O governo da presidente Dilma Roussef (PT) acaba de publicar a Portaria Normativa número 3.461/2013 que dá poderes às Forças Armadas, a seis meses do início da Copa do Mundo, de realizar policiamento ostensivo, combater o crime organizado e acabar com manifestações violentas, saques e depredações a patrimônio público e privado. Tropas federais poderão ser empregadas nos Estados, independente de pedido a ser feito pelos governadores. Bastará uma ordem da Presidência da República. Grupos de manifestantes já prometeram realizar protesto nas cidades onde vão acontecer jogos da Copa do Mundo.
Assinada pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, a portaria estabelece orientações para o planejamento e o emprego das Forças Armadas – Exército. Marinha e Aeronáutica – no que o governo denomina de “Operações de Garantia da Lei e da Ordem.” Os “inimigos” do Estado, desta vez, passam a ser o que o ministro denomina de “Forças Oponentes”.
Antes de ser elaborado no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas ( EMCFA), o manual foi apresentado para o ministro Celso Amorim, em reunião em dezembro do ano passado, em Brasília. Na ocasião, estiveram presentes o chefe do EMCFA, general José Carlos De Nardi, e o chefe da Assessoria de Doutrina e Legislação, general Manoel Lopes de Lima Neto.
“Embora a referência ao emprego das Forças Armadas em atividades de segurança pública já se fizesse presente em Constituições anteriores, a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem prevista no art. 142 da Constituição Federal de 1988 somente veio a ser disciplinada, em âmbito infraconstitucional, com o advento da Lei Complementar nº 97/99. A regulamentação desta forma de emprego veio a ocorrer somente com a aprovação do Decreto nº 3.897/2001”, justifica o ministro Celso Amorim, conforme publicação feita no Diário Oficial da União de 20 de dezembro de 2013.
Em julho passado, o Brasil enfrentou manifestações populares com reivindicações justas e democráticas. No início, eram pacíficas, mas depois grupos de vândalos se misturaram aos manifestantes e passaram a praticar atos de violência, como saques a prédios públicos e privados, destruição de patrimônio e ataques com pedras e bombas a policiais militares. A maioria das ações foi comandada pelo grupo denominado “Black Blocs”
No Espírito Santo, baderneiros invadiram e ocupara por uma semana as dependências da Assembleia Legislativa, onde usaram drogas, bebidas alcoólicas e depredaram vários andares do prédio, que fica na Enseada do Suá, em Vitória. Os vândalos saíram após negociações com a Justiça, sem que a polícia usasse o uso da força. Outros vândalos atacaram os prédios do Tribunal de Justiça, Corregedoria de Justiça, Tribunal Regional Eleitoral, Ministério Público Estadual e até o Palácio Anchieta.
O Ministério da Defesa enumera alguns conceitos para facilitar o entendimento da portaria: 1) Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem;
2) Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio;
3) Ameaças são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio, praticados por “força oponentes” previamente identificadas ou pela população em geral.
Em suas considerações iniciais, o Ministério da Defesa diz que as “Operações de Garantia da Lei e da Ordem caracterizam-se como operações de ‘não guerra’, pois, embora empregando o Poder Militar, no âmbito interno, não envolve o combate propriamente dito, mas podem, em circunstâncias especiais, envolver o uso de força de forma limitada, podendo ocorrer tanto em ambiente urbano quanto rural.
Ainda segundo o documento, as operações “vão abranger o emprego das Forças Armadas em variados tipos de situações e atividades, em face das diversas formas com que as F Opn (Forças Oponentes) poderão se apresentar”. De acordo com a portaria, os planejamentos, para a execução das operações, “deverão ser elaborados no contexto da Segurança Integrada, podendo ser prevista a participação do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos de segurança pública.”
“Outros órgãos e agências, dos níveis Federal, Estadual e Municipal, poderão se fazer presentes em alguns casos. Desta forma, é fundamental o conhecimento dos princípios das Operações Interagências constantes de publicação específica”, diz o documento.
