O juiz Rodrigo Cardoso Freitas, da Vara da Fazenda Estadual de Vila Velha, condenou o Estado do Espírito Santo a indenizar em R$ 20 mil um ex-policial militar que foi vítima de prisão arbitrária e teria sofrido abuso de poder por parte de dois PMs: o cabo Édson Patrocínio Barbosa e o soldado Anderson Kleber Ribeiro. Segundo os autos do processo nº 00035100816640, no dia 1º de agosto de 2009, por volta de 22 horas, ao chegar do trabalho em sua residência, o ex-PM encontrou sua ex-esposa dentro de um quarto, mantendo relações sexuais com o atual namorado.
Diante da situação, iniciou uma discussão, já que a filha – na época de 5 anos – do casal estava em casa e poderia estar presente no quarto. Ainda segundo o ex-PM, ele e sua ex-esposa, embora separados, tinham um acordo de que continuariam morando na mesma casa, com a condição de jamais levar “parceiros sexuais” para a casa.
Durante a confusão, a mulher acionou a Polícia Militar, que, chegando às 22h40 na residência, acalmou os ânimos dos envolvidos e encerrou a ocorrência no local. Porém, , encerrada a ocorrência, a ex-esposa foi embora, mas retornou aos 30 minutos do dia seguinte, junto com a sua mãe, o cabo Édson Patrocínio Barbosa e o soldado Anderson Kleber Ribeiro, todos dentro de uma viatura.
Nesse momento, segundo a denúncia, havia na rua vizinhos, que presenciaram o fato de que os policiais militares, logo que chegaram, deram voz de prisão ao ex-PM, que protestou, dizendo que quem deveria ser presa era a sua ex-esposa, pelo fato de manter relações sexuais com a porta aberta e com uma criança dentro de casa.
Diante do protesto, o soldado Anderson, segundo a denúncia, respondeu, de arma em punho, com palavrões. O homem comentou para os militares que é ex-PM e que este não era um procedimento adequado de um policial. Ao perceber a agressividade e o descontrole do soldado, o ex-PM decidiu entrar na viatura, sendo conduzido ao Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) de Vila Velha juntamente com alguns vizinhos, onde foi acusado de desacato, conforme Boletim de Ocorrência nº 7956858.
Embora acusado de desacato, teve sua punibilidade extinta nos autos do processo nº 9146, que tramitou no 1º Juizado Especial Criminal de Vila Velha, por ausência de justa causa, conforme Termo de Audiência.
O ex-PM sustentou na ação que o comportamento praticado pelos dois policiais militares violou a sua dignidade, sendo que sofreu grande constrangimento por ter sido humilhado diante de seus vizinhos. Na sentença proferida pelo juiz Rodrigo Cardoso Freitas foi anexado resultado de uma sindicância feita pela Corregedoria Geral da Polícia Militar, em que ficou configurado que o soldado e o cabo cometeram crime de natureza militar e de transgressão da disciplina. Por isso, a Corregedoria instaurou Processo Administrativo contra os dois militares.
O Estado apresentou as seguintes alegações: i) que o pleito autoral não merece prosperar tendo em vista que o autor limitou-se a afirmar que foi agredido verbalmente por policiais militares, mas não trouxe qualquer prova do ocorrido; ii) que era o autor quem estava alterado e agressivo no momento da condução ao DPJ de Vila Velha, desrespeitando a autoridade policial com insultos morais, conforme Boletim de Ocorrência nº 7956858, às fls. 41; iii) que não há provas que demonstrem a existência de abusos e arbitrariedades na atuação de policiais militares, que agiram no cumprimento de seus deveres e em atenção aos ditames constitucionais, não havendo que se falar em obrigação de indenizar; iv) que, caso haja uma eventual condenação do réu, deve ser observado o critério da razoabilidade, adequando-se a fixação do quantum indenizatório à realidade jurídica e aos entendimentos jurisprudenciais, levando-se em consideração a situação econômica da vítima, a gravidade e a extensão da alegada lesão.
Na ação ordinária, o ex-PM pleiteou indenização por danos morais no valor de R$ 38.250,00. O magistrado, no entanto ficou em R$ 20 mil levando em conta os princípios da razoabilidade.
“Compulsando os autos vislumbro que o autor se indigna com o tratamento supostamente indevido por parte de agentes da Polícia Militar. Sendo assim passo a análise da existência do dano, sobretudo a relação entre a atuação do agente e o mesmo, bem como a responsabilidade do Estado em face do ocorrido. Em análise aos autos, inclusive os relatos das testemunhas em audiência, verifico a verossimilhança das alegações autorais, e, portanto, a ilicitude da atuação da Polícia Militar”, descreve o juiz Rodrigo Cardoso Freitas na sentença.
“Sendo assim, resta evidente que os policiais militares agiram em dissonância com seu exercício funcional, seja comissivamente ou omissivamente, o que demonstra a existência de ato ilícito, de acordo com os preceitos do art. 186 e 927, caput, do Código Civil. Portanto, tendo em vista que os agentes da Polícia Militar cometeram ato que enseja reparação, vejo a responsabilidade do Estado do Espírito Santo. Afinal, este tem responsabilidade objetiva pelos atos praticados por seus agentes em exercício da função”, ressalta o juiz Rodrigo Cardoso Freitas.
Por fim, o magistrado conclui: “O sistema jurídico brasileiro adota a teoria da responsabilidade objetiva, que impõe ao Estado o dever de indenizar os danos causados por agentes da administração pública, uma vez comprovado o liame fato-lesão, nos termos do artigo 37, parágrafo 6, da Constituição Federal. Estão presentes todos os elementos da responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que as provas juntadas demonstram que os policiais exorbitaram, no exercício de suas funções, o estrito cumprimento de seu dever legal, pois agiram de forma excessiva e abusiva. Acresça-se que não ficou comprovado qualquer ato ilícito que tenha sido praticado pelos autores. Mas emerge cristalino, desse exame dos autos, o abuso de poder praticado pelos policiais militares. No que se refere ao cálculo da verba indenizatória a título de danos morais, deve seguir três parâmetros, alicerçando-se a condenação no caráter punitivo para que o causador do dano sofra reprimenda pelo ato ilícito praticado, assim como deve haver também um caráter de compensação para que o lesionado, ainda que precariamente, recompor-se do mal sofrido e da dor moral suportada, considerando-se, ainda, a capacidade financeira do autor do ilícito.”.