Com o fim do segredo de Justiça nos processos relativos ao assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido há 11 anos, algumas revelações vêm a público e contradizem as informações oficiais divulgadas anteriormente pela própria Justiça, Ministério Público Estadual e Polícia Civil.
Diferente do que foi exaustivamente apresentado à sociedade, o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo Teixeira não foi pronunciado pela acusação de mandar matar Alexandre Martins e de ser o “autor intelectual” do assassinato. A então titular-titular da 4ª Vara Criminal (Privativa do Júri) de Vila Velha, juíza Elza Maria de Oliveira Ximenes, ao proferir sentença de pronúncia no processo número 035070236886, decidiu mandar Antônio Leopoldo a júri popular pelo “crime de omissão” e não de mando.
A decisão de mandar Leopoldo a julgamento pelo Conselho de Sentença de Vila Velha, entretanto, está subjudice. É que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ) Recurso Especial em que a defesa do magistrado, por meio dos advogados Fabrício de Oliveira Campos e Conceição Aparecida Giori, busca reverter a situação. O recurso foi acolhido pelo ministro Paulo Dias Moura Ribeiro, que vai decidir o futuro de Leopoldo no processo.
A sentença de pronúncia foi proferida pela juíza Elza Ximenes no dia 19 de dezembro de 2009. A decisão da magistrada contraria pedido do Ministério Público Estadual, que havia denunciado Antônio Leopoldo como um dos três mandantes do assassinato do juiz Alexandre Martins, morto a tiros no dia 24 de março de 2003, em Itapoã, Vila Velha. Os dois outros acusados de serem também supostos mandantes são o coronel da reserva da Polícia Militar Walter Gomes Ferreira e o empresário e ex-policial civil Cláudio Luiz Baptista, o Calu. Eles, no entanto, respondem processo em separado de Leopoldo. Calu está para ir a júri – seus recursos transitaram em julgado no STJ –, enquanto Ferreira aguarda julgamento de recurso também no STJ.
Na denúncia, o MP alega que “há nos autos fortíssimos elementos que comprovam a participação de Leopoldo no crime de homicídio”. O Ministério Público concluiu a denúncia afirmando que, “de acordo com o conjunto probatório, está caracterizado o crime de homicídio triplamente qualificado, cabendo a autoria intelectual ao magistrado Antônio Leopoldo, ao coronel Walter Gomes Ferreira e ao ex-policial Calu”.
Após ouvir depoimentos de diversas testemunhas, de acusação e de defesa, e analisar todos os documentos dos autos, a juíza Elza Ximenes não teria encontrado provas de que Leopoldo seria um dos mandantes e nem autor intelectual do assassinato do juiz Alexandre Martins. Entretanto, na sentença de pronúncia, a magistrada afirma que, “no rastro de mortes deixadas pela organização criminosa” da qual faziam parte outras pessoas, “instaladas no meio peculiar de convivência do denunciado (Antônio Leopoldo), mostra-se inimaginável que o mesmo não soubesse que o referido grupo de criminosos, ao qual passou a pertencer, tinha tomado a decisão de planejar e ceifar a vida da vítima”.
Por isso, “nesta linha de raciocínio”, salienta a juíza Elza Ximenes, “partindo da premissa de que há indícios nos autos que o denunciado Antônio Leopoldo tomou conhecimento e nada fez temos o que se denomina de crime omissivo impróprio, previsto no artigo 13, parágrafo 2, alínea ‘a’ e ‘c’ do Código Penal”.
Ao afastar a hipótese de crime de mando para Antônio Leopoldo – pela inexistência de provas nos autos –, a juíza Elza Ximenes o sentencia pela acusação de omissão. Ela diz na sentença na pronúncia haver provas suficientes de que o magistrado aposentado compulsoriamente “sabia da existência de um plano para matar o juiz Alexandre Martins”, mas não teria tomado providências para evitar o crime, como o de denunciar o caso às autoridades competentes.
“Por tudo que foi amplamente exposto, e considerando tudo mais que nos autos consta, julgo procedente a pretensão deduzida na inicial acusatória para pronunciar o réu Antônio Leopoldo Teixeira como incurso nas sanções dos artigos 288, parágrafo único – formação de quadrilha –, e artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV – matar alguém, por motivo fútil e à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido –, combinado com o artigo 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.; na forma do artigo 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela –, todos do Código Penal Brasileiro.”