Sistemática do emprego de meios federais em Operações de Garantia da Lei e da Ordem
A Portaria Normativa do Ministério da Defesa deixa claro também que o emprego das Forças Armadas em operações “tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.”
Para o Ministério da Defesa, “consideram-se esgotados estes instrumentos quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular da missão constitucional.”
Em caso de emprego das Forças Armadas, “caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública (OSP) necessários ao desenvolvimento das ações, para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir, sob seu controle operacional, um Centro de Coordenação de Operações (CCOp), composto por representantes dos órgãos públicos e/ou outros órgãos e agências, nos níveis federal, estadual e municipal, bem como empresas e ONG.”
Ainda de acordo com o documento, a decisão do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem compete exclusivamente ao Presidente da República, por iniciativa própria, ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
O Ministério da Defesa, porém, ressalta que o “Presidente da República, à vista de solicitação do Governador de Estado ou do Distrito Federal, poderá, por iniciativa própria, determinar o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.”
Normas de Conduta
O documento fala também de normas de conduta dos militares das Forças Armadas. Explica que, por se tratar de um tipo de operação que visa a garantir ou restaurar a lei e a ordem, “será de capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação. Esta confiança é conquistada, entre outros itens, pelo estabelecimento de orientações voltadas para o respeito à população e a sua correta compreensão e execução darão segurança aos executantes, constituindo-se em um fator positivo para sua atuação.”
Diz a portaria que “as Normas de Conduta são prescrições estabelecidas no nível ministerial e dela devem demandar as Regras de Engajamento específicas a serem elaboradas pelas forças empregadas.” Cita que as Regras de Engajamento específicas deverão ser expedidas para cada operação e tipo de atuação visualizada, levando-se em consideração a necessidade de as ações serem realizadas de acordo com as orientações do escalão superior na observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e legalidade. Deve-se ter em mente também:
a) a definição de procedimentos para a tropa, buscando abranger o maior número de situações;
b) a proteção, aos cidadãos e aos bens patrimoniais incluídos na missão; e
c) a consolidação dessas regras, em documento próprio, com difusão aos militares envolvidos na operação.
Assistência Jurídica e Judicial
O governo prevê o enfrentamento de contestações judiciais quanto ao emprego das Operações da Garantia da Lei e da Ordem. Por isso, salienta que, “devido ao caráter diversificado e abrangente, as ações desenvolvidas nas operações serão vulneráveis à contestação, sendo importante a previsão de uma assessoria jurídica específica para a atividade capaz de assistir os comandantes e orientar os procedimentos legais a serem adotados.”
Forças Armadas vão agir independente dos órgãos de segurança pública
A Portaria Normativa destaca também que o planejamento e a execução contemplam a possibilidade de participação das Forças Armadas e órgãos do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e outros órgãos ou agências afins e de interesse da operação.
Durante os planejamentos, o conhecimento e a experiência dos diversos órgãos no desenvolvimento das ações de segurança pública deverá ser explorado e, durante as ações, os órgãos com vocação para a atividade em questão devem ter prioridade de emprego, cabendo às Forças Armadas, prioritariamente, complementar as ações.
No entanto, o Ministério da Defesa deixa claro que “deve ser previsto o emprego das Forças Armadas de forma independente dos Órgãos Públicos destinados à segurança pública, quando o esgotamento deles decorrer de movimentos contestatórios.”
Ainda segundo o Ministério da Defesa, a intensidade e a amplitude no tempo e no espaço do emprego da força deve se limitar ao indispensável, de modo a evitar o desgaste para as Forças Armadas empregadas nas operações.
O documento reconhece que “esse desgaste tende a aumentar com o tempo em função de possíveis danos indesejáveis ao patrimônio e à integridade física, mental e moral da população civil ou da implantação de medidas que afetem a rotina da população, por força da execução da Operação.”
Sempre que possível, esclarece o Ministério da Defesa, “as operações devem se pautar no uso progressivo da força e deverá ser priorizado o uso de armamento, munição e equipamentos especiais, não letais e de reduzido poder de destruição.” E completa: “O planejamento e a execução das ações devem privilegiar a menor intervenção possível na rotina diária da população.”
