Um coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Espírito Santo se livrou de um julgamento em que foi denunciado pelo Ministério Público Estadual Militar pela acusação de desonrar e humilhar uma policial militar com o intuito de manter relação sexual com ela. O oficial foi denunciado pela prática do crime inserido no artigo 176 – ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante – do Código Penal Militar.
Na prática, o oficial teria também cometido assédio sexual contra uma cabo, dentro das dependências do Quartel do Comando Geral da PM, em Maruípe, Vitória, há oito anos e três meses.
Por conta desse caso em que acabou se livrando do julgamento, o coronel chegou a ser preso no dia 16 de março de 2013. Teve prisão domiciliar e uma semana depois ele foi solto. Esta foi a terceira acusação de assédio sexual que pesou contra o coronel. Uma vítima foi uma soldada e, a outra, uma tenente. Nos dois, ele também foi “absolvido” no âmbito administrativo da PM.
O CPM, que é de 1969, numa época em que não havia a presença de mulheres nas Polícias Militares Estaduais e nem nas Forças Armadas, não prevê o crime de assédio sexual no ambiente militar. Por isso, o coronel foi denunciado apenas nas iras do artigo 176.
O coronel se livrou de uma possível condenação da agressão contra a cabo depois que o próprio Ministério Público Estadual Militar requereu a extinção da ação penal, tendo em vista que a pretensão punitiva estatal foi alcançada pela prescrição. Se fosse julgado e condenado, o coronel poderia pegar pena de detenção, de seis meses a dois anos.
O pleito do MP foi acolhido pelo juiz Getúlio Marcos Pereira Neves, da Vara da Auditoria Militar. O oficial, que exercia o cargo de diretor de Apoio Logístico (DAL) da corporação, foi, na época, exonerado da função pelo Comando-Geral da PM.
Consta no processo que o Ministério Público Militar Estadual ofereceu denúncia em desfavor do coronel, como incurso nas sanções do artigo 176 do CPM, constando da denúncia que “na data de 15 de março de 2013, policial militar – que era cabo à época – formulou reclamação em desfavor do denunciado, “na qual se verificou a prática de ofensa aviltante contra inferior”.
O denunciado, diz a denúncia, usou de violência física para tentar agarrar a vítima, que narra que no dia 21 de janeiro de 2013 entrou na sala do denunciado que foi em sua direção, trancou a porta e falou: ‘Peraí, calma, só um pouquinho, não vou fazer nada com você”.
A cabo, então, empurrou o coronel, que, “usando de força, tentou abraçá-la e agarrá-la”. Na denúncia, o MP ressalta que o coronel “constrangia a vítima para que esta se relacionasse amorosamente com ele, sob a ameaça de que a transferiria, razão pela qual a constrangida tolerava toda investida oriunda daquele oficial”.
Consta nos autos que quando foi transferida para a DAL, a policial passou a trabalhar como secretária do coronel. Sua transferência ocorreu após comentar com alguns oficiais que gostaria de trabalhar em uma unidade da PMES que a viabilizasse cuidar de sua filha.
Ao iniciar seu trabalho na DAL, a policial foi surpreendida pelo denunciado que questionou: “Você está conseguindo tudo que você quer, e eu vou ganhar o que com isso?”. Diante da indagação, a cabo passou a gravar algumas conversas com o coronel, que demonstram as investidas e o constrangimento passado por ela no ambiente de trabalho.
O Ministério Público frisa na denúncia que a tentativa do coronel “em conquistar esta militar, utilizando-se para tanto do seu poder de Diretor da DAL e do seu cargo de Coronel para alcançar seu objetivo, e a conseqüente rejeição por parte da cabo, culminou com constrangimento, ameaças de transferência, de não assinatura das escalas extras e de represálias como ‘vou cortas suas asinhas’.
Consta ainda na ação penal que, da relação de folhas 06/08 e das transcrições das conversas de folhas 201/237, “é possível perceber o intuito exclusivamente libidinoso do denunciado. Não obstante, agia intencionalmente o denunciado ao ofender a vítima em meio a outros policiais militares, com o fito exclusivamente aviltante, ou seja, querendo humilhar e constranger a vítima, afirmando, inclusive para outra policial militar, que a cabo estava devendo mais uma para ele e que duvidada se o marido da policial era mesmo bravo”.
Importante se faz ressaltar, prossegue a denúncia do Ministério Público, que o coronel utilizava de meios ardis para tentar se envolver com a vítima e de ser poder de comando para lograr êxito em suas investidas, conforme se pode observar na transcrição da conversa às folhas 207 em que o denunciado afirma: “Eu quero um beijinho pra passar o final de semana bem. Não? Gente, cê tá difícil. Vou começar a cortar suas asas”.
De acordo com a ação penal, diante das negativas às investidas proferidas pelo coronel, ele passou a concretizar suas ameaças e no dia 13 de março de 2013 oficiou ao Comando Geral da PMES solicitando a transferência da vítima para o 1º Batalhão da PM (Vitória).
Consta na ação penal que o Ministério Público Estadual Militar ofereceu a denúncia no dia 12 de agosto de 2013. Consta também que a denúncia foi recebida pelo Juízo em 30 de junho de 2015 – ou seja, quase dois anos depois. Só a partir do acolhimento da denúncia o réu foi citado e interrogado.
“Uma das causas ensejadoras da extinção da punibilidade é a prescrição, consoante se depreende do art. 123, IV do Código Penal Militar. Outrossim, o inciso VI do art. 125 do mesmo diploma legal regula em 4 (quatro) anos o prazo prescricional quando o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois”, explica o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves na sentença de extinção da punibilidade, cujo julgamento foi publicado no Diário Oficial da Justiça de 29 de setembro de 2020 e arquivado em definitivo em 15 de dezembro do mesmo ano.
“No presente caso, a ação penal movida contra o acusado encontra-se inexoravelmente fulminada pela prescrição, uma vez que entre o recebimento da denúncia e a presente (18 de fevereiro de 2020) data transcorreu lapso temporal de mais de quatro anos, sendo certo que o máximo da pena, para o delito previstos no art. 176 do CPM, não excede a dois anos de detenção. Face ao exposto, julgo EXTINTA A PUNIBILIDADE do acusado, à vista da prescrição da pretensão punitiva estatal, e o faço com base nos artigos 123, IV e 125 VII do Código Penal Militar”, conclui o magistrado, cuja decisão foi tomada em 18 de fevereiro de 2020.