O juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, indeferiu Ação Popular ajuizada pelo deputado estadual Lucínio Castelo de Assumção, conhecido como Capitão Assumção, em que ele, com base apenas em reportagens de jornais, pediu, em sede de tutela de urgência, a suspensão do cancelamento ou interrupções de contratos que objetivem a diminuição do atendimento às especialidades e atendimentos eletivos em hospitais da rede pública estadual no Espírito Santo.
Na Ação Popular nº 0008193-35.2020.8.08.0024, o deputado Capitão Assumção apresenta uma “verdadeira salada” de informações, com o propósito final de pleitear ao Judiciário que deferisse seu pedido no sentido de deixar uma unidade hospitalar especializada no atendimento a pacientes com coronavírus.
O magistrado não só indeferiu o pedido, bem como extinguiu a Inicial, em decisão proferida na terça-feira (02/06).
“Verifico não se mostrar razoável a ilação autoral (do deputado Assumção). Na verdade, o que se pretende com a presente ação, sem qualquer sombra de dúvida, é que o Estado-juiz interfira no âmbito da saúde capixaba, implementando coercitivamente políticas públicas”, justifica o juiz Mário da Silva Nunes Neto, na decisão.
Na ação, o deputado Capitão Assumção narra que devido ao crescimento de casos de contaminação pelo novo coronavírus, o Estado direcionou o Hospital Estadual Jayme Santos Neves – que é referência em cirurgias – para atendimento e recebimento de casos graves da Covid-19 e, assim, “tal medida tornou o sistema de saúde precário, notadamente em razão do remanejamento de médicos para o exclusivo atendimento de casos relacionados à referida doença.”
Em sequência, diz o parlamentar, ocorreram enormes prejuízos aos profissionais da área de saúde e à população, vez que surgiram filas de espera para cirurgias em razão da suspensão do atendimento de outras áreas da saúde.
A petição Inicial faz menção a uma reportagem do jornal A Tribuna, veiculada no dia 07/05/2020. Sem apresentar provas nos autos, Assumção diz que pela suposta falta de logística da Secretaria de Estado da Saúde estaria ocorrendo a “desestruturação da rede pública de saúde, pois o Hospital Estadual Jayme Santos Neves não comporta mais pacientes, gerando a superlotação de todos os hospitais públicos do Estado, pois o foco tem sido apenas o atendimento dos casos de Covid-19.”
Ainda segundo a Inicial, o Governo Federal havia sinalizado a construção de um Hospital de Campanha, com concessão de locais pertencentes à União, o que não teria sido aceito pelo Estado, sob alegação de que supostamente não necessitaria naquele momento da criação de um hospital próprio para tratamento de casos de Covid-19.
Diz o juiz Mário da Silva Nunes Neto na decisão: “Já com base em outra matéria jornalística, desta feita publicada no jornal A Gazeta do dia 11/04/2020, diz o autor popular (Assumção) que o Ministério da Economia também sinalizou com a cessão de terrenos da União para a implantação de hospitais de campanha do país. No Espírito Santo, a área pode ser em Vitória, mas por enquanto não está nos planos da Sesa.”
Na Ação Popular, o deputado Capitão Assumção sustentou “que tendo um local especializado apenas para o tratamento do Covid-19, haverá menos chance de ocorrer superlotação em hospitais ou a falta de médicos especialistas em outras áreas para atender a população, não necessitando, portanto, da ocorrência de cancelamento ou suspensão de contratos com médicos que vêm sendo realizadas pela suposta ausência de casos.”
Segundo o deputado Capitão Assumção, por mais que seja necessária essa atenção especial à pandemia, as outras doenças continuam existindo e precisam de atenção, para que nenhuma área seja prejudicada.
O deputado Assumção diz ainda que o Estado não está providenciando adequadamente EPI’s e testagem aos profissionais da saúde, “os quais têm sido também afetados pela doença”. Inclusive, informa que suposta falta de preparo causou quase mil casos de Covid-19 em profissionais que atuam nesta área somente no Espírito Santo, além da perda de alguns.
Segundo a Inicial ajuizada por Capitão Assumção, “a desestruturação do Sistema Único de Saúde também conta com a falta de requisição de equipamento para recebimento dos pacientes com Covid-19, motivo este que levou o Governo Estadual adquirir leitos nas unidades hospitalares particulares, em vez de solicitar à União recursos para desenvolver um hospital de campanha, dotado de equipamentos e todo suporte necessário, além de contar com uma equipe contratada temporariamente para este trabalho.”
Alega que os atos praticados pelo Governo do Estado violam os princípios constitucionais que regem a administração pública, bem como autêntico desvio de finalidade quando paralisou um serviço público extremamente essencial aos capixabas, o qual é expressamente previsto na Constituição Federal.
Ao analisar o pedido, o juiz Mário da Silva Nunes Neto deixa claro que “extrai-se dos autos que o autor popular (deputado Capitão Assumção) instrui a presente ação tão somente com uma ‘reportagem especial’ do Jornal A Tribuna de 07/05/2020, a qual traz, entre outros assuntos, matérias que informam acerca de suposto ‘risco de desordem na saúde’; alerta do CRM (Conselho Regional de Medicina) para a ‘desestruturação da rede’ e, também, alerta da AMES (Associação Médica do Espírito Santo) de que ‘pacientes com câncer e AVC podem ficar sem tratamento’ e da existência de ‘fila de espera para cirurgia”.
O magistrado sacramenta: “A presente ação não tem condições de regular seguimento”.
De acordo com o juiz Mário da Silva Neto, o fato de a Constituição Federal de 1988 ter alargado as hipóteses de cabimento da ação popular não tem o efeito de eximir o autor de comprovar a lesividade do ato, mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural.
“No entanto, no caso concreto, o que pretende o autor não é a anulação de ato lesivo e sim a implementação coercitiva de política pública, o que aliás há de ser visto com muita cautela, sob pena de afronta ao primado constitucional da Separação dos Poderes e, quiçá, ingerência danosa na atividade administrativa e, consequentemente, prejuízo ao interesse público”, pondera o magistrado na decisão.
Prossegue o magistrado: “Em que pese o autor popular ter apontado violação de princípios norteadores da administração pública, em especial o princípio da moralidade, não se vê qualquer indício da prática do apontado ato lesivo. Ademais, alegar que tal princípio não foi respeitado, tendo em vista suposto descaso pelo Governo Estadual com a saúde pública durante a pandemia da Covid-19, infelizmente presente em todo o planeta (em razão de suspensões ou cancelamentos de contratos recentemente realizados e falta de atenção às demais áreas médicas), verifico não se mostrar razoável a ilação autoral.”
Concluiu o juiz Mário da Silva Neto: “Na verdade, o que se pretende com a presente ação, sem qualquer sombra de dúvida, é que o Estado-juiz interfira no âmbito da saúde capixaba, implementando coercitivamente políticas públicas. Todavia, caso a intenção do legislador fosse a de permitir a discussão sobre o direito à saúde no bojo da ação popular, tê-lo-ia previsto de forma assertiva ou então na categoria de “direito difuso ou coletivo”, como exempli gratia se encontra previsto na Lei nº 7347/85, que rege a ação civil pública. Mas, como visto, não o fizera.
O interesse de agir, consoante pacífica doutrina e abalizada jurisprudência, traduz-se no binômio necessidade/adequação. A ação deve ser um meio necessário e interposta de forma adequada, para a satisfação do pretenso direito e, tendo o autor eleito ação de todo inadequada para os fins colimados, in casu estamos diante de carência de ação.”
(Texto atualizado e corrigido às 7h39 de 05/06/2020)