A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo tomou uma decisão inédita ao seguir as regras básicas de respeito à dignidade de um preso e aos direitos humanos. Seguindo o voto do relator de uma Apelação Criminal, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, o Colegiado anulou o julgamento do Tribunal do Júri de Vitória, que condenou Álvaro Henrique Rubens Lyrio a 16 anos e seis meses de reclusão pela acusação de matar a jovem Érica Silva Correa numa suposta guerra de tráfico na capital capixaba.
A decisão de anulação do Tribunal do Júri ocorreu em razão do réu Álvaro ser o único que estava vestido com o uniforme do sistema prisional durante o julgamento. O réu deverá ser submetido a um novo júri popular. A Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) é a responsável pelo sistema prisional capixaba.
De acordo com o processo número 00208245520138080024, Álvaro foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo de, junto com dois parceiros – Kennedy Martins Romania e Kenya Khrystie Martins Romania – de matar a tiros a jovem Érica, crime ocorrido na tarde do dia 11 de abril de 2013, na rua Ângelo Zardini, bairro Santa Marta, em Vitória.
No entanto, apesar das provas dos autos, os jurados decidiram que somente Álvaro teria cometido o assassinato e absolveram Kennedy e Kenya. O julgamento ocorreu na mesma sessão, em 17 de março de 2017. Kennedy e Kenya estavam vestidos com trajes comuns.
De acordo com o voto do relator Pedro Valls Feu Rosa, os outros dois réus, que foram absolvidos, vestiam-se com roupas normais, o que pode ter influenciado de forma indevida os jurados.
“Podemos observar que o réu Álvaro, único condenado, usa uniforme do sistema prisional, bermuda e blusa azuis e chinelos e os réus Kennedy e Kenia, absolvidos, trajam suas vestimentas normais, como calça jeans, blusa social e sapatos.”
Para o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, houve violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e infringência ao princípio da isonomia: “Assim, uma pessoa vestindo o uniforme do sistema prisional carrega toda a carga de condenação inerente ao inconsciente do ser humano que ali está julgando seu semelhante”, destacou o relator.
O desembargador citou ainda, em seu voto, um documento das Nações Unidas com normas para boas práticas no tratamento da pessoa presa, entre elas a que estabelece a possibilidade do preso utilizar-se de suas próprias roupas em casos excepcionais.
“Ora, comparecer ao julgamento que decidirá os rumos de sua vida, a meu ver reveste-se da excepcionalidade contida na norma acima transcrita permitindo, por consequência, ao réu a utilização de suas próprias vestes”, destacou Pedro Valls Feu Rosa, concluindo que a sessão do Tribunal do Júri demonstrou “flagrante incongruência e desrespeito às garantias mínimas e fundamentais de todos”.
O novo julgamento perante o Tribunal do Júri será exclusivamente para esse réu, que teve a sua sentença anulada.
De acordo com os autos, Álvaro, Kennedy e Kenya mataram Érica por motivo torpe, uma vez que os acusados do bairro Andorinhas – bairro vizinho a Santa Marta, onde a moça foi morta – achavam que a vítima estava passando informações sobre o tráfico de drogas por eles realizados a um grupo rival. “Consta, ainda, que o delito foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, que foi surpresada pela ação preparada pelos acusados, que dissimuladamente a levaram para o local onde seria morta”, diz o processo.
O julgamento do recurso da defesa de Álvaro ocorreu na sessão da 1ª Câmara Criminal do dia 30 de agosto deste ano. O acórdão da decisão foi publicado no Diário de Justiça do Estado no dia 14 de novembro de 2017.