No momento em que a Assembleia Legislativa abriu uma CPI para investigar a atuação de uma suposta máfia dos guinchos que age no Espírito Santo, a Justiça acaba de condenar quatro coronéis da Polícia Militar – um deles, ex-comandante-geral da corporação – numa Ação de Improbidade Administrativa. A Justiça decidiu ainda pela expulsão de dois dos quatro coronéis condenados. Também foi condenada a Associação dos Servidores Policiais Militares do Batalhão de Polícia de Transito e Companhia de Polícia Rodoviária (Assetran/BPRV), que seria uma espécie de braço administrativo-financeiro da chamada ‘Máfia dos Guinchos’.
A sentença, no processo de número 0042918-70.2008.8.08.0024, assinada pelo juiz 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, Jorge Henrique Valle dos Santos, é a seguinte:
“1) Coronel VALDIR LEOPOLDINO DA SILVA JÚNIOR e tenente-coronel ALTIERE DE CARLO DA SILVA MACHADO: tendo em vista o alto grau de reprovabilidade de suas condutas, na qual, conforme aqui constatado, se utilizaram de suas funções públicas para auferir vantagem econômica indevida, entendo por cabível: a) perda de suas respectivas funções públicas na Polícia Militar deste Estado; e b) aplicação de multa civil, em desfavor de cada um dos réus, no valor de R$ 50 mil.
2) Coronel ANTONIO CARLOS BARBOSA COUTINHO, ex-comandante geral da PM: tendo em vista sua conivência e omissão diante da ciência de esquema ilícito no âmbito do BPRv/PMES, bem como na autorização indevida de quantia para as contas da ASSETRAN, entendo pertinente: a) Aplicação de multa civil, no valor de R$ 30 mil.
3) Coronel CARLOS MARX SIQUEIRA ROCHA, ex-subcomandante-geral da PM: uma vez que participou e anuiu com a transferência de verbas públicas para as contas privadas da ASSETRAN/BPRv, tenho como cabível: a) aplicação de multa civil, no montante de R$ 20 mil.”
4) O juiz Jorge Henrique Valle dos Santos sentenciou ainda: “Por fim, tendo em vista a configuração do dano ao erário estadual, consubstanciado no desvio de verbas oriundas do contrato de concessão de uso firmado pela PMES e Claro S/A, CONDENO os requeridos ASSETRAN/BPRv, ANTONIO CARLOS BARBOSA COUTINHO, CARLOS MARX SIQUEIRA ROCHA e VALDIR LEOPOLDINO DA SILVA JÚNIOR ao ressarcimento integral do dano, de forma solidária, no valor de R$ 60.882,62 (sessenta mil, oitocentos e oitenta e dois reais e sessenta e dois centavos), sendo este o valor indevidamente revertido para as contas da ASSETRAN/BPRv.”
Dos quatro oficiais condenado, somente o tenente-coronel Altieres permanece na ativa (os demais estão na reserva remunerada). Hoje, ele é comandante do 10º Batalhão da PM, sediado em Guarapari.
De acordo com o Ministério Público Estadual, foi instaurado inquérito civil (PCVT 1512/2008) para apurar informações no sentido de que a Associação dos Servidores Policiais Militares do Batalhão de Polícia de Trânsito e Companhia de Polícia Rodoviária seria uma entidade privada informalmente vinculada ao Batalhão de Trânsito da Polícia Militar e que estaria recebendo doações não contabilizadas de determinadas empresas, valores estes que seriam revertidos em prol dos interesses particulares dos dirigentes da comentada associação.
Sustenta o MP que foram formuladas informações apócrifas, denunciando o mau uso da verba angariada pela ASSETRAN/BPRv, consubstanciado, por exemplo, em realizações de festas e confraternizações destinadas tão somente aos Oficiais da Polícia Militar e que quando um associado de menor patente precisa de amparo financeiro, é mal tratado e humilhado perante outros membros da corporação, não recebendo o devido apoio da comentada associação.
