No dia 15 deste mês, tive a oportunidade de conversar com o desembargador Willian Silva, que preside a Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a respeito da impunidade que impera no Brasil. O desembargador Willian Silva é um dos juristas mais respeitado do País. É um profundo estudioso do Direito Criminal e, por conhecer o assunto, é também um crítico ferrenho às leis brasileiras:
“O nosso Direito Penal brasileiro é garantista; protege muito o autor do crime; garante mais direitos do que deveres”, me disse o doutor Willian Silva.
Hoje, o desembargador Willian Silva está atuando em uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça. Antes de ser promovido a desembargador, atuou por muitos anos como juiz de Varas Criminais.
A conversa que tive com o Willian Silva girou,inicialmente, em torno dos 40 anos do seqüestro, estupro e assassinato da menina Araceli Cabrera Sanches Crespo. Até hoje, nenhum dos criminosos foi punido e sem será mais, porque o crime prescreveu após 20 anos da tragédia.
Para o desembargador capixaba, o fim da impunidade passa pela tomada de diversas providências. Uma delas, diz Willian Silva, seria o de aumentar o prazo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade, passando dos atuais 30 anos para 50 anos.
Outra solução, segundo Willian Silva, é tornar mais ágeis as investigações policiais sobre um crime e, consequentente, maior rapidez também no julgamento e punição de um criminoso. A menina Araceli foi assassinada no dia 18 de maio de 1973, em Vitória.
O que o senhor acha da prescrição de crimes, como o do assassinato Araceli Cabrera Sanches Crespo?
Desembargador Willian Silva – A Constituição Federal já trata da questão da prescrição de crimes. Por isso, não se pode mudar por lei; a mudança somente poderá ocorrer pela realização de um plebiscito. Já a alteração de prazo prescricional pode ser feita por lei dentro do próprio Código Penal Brasileiro.
A Constituição Federal prevê que são imprescritíveis somente os crimes de racismo e de terrorismo, que é a ação de grupos armados contra o Estado Democrático. Outros crimes, portanto, são prescritíveis.
Quando a lei estabelece 20 anos para se punir a prática de crime é justamente pensando para que o Estado não durma e atue com celeridade na investigação e julgamento de um delito. O Código Penal Brasileiro já alterou o prazo mínimo para prescrição, por meio da Lei 12.234/2010. Antes, o prazo mínimo prescricional era de dois anos, se a pena máxima fosse inferior a um ano. A partir de 6 de maio de 2010, o prazo prescricional mínimo passou a ser de três anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.
Portanto, da mesma forma que o legislador alterou o prazo mínimo, poderia também alterar o prazo máximo, que hoje é de 20 anos para crime de homicídio.
– Fale da proposta de aumentar de 30 anos para 50 anos o prazo máximo de cumprimento de pena numa prisão.
– Tramita no Senado Federal proposta para alterar o artigo 75 do Código Penal Brasileiro. Este artigo determina que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos. E mais: quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
A proposta de alterar o artigo 75 é de minha autoria e determina, caso seja aprovada, que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade passe de 30 para 50 anos. Explico melhor meu posicionamento: o Código Penal é de 1940, quando a expectativa de vida no Brasil era de, no máximo, 60 anos. Hoje, nossa expectativa de vida passa bem mais dos 70 anos.
– Neste caso, poderia se aumentar o prazo máximo de prescrição?
– Claro. Aumentando o limite máximo de prisão, poderíamos aumentar também o prazo máximo prescricional. Tenho certeza que o prazo de 20 anos para se punir um crime de homicídio é baixo.
– Como, então, reduzir a impunidade para que casos como o de Araceli não deixem de ser punidos daqui para frente?
– O combate à impunidade depende de um conjunto de providências. O aumento do prazo de prescrição é apenas uma delas, porque há crimes de difícil elucidação. O fim da impunidade passa, porém, por outras importantes questões.
No Brasil, as polícias Federal e Civil, que têm a atribuição de investigação, precisam ser melhores equipadas para que possam, justamente, aperfeiçoar sua capacidade de apuração de crimes.
Não se pode deixar passar tanto tempo para se prender um acusado de crime. Veja o atentado de Boston, nos Estados Unidos. Logo depois do ocorrido, em que três pessoas morreram, a polícia americana chegou imediatamente aos acusados.
Portanto, um crime precisa ter uma apuração rápida para não cair no esquecimento; assim como também precisa ter um julgamento justo e rápido. Logo, um crime precisa ter apuração, prisão e condenação imediatas para se evitar a impunidade.
– Qual é o reflexo de uma punição rápida?
– A punição tem que ser imediata para surtir efeito rápido. Logo, o tempo razoável de um processo tem que ser também reduzido. O criminoso precisa ter conhecimento realmente da pena que vai cumprir. Hoje, em nosso País, o sujeito condenado a 30 anos de prisão sabe que vai sair com 12 anos de cumprimento de pena. Se tivesse certeza do castigo, ele pensaria melhor antes de cometer um crime.
– Que avaliação o senhor faz do Direito Penal brasileiro?
– O nosso Direito Penal é garantista; protege muito o autor do crime; garante mais direitos do que deveres. Não precisaríamos alterar o Código Penal se o criminoso tivesse certeza que, ao ser condenado, iria cumprir toda a pena.
O problema é que, se acabar com a progressão de pena no Brasil, tudo vai desaguar nos cofres públicos, pois os Estados teriam que ter verba suficiente para construir, praticamente, um presídio por dia. Como vamos fazer então?