A rotina de enfrentamento do crime dos policiais é arriscada, mas não tem sido o principal desafio desses profissionais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, um total de 104 policiais (entre civis e militares) cometeu suicídio em 2018. Um número que ultrapassa o total de policiais assassinados em horário de trabalho.
“A taxa de suicídio entre policiais é três vezes maior que da população em geral. Trata-se de uma realidade assustadora e ainda marcada pelo silêncio das organizações de Segurança Pública. O adoecimento mental e suicídio entre policiais são problemas antigos, porém não encarados de forma adequada, por preconceito ou por uma abordagem equivocada. Quando um policial tira a própria vida, o impacto no ambiente de trabalho choca mais do que uma troca de tiros ou de uma missão arriscada”, diz a assistente social mestranda em Segurança Pública, Gegliola Campos da Silva.
Ela destaca que muitos são os fatores de risco que podem agravar os danos do estresse, o desgaste físico e o esgotamento mental de policiais. Entretanto, é preciso atenção institucionalizada às peculiaridades de uma organização de segurança pública na tentativa de maximizar os fatores de proteção e minimizar os possíveis “gatilhos” para transtornos mentais, que não tratados, podem levar ao suicídio.
“Nós temos um modelo de Segurança Pública que privilegia o investimento em equipamentos, o que também, claro, é muito importante, mas não pode se dar em detrimento à valorização dos profissionais, ao atendimento adequado, apoio e acompanhamento psicológico”, diz Marcus Firme, membro da União dos Policias do Brasil e presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo (Sinpef-ES).
“Programas de promoção à saúde, segurança no trabalho, garantia de direitos e suporte psicossocial, que fujam do imediatismo e do assistencialismo, precisam fazer parte da rotina de policiais, numa abordagem contra-hegemônica centrada nas reais necessidades de tais trabalhadores. Ao escolher uma profissão que tem como missão proteger a sociedade, o policial, muitas vezes, sofre danos físicos e/ou mentais. Quando isso ocorre, geralmente precisa conviver com a indiferença de gestores e da população a qual servem”, complementa Gegliola Campos.
A especialista diz que a sociedade exige uma polícia que seja eficiente e eficaz, mas precisa olhar com cautela para as mazelas às quais estes trabalhadores estão expostos.
“Policiais enfrentam, ao longo da carreira, inúmeros problemas, geralmente vivenciados em silenciosa solidão e potencializados pelo perigo que é ter uma arma na mão. É preciso conhecer a outra face da polícia e cuidar melhor dela. Essa face é vulnerável, sofre, adoece e se mata”, conclui a assistente social.