Autorizado o uso do Princípio de Guerra da Massa contra manifestantes
A Portaria ministerial informa que nas Operações da Garantia da Lei e da Ordem contra as “Forças Oponentes” o embate deverá ser evitado, buscando-se a solução do conflito por meios pacíficos. Entretanto, nas situações em que o diálogo se mostrar inadequado, “a tropa deverá fazer o uso progressivo da força.”
Ações dissuasórias devem ser adotadas para que as ameaças identificadas não se concretizem, evitando, assim a adoção de medidas repressivas, informa o documento. “Esta dissuasão deve ser obtida lançando-se mão de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Operações da Garantia da Lei e da Orem em relação às Forças Oponentes”.
E o Ministério da Defesa justifica tal autorização: “Nesse mister, demonstrações de força e de poder de combate superior ao oponente e da ampla utilização de policiamento ostensivo, resultarão no desestímulo para as ações das F Opn (Forças Oponentes)”.
Emprego da Comunicação Social
O governo entende que a propaganda positiva em favor das Forças Armadas, durante as operações, será essencial para o sucesso dos trabalhos do Exército, Marinha ou Aeronáutica. Por isso, salienta que “a utilização adequada da Comunicação Social em seu sentido mais abrangente (Relações Públicas, Informações Públicas e Divulgação Institucional) possibilitará a consecução dos objetivos permanentes, ou seja, a conquista e a manutenção do apoio da população e a preservação da imagem das forças empenhadas.”
Segundo o governo, “um simples incidente poderá ser explorado pelas Forças Oponentes ou pela mídia, comprometendo as operações e a imagem das Forças Armadas”.
Uso da Psicologia para conquistar simpatia do povo
Segundo o documento elaborado pelo Alto Escalão das Forças Armadas, “o apoio das Operações Psicológicas exige planejamento prévio, minucioso e centralizado no mais alto escalão e será básico para a conquista e manutenção do apoio da população, de sorte a desenvolver uma atitude contrária às Forças Oponentes e outra favorável em relação às forças envolvidas nas Operações da Garantia da Lei e da Ordem.”
O Ministério da Defesa decidiu que sempre que possível, “antecederão o emprego da tropa por meio de campanha psicológica a ser desenvolvida sobre o público-alvo considerado. Elas permanecerão ativas durante a operação e após seu término, perdurarão pelo tempo que for necessário podendo, inclusive, extrapolar a área de operações.”
Os principais objetivos das Operações Psicológicas são: a) obter a cooperação da população diretamente envolvida na área de operações, desenvolvendo uma atitude contrária às Forças Oponentes e outra favorável às forças empregadas; b) estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações; c) enfraquecer o ânimo e o moral das Forças Oponentes compelindo-os à desistência voluntária; e d) fortalecer o sentimento de necessidade do cumprimento do dever na força empregada, aumentar o seu potencial de engajamento e torná-la imune às atividades de cunho psicológico das Forças Oponentes.
Negociação durante tumultos
A negociação em Operações da Garantia da Lei e da Ordem pode ser entendida como a ação de convencimento empreendida pelas forças. A negociação promove entendimentos, controlando a situação e procurando evitar a confrontação.
“A negociação é parte inicial das operações, precedendo o emprego da dissuasão e o uso progressivo da força. É empregada, principalmente, na desocupação de áreas, desobstrução de vias e no controle de distúrbios.”
Para o Ministério da Defesa, não existe a caracterização de “inimigo” na forma clássica das operações militares, “porém torna-se importante o conhecimento e a correta caracterização das forças que deverão ser objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações.” Dentro dessa premissa, o governo federal entende que os novos inimigos do Estado são:
a) movimentos ou organizações;
b) organizações criminosas, quadrilhas de traficantes de drogas, contrabandistas de armas e munições, grupos armados etc;
c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações ou em OSP (Órgãos de Segurança Pública), provocando ou instigando ações radicais e violentas;
d) indivíduos ou grupo que se utilizam de métodos violentos para a imposição da vontade própria em função da ausência das forças de segurança pública policial.
