CPM, e à vista da análise a que se procedeu do art. 69 do mesmo diploma legal, concedo-lhe o benefício da suspensão condicional da pena, o que faço na forma do art. 606 do CPPM, pelo prazo mínimo, de 02 (dois) anos, mediante observância das condições legais das alíneas “b”, “d” e “e” do art. 626 do CPPM”, encerra o juiz Getúlio Neves.