Argumenta o Ministério Público que também foi noticiada a existência de um esquema liderado pelo militar requerido Valdir Leopoldino da Silva Júnior, então presidente da ASSETRAN/BPRv, que envolvia empresas de guincho e depósito de veículos, na qual eram repassadas pelos empresários uma determinada quantia em razão de cada veículo apreendido e conduzido ao pátio, existindo, inclusive, ordens no sentido de que deveriam ser apreendidos o maior número possível de veículos, com vistas a garantir maior proveito econômico aos líderes do referido esquema.
As denúncias recebidas também apontam que, conforme delineado na exordial, parte do dinheiro recebido pela apreensão dos carros era entregue pessoalmente ao coronel Valdir Leopoldino ou Altiere de Carlo e parte era depositado na conta da ASSETRAN/BPRV e que, ao invés de ser revertido em proveito de todos os associados, era utilizado de maneira irregular por seus dirigentes.
Aduz ainda o Autor que, após realizadas as diligências pertinentes, foi constatado o “modus operandi” de alguns policiais militares, os quais “constrangiam condutores com procedimentos irregulares para apreender seus veículos para, ao fim, angariar lucro em razão de repasses financeiros efetivados pelas empresas de guincho e depósitos de veículos.”
O Ministério Público aponta ainda que o então comandante-geral da PMES, coronel Antônio Carlos Barbosa Coutinho, tinha pleno conhecimento do esquema ilícito capitaneado pelo coronel Valdir Leopoldino, “se mostrando omisso para fins de perpetuação da comentada ilegalidade.”
Consta nos autos que em uma das contas bancárias da associação houve movimentação financeira de R$ 122.281,15 somente em razão de depósitos efetivados por empresas de guincho e pátio de depósito veicular. O magistrado Jorge Henrique Valle dos Santos destaca em sua sentença que “não obstante a robustez dos depoimentos, que apontam pela efetiva existência de indevido beneficiamento de empresas e do pagamento de propina em favor de determinados militares, ainda consta nos autos farta prova documental, consubstanciada em inúmeros recibos de ‘doações’ formuladas pelas empresas de guincho e pátio, inclusive na qual mencionam a quantidade de veículos recebidos pelo Batalhão de Trânsito da PMES”.
O juiz ainda afirma que “a certeza da impunidade por parte dos militares envolvidos nas ilegalidades atingiu tamanha proporção que, além dos recibos das supostas doações, foi expedido até mesmo ofício com timbre da PMES endereçado às empresas, no qual era cobrado o pagamento da propina, em uma verdadeira formalização da corrupção”.
O magistrado também frisa que o então presidente da associação “realizava reuniões periódicas com os empresários dentro das dependências físicas da Polícia Militar para transmitir suas diretrizes acerca da operacionalidade do esquema”. O juiz destaca que em tais oportunidades “eram fixados os valores a serem repassados para os militares em virtude dos veículos apreendidos em blitz. Assim, de forma simples, quanto mais veículos eram apreendidos pela Polícia Militar, mais as empresas credenciadas lucravam e mais dinheiro era repassado para os militares corruptores, em um verdadeiro ciclo vicioso”.
“Ademais, caso alguma empresa participante do esquema não cumprisse rigorosamente com seus escusos compromissos, quer deixando de repassar porcentagem de seu lucro, quer simplesmente atrasando seu pagamento, era prontamente advertida no sentido de ser descredenciada, isto é, deixaria de atuar guinchando e/ou armazenando os veículos apreendidos em blitz”, conclui o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos.
O Ministério Público Estadual havia denunciado também o ex-comandante-geral da PM, coronel da reserva Ronaldo Moreira Machado, e a operadora de telefonia Claro. No entanto, ao final do processo, o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos julgou improcedentes as acusações contra o oficial e a empresa.