De acordo com a Portaria Normativa, as Forças Armadas vão enfrentar as seguintes situações durante uma Operação da Garantia da Lei e da Ordem:
a) ações contra realização de pleitos eleitorais afetando a votação e a apuração de uma votação;
b) ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras;
c) bloqueio de vias públicas de circulação;
d) depredação do patrimônio público e privado;
e) distúrbios urbanos;
f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas;
g) paralisação de atividades produtivas;
h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos
do País;
i) sabotagem nos locais de grandes eventos;
j) saques de estabelecimentos comerciais.
Forças Armadas vão ter papel de Polícia
O Estado, ressalta o governo federal, com o objetivo de proteger os interesses da sociedade, “poderá agir de forma coercitiva e utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas contrárias ao ordenamento jurídico, cujos órgãos (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) responsáveis pela sua preservação constam do art. 144 da Constituição Federal”.
Mais adiante, a Portaria ministerial conclui que as “Forças Armadas poderão ser empregadas em substituição desses órgãos, conforme os preceitos legais, exercendo nessas ocasiões o poder de polícia.” As Operações Tipo Polícia, como ações repressivas, serão realizadas em ambiente urbano ou rural e executadas em todas as Operações da Garantia da Lei e da Ordem.
“A tropa deverá restringir a sua atuação estritamente no cumprimento da missão recebida e utilizar equipamento adequado, mediante o uso moderado dos meios e proporcional à infração, com a finalidade de minimizar os danos às pessoas e ao patrimônio”, ressalta o documento.
As operações policiais das Forças Armadas terão por objetivos principais: a) controlar a população; b) proporcionar segurança à tropa, às autoridades, às instalações, aos serviços essenciais, à população e às vias de transportes; c) diminuir a capacidade de atuação das Forças Oponentes e restringir-lhes a liberdade de atuação; e d) apreender material e suprimentos.
Segundo o governo, todas as unidades operacionais das Forças Armadas, particularmente as de combate, são aptas para a execução de Operações Tipo Polícia, com destaque para as unidades de polícia, infantaria e fuzileiros navais. “As unidades da Polícia Militar dos Estados e do Distrito Federal são especialmente preparadas para a execução de Operações Tipo Polícia. Os demais órgãos de segurança pública poderão ser empregados, coordenadamente, de acordo com as próprias especificidades e competências.”
A Portaria Normativa nº 3.461/2013 estabeleceu também as principais ações a serem enfrentadas pelas Forças Armadas:
a) assegurar o funcionamento dos serviços essenciais sob a responsabilidade do órgão paralisado;
b) combater a criminalidade;
c) controlar vias de circulação urbanas e rurais;
d) controlar distúrbios;
e) controlar o movimento da população;
f) desbloquear vias de circulação;
g) desocupar ou proteger as instalações de infraestrutura crítica, garantindo o seu funcionamento;
h) evacuar áreas ou instalações;
i) garantir a segurança de autoridades e de comboios;
j) garantir o direito de ir e vir da população;
k) impedir a ocupação de instalações de serviços essenciais;
l) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas;
m) interditar áreas ou instalações em risco de ocupação;
n) manter ou restabelecer a ordem pública em situações de vandalismo, desordem ou tumultos;
o) permitir a realização do pleito eleitoral dentro da ordem constitucional;
p) prestar apoio logístico aos OSP (Órgãos de Segurança Pública) ou outras agências;
q) proteger os locais de votação;
r) prover a segurança das instalações, material e pessoal envolvido ou participante de grandes eventos;
s) realizar a busca e apreensão de materiais ilícitos;
t) realizar policiamento ostensivo, estabelecendo patrulhamento a pé e motorizado;
u) restabelecer a lei e a ordem em áreas rurais; e
v) vasculhar áreas.
Crédito de fotos: Assessoria de Comunicação do Ministério da Defesa.