Em 2001, quando ainda era prefeito de Vitória, o hoje deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) tentou explicar em uma reunião do Parlamento Latino (Parlatino), em São Paulo, os motivos que colocavam a capital capixaba como a mais violenta do País – com maior índice de assassinatos por cada grupo de 100 mil habitantes.
Disse ele, na época, que a cultura do capixaba era de violência, ainda mais porque 63% da população do Espírito Santo são de descendentes de italianos.
O prefeito revoltou a comunidade italiana, a ponto de provocar um protesto rápido e formal por parte do então cônsul da Itália no Estado, o ex-prefeito de Nova Venécia Walter De Prá, através de nota oficial.
Pouco tempo depois, um ex-secretário de Estado da Segurança Pública José Carlos Nunes – que é procurador de Justiça aposentado – tentou justificar os altos índices de homicídios do Espírito Santo também de maneira politicamente incorreta. Disse que o capixaba recebia muita influência do povo nordestino, a quem o então secretário considerava violento.
Agora, em janeiro de 2011, A Tribuna publica reportagem em que o atual secretário da Segurança e Defesa Social, Henrique Herkenhoff, estaria alegando que os capixabas têm cultura de violência.
Tudo para explicar porque o Estado ainda é dono de um dos maiores índices de homicídios do País: em 2010, foram 1.845 assassinatos – sem contar o latrocínio (roubo com morte) –, contra 2.034 em 2009. Diz o secretario, segundo A Tribuna:
‘‘No Espírito Santo, a ideia do homicídio é cultural, como uma forma de resolver relacionamento, briga de vizinhos e posses de terra’’. Em outro trecho da mesma reportagem, Herkenhoff teria dito:
‘‘As coisas aqui deságuam muito em homicídio. Isso é preocupante. Ainda existe uma facilidade aqui das pessoas adotarem o homicídio como forma de resolver problemas’’.
As justificativas das autoridades para os problemas são sempre motivo de interrogação. Na maioria das vezes, elas (autoridades) preferem não abordar (embora ataquem) os principais problemas.
Falar que nós capixabas temos uma cultura de violência pode ser um equívoco. Até porque um dos pontos que o secretário Henrique Herkenhoof, com certeza, vai atacar em sua gestão será a impunidade, que sempre foi um dos marcos da ‘‘cultura’’ policial e do Judiciário capixabas.
(Abrindo parênteses para exemplos da cultura de impunidade capixaba? Quem matou Aracelli Cabrero Crespo? Quem matou a também adolescente Isabele Cassani, estuprada e estrangulada na Beira-Mar? Cadê o julgamento dos mandantes de matar os advogados Marcelo Denaday e Carlos Batista?
E o acusado de mandar matar a esposa e a empregada numa mansão na Ilha do Frade? Virou prefeito, sem ter ido a julgamento, e até o final do ano passado costumava participar de cerimônias públicas no Palácio Anchieta, sem que nada tivesse acontecido.
E o que dizer dos acusados de mandarem matar o deputado estadual Antário Filho? Até hoje não foram para a cadeia. E os acusados de mandar matar o juiz Alexandre Martins de Castro Filho? É melhor parar por aqui com exemplos de nossas impunidades domésticas…Fecha parêntese).
Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público, nosso Estado ocupa a primeira colocação no número de inquéritos relativos a homicídios parados.
Até 31 de dezembro de 2007, são 13.610 inquéritos que estariam sem solução na Polícia Civil do Espírito Santo. O segundo Estado onde o número de resolução de inquérito mais preocupa é o Paraná, com 9.281.
O que impera nas ruas da Grande Vitória e de municípios do interior pode até ser a cultura da violência, mas fortemente ligada à cultura da impunidade.
Quando um cidadão participa de uma eleição e verifica que dentre os candidatos está um que é acusado – só está à espera de julgamento – de mandar matar a esposa e uma empregada, como ele se sente? Sente-se num Estado onde, realmente, impera a cultura da impunidade e não simplesmente da violência.
E o que leva à impunidade no Espírito Santo? É uma questão que o novo secretário da Segurança Pública terá condições de encontrar a resposta e tentar resolver.
Uma das resoluções é mais de cunho administrativo. Ao mesmo tempo em que o secretário Henrique Herkenhoff terá de cobrar da Polícia Civil a solução de inquéritos, ele vai ter a chance também de conhecer os velhos problemas da instituição, que hoje sofre com uma defasagem de 136 delegados.
O secretário vai ter em breve um raio X das polícias que ele já começou a administrar: a Polícia Civil e a Polícia Militar. Vai tomar conhecimento, por exemplo, que, ao longo dos últimos anos, os governadores do Espírito Santo criaram novas delegacias, mas não mexeram no Quadro Organizacional da Polícia Civil, que é de 1990.
Hoje, a Polícia Civil conta com 195 delegados na ativa, quando deveria ter 331, segundo estudos feitos pelo Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindelpo). No final do ano passado, governo do Estado anunciou concurso público para contratar 39 delegados.
Aos poucos, porém, o novo governo de Renato Casagrande está arrumando a casa – pelo menos a casa da segurança pública. Casagrande baixou portaria promovendo 52 delegados ao quadro de especial, o que representa uma ascensão profissional e melhoria salarial. No entanto, o salário de delegados capixabas, atualmente, é o 19° do País em relação aos demais estados.
Acabar com a impunidade, portanto, não é tarefa fácil. O governo tem pela frente uma luta árdua, pois terá de estimular os profissionais da segurança pública – o que já começou a fazer –, ao mesmo tempo em que vai ter de levar a paz para as ruas, com programas sociais que ajudem a tirar os jovens do mundo do crime.
Em bom lembrar que as polícias Militar e Civil do Espírito Santo são as que mais prendem criminosos no País. Entre 2003 e 2010, a população carcerária do Estado saiu dos cerca de 2 mil presos para mais de 10 mil. O Estado foi um dos que mais investiram na construção de novos presídios nos últimos oitos anos, todos considerados de segurança máxima.
A prisão de bandidos, então, deveria ter reduzido o número assassinatos? Em tese, sim. Mas não é assim que funciona.
O que falta ao Poder Público é o acompanhamento das ações policiais. Que fim levou na Justiça cada processo de um dos mais de 8 mil criminosos presos durante o governo Paulo Hartung?
Quantos foram denunciados pelo Ministério Público? Quantos foram julgados e condenados pela Justiça? São perguntas sem respostas. Se o Poder Público (Estado) tivesse o acompanhamento de cada uma das prisões, saberia responder se ainda vivemos ou não sob a cultura da impunidade.
Quando falamos Estado, incluímos o Poder Judiciário e o Ministério Público. Afinal, esse acompanhamento não deveria ser somente do governo estadual.