Para os advogados do juiz Antônio Leopoldo, Fabrício de Oliveira Campos e Conceição Aparecida Giori, existem dois problemas na sentença de pronúncia proferida pela juíza Elza Ximenes. “O primeiro problema é de incoerência processual: há uma divergência entre a denúncia do Ministério Público e a pronúncia proferida pela Justiça. O outro problema é a contradição interna: como fazer conviver um suposto crime de mando com um de omissão?”, indaga Fabrício Campos.
“O nosso cliente, na fase de instrução, quando o réu e testemunhas são ouvidos em Juízo, sequer teve condições de se defender de omissão, porque esta acusação nunca existiu na denúncia do Ministério Público. Ou seja, a omissão não foi objeto de discussão”, completou Aparecida Giori.
O Ministério Público Estadual não recorreu da decisão de pronúncia da juíza Elza Ximenes de mandar Antônio Leopoldo a júri popular pelo “crime de omissão” e não de mando. Mas os advogados de defesa recorreram.
“Primeiro, provocamos o Tribunal de Justiça com uma apelação. Dissemos que a pronúncia da juíza Elza Ximenes era diferente da denúncia; o Tribunal se calou. Fizemos, então, um Recurso Especial junto ao STJ, que foi admitido. O STJ mandou o Tribunal de Justiça julgar nosso recurso. O TJ julgou e decidiu apenas que a pronúncia de primeiro grau estava correta, mas não apresentou justificativa. Fizemos novo Recurso Especial, que não foi admitido pelo Tribunal de Justiça. Por isso, fomos de novo ao STJ, com um agravo e Recurso Especial. No dia 17 de fevereiro deste ano, o ministro Moura Ribeiro, em decisão monocrática, deu provimento ao nosso agravo e vai analisar o pleito da defesa”, explicou a advogada Aparecida Giori.
Segundo o advogado Fabrício Campos, o ministro Moura Ribeiro é o relator do Recurso Especial e sua decisão vai ser apreciada por um colegiado de ministros. O STJ vai analisar todo o teor do pedido da defesa e pode tomar uma das seguintes decisões: manter a sentença de pronúncia; anular a decisão de pronúncia; determinar a impronúncia ou absolver o juiz Leopoldo. Desde o dia 13 de março deste ano, o Recurso Especial está concluso para julgamento com o ministro Moura Ribeiro. O STJ pode tomar uma das decisões se o recurso for provido, porque pode a Corte entender por não dar provimento ao recurso. Assim, ao acolher o recurso especial, o ministro verificou que há possibilidade de ter havido violação à lei federal na decisão de pronúncia.
“Um Recurso Especial é admitido somente quando o STJ vislumbra a possibilidade de que houve ocorrência de violação à Lei Federal. Ao acolher o Recurso, o ministro Moura Ribeiro reconheceu que a defesa demonstrou violação na sentença de pronúncia do juiz Leopoldo. Agora, no julgamento do recurso, o STJ vai dizer se, de fato, houve a violação por nós apontada”, informou o advogado Fabrício Campos.
A decisão do ministro Moura Ribeiro do STJ
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 444.484 – ES (2013/0400142-3)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
AGRAVANTE : ANTÔNIO LEOPOLDO TEIXEIRA
ADVOGADO : FABRÍCIO DE OLIVEIRA CAMPOS E OUTRO(S)
ADVOGADA : CONCEIÇÃO APARECIDA GIORI
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. AUTUAÇÃO COMO RECURSO ESPECIAL
PARA MELHOR ANÁLISE. AGRAVO PROVIDO.
DECISÃO
Trata-se de agravo em recurso especial, interposto por ANTONIO LEOPOLDO TEIXEIRA, contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que inadmitiu seu apelo nobre, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, sob o fundamento de incidência das Súmulas 7 e 83, do STJ e da Súmula 283, do STF.
Em suas razões de recorrer, alega o agravante que o enunciado da Súmula 83, do STJ, não deve incidir porque cada julgado trata de situações específicas, sem possuir nenhuma similitude com os fatos analisados em suas razões de recurso especial. Sustenta que as teses não estão pacificadas no STJ, conforme precedentes em sentido contrário. No que se refere à divergência jurisprudencial, defende que a vedação de utilização de arestos proferidos em habeas corpus ocorre apenas nos embargos de divergência, ressaltando que o confronto analítico foi devidamente demonstrado. Aduz que a Vice-Presidência usurpou a competência do STJ ao adentrar no mérito do recurso especial. Argumenta que todos os fundamentos do acórdão recorrido foram minuciosamente impugnados, sendo inaplicável ao caso a Súmula 283, do STF. Por fim, afirma que não se trata de reexame de provas, mas sim de sua valoração, o que afasta a vedação da Súmula 7, do STJ.
Contraminuta apresentada (fls. 17.741/17.743-STJ).
A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 17.757/17.763-STJ).
É o relatório.
Decido.
Por entender necessário melhor exame da controvérsia, DOU PROVIMENTO ao agravo para determinar sua autuação como recurso especial, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ.
Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2014.
MINISTRO MOURA RIBEIRO
Relator
Advogado explica decisão do STJ em Recurso Especial
“O Recurso Especial tem dois ‘filtros’: um nos Tribunais dos Estados, que proferiram as decisões recorridas; outro no próprio STJ, onde o Recurso Especial é julgado. Sem passar por esses filtros, ele (Recurso Especial) não pode ser admitido, isto é, ter o seu mérito julgado.
O recurso de agravo no Recurso Especial quer dizer o seguinte: o Tribunal de origem, no caso, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), não admitiu o Recurso Especial feito pela defesa de Antônio Leopoldo, alegando que não é caso de Recurso Especial. Neste caso, a defesa apresenta o Recurso de Agravo, que pede que a admissibilidade (isto é, o processo de filtragem, por assim dizer) ocorra perante o STJ.
O que aconteceu, então, conforme se encontra na decisão do ministro Moura Ribeiro, foi a admissão do Recurso Especial, que aguardará, portanto, julgamento no seu mérito.
Na primeira parte da decisão, o ministro Moura Ribeiro fez um resumo do que o agravo alegou, bem como onde se localizam partes essenciais do recurso (contraminuta, isto é, alegações contrárias do Ministério Público Estadual), bem como parecer do Ministério Público Federal.
Basicamente, a decisão do ministro Moura Ribeiro afirma que as matérias colocadas no Recurso Especial merecem conhecimento, para a devida apreciação e, portanto, seria incorreto “abater-se” o Recurso Especial antes da deliberação de seu mérito.
Quando o ministro fala sobre súmula 83 e dissídio jurisprudencial, refere-se a questões técnicas relativas ao processo de “filtragem” do Recurso Especial. Vou tentar resumir: a A súmula 83 ( “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”) quer dizer o seguinte: se o STJ já firmou entendimento sobre alguma matéria, então só cabe aos TRibunais dos estados seguirem a orientação. Assim, eventual insurgência contra decisão que está de acordo com o que o STJ reiteradamente decide, não pode ser matéria de Recurso Especial (Resp). Ex.: Eu não posso entrar com Resp para discutir se inquéritos em curso servem ou não como antecedentes criminais para aumentar a pena do réu, porque o STJ já decidiu que não.
No caso, o TJES disse que o Antônio Leopoldo tentava formular recurso contrariando decisões pacificadas no STJ. Entretanto, demonstramos que nenhum dos argumentos pretendidos foi objeto de decisão semelhante do STJ em sentido contrário. Ao invés: provamos que o próprio STJ tem precedentes favoráveis ao Antônio Leopoldo.
Sobre o chamado “dissídio jurisprudencial”, o TJES entendeu que a defesa do Leopoldo não demonstrou divergência entre o que o TJES decidiu e outro Tribunal decidiu em caso semelhante. No caso, entretanto, demonstramos que o TJES decidiu e vem decidindo de forma oposta ao que outros tribunais decidiram com relação a um dos aspectos do recurso.”
Explicação dada pelo advogado Fabrício de Oliveira Campos a respeito da decisão do ministro Moura Ribeiro, do STJ.